O que é necessário para criar uma startup de sucesso no Brasil?

A pandemia colocou as startups em evidência. E o mundo digital trouxe soluções que antes eram usadas como algo secundário/Pixabay
A pandemia colocou as startups em evidência. E o mundo digital trouxe soluções que antes eram usadas como algo secundário/Pixabay
É preciso avaliar se o mercado vai realmente precisar da solução disruptiva proposta e ficar atento às questões jurídicas e societárias. 
Fecha de publicación: 05/06/2022

Um mercado promissor e que nem sempre é influenciado por crises políticas e econômicas. As startups são, mais do que nunca, a bola da vez para investidores e grandes fundos mundiais. E o Brasil está sendo diretamente beneficiado: hoje já são 30 unicórnios, a maneira como essas empresas que alcançam valor de mercado acima de US$ 1 bilhão (R$ 4,78 bilhões em 4 de junho) são chamadas. Uma história recente, que começou há apenas quatro anos, quando a primeira empresa atingiu a marca.

Chegar nesse ponto é o objetivo de muitas das empresas que estão nascendo, mas é preciso percorrer um longo caminho. Os unicórnios estão no topo de um mercado bastante competitivo e que vem crescendo principalmente na pandemia, com o aumento da necessidade de soluções tecnológicas que ajudam a manter as pessoas conectadas, possibilitando a realização de atividades cotidianas. 


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De acordo com a Associação Brasileira de Startups, o país tem hoje cerca de 70 mil empresas nesse segmento, com base na tecnologia e consideradas disruptivas. Para os especialistas, os setores relacionados a healthtechs, fintechs e startups relacionadas à logística e atendimento ao cliente foram e são essenciais nesse momento. 

Outro setor proeminente foi o de logística de cargas, que também se tornou mais ágil, não só em comércios locais como internacionais. Se antes o tempo médio para receber um produto de fora era de três meses, agora é possível tê-lo em 15 dias ou menos.

Nesse cenário em evolução, de acordo com advogados consultados por LexLatin, montar ou constituir uma startup ou uma empresa, do ponto de vista societário no Brasil, não é um grande problema. Os desafios para se constituir uma startup são justamente os entraves regulatórios e isso depende muito do tipo de operação que desenvolverá no país.

“Se estiver operando em um mercado regulado por alguma agência estatal – como a CVM (Comissão de Valores Mobiliários), a Susep (Superintendência de Seguros Privados) ou o Banco Central –, ela pode enfrentar burocracias adicionais. Mas não que isso seja um entrave em si, mas pode haver mais regras que exigem burocracias adicionais que terão de ser consideradas para poder iniciar suas operações no Brasil. É o caso das fintechs, por exemplo, na área financeira, ou ainda das insurtechs, que atuam no mercado de seguros. Esses são setores regulados que exigem mais pontos de atenção das startups”, explica Daniel Caramaschi, sócio da área de contratos comerciais, disrupt, fusões, aquisições e societário do Demarest Advogados.

Em relação à legislação, o país teve uma evolução importante recentemente, que é o Marco Legal das Startups, em vigor desde agosto de 2021. Até a entrada da nova lei, não havia um conceito definido do que era uma startup, levando a interpretações diversas. 

A legislação estabeleceu que startups são aquelas com até dez anos de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), faturamento bruto anual de até R$ 16 milhões e declaração em seu ato constitutivo de que farão uso de um modelo de negócio inovador.

A norma trouxe, na avaliação dos especialistas, mais segurança ao investidor, ao negócio, ao investimento inicial e a todos os players envolvidos no ciclo disruptivo. “Todas as questões de startups são resumidas em situações contratuais, muitas vezes importadas de outras jurisdições, sem que haja uma correlação legislativa igual à do país de origem. Ter regras específicas no Brasil dá mais segurança ao investidor”, diz o advogado.

A partir dessa definição, o mercado brasileiro pode criar regras específicas e que possam de alguma forma afetar as startups, como pensar e estabelecer regras trabalhistas, tributárias ou algum tipo de item regulatório que venha alterar especificamente este nicho. 

Outro aspecto importante nesse contexto de inovação é o ambiente regulatório experimental (o chamado sandbox regulatório), porque contribui para desburocratizar o ambiente de negócios.


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“É um ambiente regulatório em que empresas, startups e novas tecnologias podem entrar em ambientes regulados, por exemplo, ambientes da Anvisa, ambientes da Anatel, para que essas empresas atuem por um determinado tempo, sem necessariamente adotarem todas as medidas necessárias do que uma empresa tradicional adota, porque elas estão testando a tecnologia”, avalia Felipe Monteiro, head do Startup Desk do Kasznar Leonardos. 
 
“Assim, as startups podem desenvolver novos produtos e soluções a partir de um ambiente com menos regras. Em mercados que são extremamente regulados por instituições como a CVM e a Susep, este é um item decisivo. Isso porque, no ambiente regulatório experimental, as empresas podem atuar sem os limitadores padrão e, assim, desenvolver soluções a partir das quais o governo e esses órgãos acompanham e avaliam as mudanças efetivas”, afirma Caramaschi.

Mas além das inovações da legislação é preciso ficar atento a questões internas da empresa. Um dos grandes problemas apontados pelos especialistas, e que é razão do fim de muitas startups, é a falta de sintonia entre os sócios. 

“Se não há um alinhamento entre sócios, o caminho a médio e longo prazo é prejudicado. E aí o grande questionamento é que muitas vezes não existe a regra de saída desse sócio. O que acontece com esta sociedade caso ele saia? Não está estipulado também algumas questões de propriedade intelectual dentro do acordo dos sócios. Então, começa a existir uma briga aí pelos ativos da empresa e isso pode prejudicar a sociedade”, diz Monteiro. 

Outra questão importante é a proteção da propriedade intelectual desde o início e fazer o registro da marca no INPI. “Esse é um erro que 99% das startups fazem quando elas não estão bem assessoradas. Elas desenvolvem determinada tecnologia, que é patenteada, mas um dos requisitos da patente elas não atendem, que é a novidade, porque elas já publicaram essa tecnologia ou até mesmo porque começaram a comercializar aquela tecnologia e não depositaram o pedido. E aí, quando elas decidem depositar o pedido, já se passou o prazo para que aquilo daí deixe de ser novidade. Como resultado, ela tem prejudicada aquela busca por aquele direito de exclusividade que a patente gera”, explica Monteiro. 

O processo de depósito de patente é quando o requerente dá entrada no pedido de obtenção de direitos sobre uma criação que pode ser produzida industrialmente.

Na América Latina, o Brasil é considerado um celeiro de startups, já que o país tem um mercado potencial enorme e é carente de tecnologia e inovação, o que abre espaço para diversas iniciativas em diferentes áreas, como marketplaces, área bancária, saúde e educação. Mas ainda há muitos entraves.


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“Do ponto de vista jurídico, o que ainda dificulta essa maior expansão é o risco-Brasil relacionado a nossa legislação ser muito complexa, do ponto de vista tributário e trabalhista, e uma desconfiança do próprio mercado e dos investidores com relação à atuação do Judiciário. Existe uma falta de confiança que o Judiciário vá responder de maneira rápida eventuais demandas. E isso acaba dificultando o acesso do investidor”, avalia o advogado do Demarest.

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