STJ determina que não parar o carro após ordem policial é crime de desobediência

No caso apreciado o réu desobedeceu a ordem de parada dos agentes estatais e iniciou a fuga/Canva
No caso apreciado o réu desobedeceu a ordem de parada dos agentes estatais e iniciou a fuga/Canva
Entendimento será aplicado pelas demais instâncias da Justiça, como prevê o Código de Processo Civil.
Fecha de publicación: 31/05/2022

A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) cumpriu sua missão constitucional ao decidir que é crime de desobediência ignorar a ordem de parada de veículo emitida por policial no exercício de atividade ostensiva de segurança pública. Essa é a opinião do professor da Pós-Graduação em Processos nas Cortes Superiores da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília (FPMB), Marcos Brayner.

“A desobediência à ordem legal de parada emanada por agentes públicos, em contexto de policiamento ostensivo, para a prevenção e repressão de crimes, constitui conduta penalmente típica, prevista no art. 330 do Código Penal Brasileiro. Com esse julgamento, o STJ cumpre sua missão constitucional de interpretar a aplicação do direito federal, no caso, o Código Penal, impingindo aos demais tribunais e juízes do país a obrigação de observar seu precedente qualificado”, explicou o docente.

“Dessa forma, promove-se a segurança jurídica, trazendo estabilidade, integridade e coerência da jurisprudência dos tribunais, atendendo à diretriz do artigo 927 do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente ao Processo Penal, conforme preconiza o art. 3º deste”, acrescentou.


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No caso apreciado pelo STJ, o réu, ao avistar uma viatura de policiais militares, desobedeceu a ordem de parada dos agentes estatais, no exercício de suas funções, e iniciou a fuga. Perseguido, somente parou depois de perder o controle e tombar o carro. Por essa conduta, foi condenado pelo juízo de primeiro grau, pelo crime do artigo 330 do Código Penal (crime de desobediência).

O Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, no entanto, absolveu o réu, entendendo de que “a conduta de desobedecer ordem emanada de autoridade pública não configura crime quando se dá em virtude da preservação da própria liberdade do agente”, uma vez que “tudo leva a crer que o acusado assim procedeu, porque estava conduzindo veículo anteriormente roubado, o qual havia sido abastecido, sem o efetivo pagamento, momentos antes da abordagem”.

O acórdão absolutório afirmou que se aplicaria ao caso “o princípio nemo tenetur se detegere, isto é, a vedação da autoincriminação, por decorrência lógica da redação do inciso LXIII do art. 5° da Constituição Federal, que fornece ao acusado o direito de permanecer calado”.

Recurso

O Ministério Público do Estado de Santa Catarina interpôs recurso especial para o STJ buscando o restabelecimento da sentença de primeiro grau, que condenou o réu pelo crime de desobediência.

A defesa sustentou a subsidiariedade do Direito Penal, que somente incidiria quando não houvesse previsão de sanção administrativa específica pelo descumprimento. Ainda argumentou que o recorrido descumpriu ordem de parada dos policiais para evitar a prisão por outro crime (roubo), razão pela qual não poderia responder pelo delito do art. 330 do Código Penal, sob pena de se violar o “direito fundamental ao silêncio e de não produzir prova contra si mesmo."

Sob o rito dos recursos repetitivos, no julgamento do Tema 1.060, a Terceira Seção do STJ acabou definindo que é crime de desobediência ignorar a ordem de parada de veículo emitida por policial no exercício de atividade ostensiva de segurança pública.

Por maioria, foi fixada a seguinte tese: "A desobediência à ordem legal de parada, emanada por agentes públicos em contexto de policiamento ostensivo, para prevenção e repressão de crimes, constitui conduta penalmente típica, prevista no artigo 330 do Código Penal Brasileiro".

Com o julgamento do tema, podem voltar a tramitar os recursos especiais e agravos em recurso especial que tratam da mesma controvérsia e estavam suspensos à espera da definição do precedente qualificado. A tese fixada pelo STJ deverá ser aplicada pelas demais instâncias da Justiça, como prevê o Código de Processo Civil.

“O ponto central das razões de decidir da Corte Superior, incumbida da tarefa de uniformizar a interpretação e aplicação da lei federal, está na premissa de que os direitos ao silêncio e de não produzir prova contra si mesmo não são absolutos e não podem ser invocados para o agente se esquivar da prática de outros delitos. Assim, embora possa o réu se calar, como exercício pessoal de autodefesa, esse direito não pode se prestar a acobertar a prática de outros crimes, o que caracterizaria um abuso de direito, extrapolando a esfera protetiva dos bens jurídicos tutelados pelo Ordenamento Jurídico”, comentou o professor Marcos Brayner.

O relator do recurso representativo da controvérsia, ministro Antonio Saldanha Palheiro, explicou que, para a jurisprudência do tribunal, o direito à não autoincriminação não é absoluto, motivo pelo qual não pode ser invocado para justificar condutas consideradas penalmente relevantes pelo ordenamento jurídico.


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Antonio Saldanha Palheiro observou também que o STJ tem orientação firmada no sentido de que o descumprimento de ordem legal de parada emanada em contexto de policiamento ostensivo configura o crime de desobediência, como foi reconhecido, no caso, pelo juízo de primeira instância.

Citando diversos precedentes, o relator deu provimento ao recurso especial do Ministério Público e reformou o acórdão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina -- que estava em desacordo com o entendimento do STJ --, a fim de restabelecer a sentença condenatória.

Em seu voto, o ministro destacou que, como apontado pelo Ministério Público, a possibilidade de prisão por outro delito não é suficiente para afastar a incidência da norma penal incriminadora, pois a garantia da não autoincriminação não pode suprimir a necessidade de proteção ao bem jurídico tutelado no crime de desobediência. Com informações do portal de notícias do STJ. 

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