Senado aprova projeto que muda relações de consumo no Brasil

Proposta, que segue para sanção do presidente, é considerada um marco regulatório/Pixabay
Proposta, que segue para sanção do presidente, é considerada um marco regulatório/Pixabay
Legislação atualiza o Código de Defesa do Consumidor ao incluir um capítulo sobre prevenção e tratamento da pessoa superendividada.
Fecha de publicación: 09/06/2021

O Senado aprovou nesta quarta-feira (9) o projeto de lei que cria regras para prevenir o superendividamento dos consumidores. A legislação proíbe práticas consideradas enganosas e prevê audiências de negociação. O PL 1.805/2021, que atualiza o CDC (Código de Defesa do Consumidor) ao incluir um capítulo sobre prevenção e tratamento do cidadão superendividado, é considerado um marco regulatório para tratar do assunto, porque estabelece os direitos do consumidor e os deveres do fornecedor em uma relação comercial que envolva condições de crédito. Também traz regras sobre empréstimo consignado e repactuação de dívidas. O texto agora segue para sanção do presidente.

A proposta define o superendividamento como a impossibilidade do consumidor de boa-fé em pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, sem comprometer um "mínimo existencial" que será definido em regulamentação.

As novas regras buscam dar condições de negociações mais justas a consumidores que contratam crédito com a intenção de pagar, mas ficam totalmente impossibilitados de honrar seus compromissos financeiros, seja por desemprego, doença ou qualquer outra razão que cause um impacto no orçamento da família.


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Segundo a Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas e do SPC- Brasil (Serviço de Proteção ao Crédito), o país tem mais de 60 milhões de pessoas endividadas, 30 milhões deles superendividados, que são aqueles que não estão conseguindo pagar suas dívidas. Os dados são de 2018, portanto antes do agravamento causado pela pandemia. Para auxiliar a recuperação econômica destas pessoas – a maioria mulheres que chefiam mais de 45% dos lares brasileiros - o PL, que ficou mais de cinco anos parados na Câmara, propõe a regulação da concessão de crédito com aumento da transparência e prevenção do endividamento com regras para a publicidade, que precisa evidenciar os riscos sobre a contratação de crédito, e garante melhores condições e procedimentos para negociação da dívida com as instituições financeiras.

O texto cria instrumentos para conter o abuso praticado contra idosos e vulneráveis a escolhas de crédito desfavoráveis a sua realidade e a permanente exposição ao uso de crédito sem condições de sair do chamado ciclo vicioso.

Pela proposta, na concessão de crédito e na venda a prazo, o fornecedor ou intermediário deverá informar ao consumidor, no momento da oferta, sobre: o custo efetivo total e a descrição dos elementos que o compõem; a taxa mensal efetiva de juros, assim como a taxa dos juros de mora e o total de encargos, previstos para o atraso no pagamento; e o montante das prestações e prazo de validade da oferta, que deve ser no mínimo de dois dias.

O conjunto de normas proíbe que a oferta de crédito ao consumidor, de forma publicitária ou não, use os termos "sem juros", "gratuito", "sem acréscimo" e "com taxa zero" ou expressão semelhante. Além disso, impede a indicação de que a operação de crédito poderá ser concluída sem consulta a serviços de proteção ao crédito ou sem avaliação da situação financeira do consumidor. Esse dispositivo, porém, não se aplica à oferta para pagamento por meio de cartão de crédito.

O texto também veta o assédio ou a pressão para que o consumidor contrate o fornecimento de produto, serviço ou crédito, inclusive à distância, por meio eletrônico ou por telefone, principalmente se se tratar de consumidor idoso, analfabeto, doente ou em estado de vulnerabilidade agravada. 

“É uma vitória histórica para o consumidor. Podemos dizer que é o único projeto de lei que tramitou no Congresso nos últimos anos que tinha a intenção de melhorar o Código de Defesa do Consumidor. Nós, ao lado de diversas outras entidades, temos que comemorar essa aprovação que prevê o início de práticas mais justas e éticas na concessão do crédito e respeito à população brasileira sufocada pelo endividamento”, afirma Teresa Liporace, diretora executiva do Instituto de Defesa do Consumidor, o Idec.

“A aprovação da lei é boa para todo mundo. Protege os mais vulneráveis e também ajuda todas as famílias endividadas, que terão uma saída para essa situação e também é boa para a economia, que terá milhões de brasileiros com condições de voltar ao mercado de consumo”, explica a diretora executiva.

Na oferta de crédito antes da contratação, o fornecedor ou intermediário deve avaliar de forma responsável as condições de crédito do consumidor, por meio da análise de informações disponíveis em bancos de dados de proteção ao crédito. O descumprimento dessa regra poderá causar a redução dos juros, encargos ou qualquer acréscimo e a dilação do prazo de pagamento, além da indenização ao consumidor por perdas e danos, patrimoniais e morais.

Nos casos de empréstimo consignado, a soma das parcelas para pagamento da dívida não poderá ser superior a 30% da remuneração mensal do contratante, podendo o limite ser acrescido em 5% destinado exclusivamente para amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito. A desobediência a essa regra poderá resultar na redução dos encargos da dívida e da remuneração do fornecedor.

A pedido do consumidor superendividado, um juiz poderá instaurar processo de repactuação das dívidas, por meio de uma audiência conciliatória. Essa audiência terá a presença de todos os credores, quando o consumidor apresentará a proposta de plano de pagamento com prazo máximo de cinco anos. Excluem-se desse processo de repactuação dívidas de contratos celebrados dolosamente, assim como dívidas de contratos de crédito com garantia real, financiamentos imobiliários e crédito rural.

Havendo a conciliação com qualquer credor, a sentença que homologar o acordo descreverá o plano de pagamento da dívida, com eficácia de título executivo e força de coisa julgada.

Constarão do plano de pagamento: as medidas de dilação de prazos de pagamento e de redução dos encargos da dívida e a data a partir da qual será providenciada a exclusão do consumidor dos cadastros de inadimplentes.

A discussão pela aprovação dessas mudanças durou mais de 10 anos. A tramitação da medida teve início em 2012, pouco depois da crise financeira internacional, quando muitos países que enfrentaram o endividamento das famílias já haviam adotado medidas para proteger os consumidores e buscavam um ambiente de crédito mais responsável.


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Um estudo da OEB (Ordem dos Economistas do Brasil) e Instituto do Capitalismo Humanista, cruzou dados e concluiu que com a aprovação do PL do superendividamento as famílias podem ter uma renda adicional de R$ 700 por mês, valor que poderá ser usado a partir de agora para os gastos essenciais. O cálculo estima um nível mínimo existencial de 65% da renda. Os demais 35% devem ser dirigidos ao pagamento das dívidas, garantindo o recebimento dos débitos pelos credores.

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