Taxa Selic para correção de dívidas civis beneficiará grandes empresas e prejudicará cidadãos

Questão é um dos principais assuntos a serem resolvidos pelo STJ em 2022/Marcello Casal Jr/Agência Brasil
Questão é um dos principais assuntos a serem resolvidos pelo STJ em 2022/Marcello Casal Jr/Agência Brasil
Medida permitirá que corporações empurrem o cumprimento das decisões pelo maior tempo possível
Fecha de publicación: 23/03/2022

A aplicação da taxa do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic) para a correção de Dívidas Civis beneficiará grandes empresas e dificultará o pagamento de obrigações determinadas judicialmente aos cidadãos que ganharem o direito de recebê-las. A aplicação da Selic promoverá uma atmosfera de insegurança e permitirá que às corporações empurrem o cumprimento das decisões pelo maior tempo possível. Essa é a opinião da professora de Direito da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília, Gracemerce Camboim.

“Quando chegar o momento da execução da dívida, qual taxa será aplicada? Se um ano for um percentual, no ano seguinte outro, como fica? Quem terá acesso a elaboração do cálculo correto? Tudo se torna subjetivo e as relações cíveis dependem de uma segurança. Isso poderá ser um alvará do judiciário para que Bancos, por exemplo, possam postergar o pagamento de uma dívida cível por um longo período, porque ficaremos na discussão das taxas e correção de valores. As ações poderão durar muito mais tempo, sem um resultado efetivo”, criticou a docente, que também é mestre em Comércio Exterior e Relações Internacionais.

Essa deve ser uma das principais discussões de 2022 do judiciário nacional. No Superior Tribunal de Justiça (STJ), a quarta turma deverá decidir sobre a aplicação ou não da Selic para atualização das chamadas Dívidas Civis, cobradas em casos de danos contratuais ou extracontratuais. O colegiado julgará o recurso especial sobre o tema (REsp 1.795.982), que está sob a relatoria do ministro Luis Felipe Salomão.


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O ponto principal da divergência é o artigo 406 do Código Civil. “Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional”. Ou seja, cabe a aplicação da Selic.

Tudo começou quando, em São Paulo, uma empresa de ônibus pediu que a Selic fosse aplicada na indenização por danos morais devida a uma passageira. Porém, o Tribunal de Justiça do Estado determinou que devem incidir, no caso, juros moratórios de 1% ao mês, a partir da citação, e correção monetária desde o arbitramento, conforme o índice da tabela oficial adotada pela corte paulista, que levou em consideração o parágrafo 1º do artigo 161 do Código Tributário Nacional (Lei 5.172/1966).

O texto do artigo diz que “o crédito não integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de mora, seja qual for o motivo determinante da falta, sem prejuízo da imposição das penalidades cabíveis e da aplicação de quaisquer medidas de garantia previstas nesta Lei ou em lei tributária”, e o primeiro parágrafo complementa: “se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de um por cento ao mês”.

“Não podemos deixar a política monetária definir algo que é de direito do cidadão”, acrescentou Gracemerce Camboim. Vale destacar que a Corte Especial já possui uma jurisprudência consolidada a respeito da questão. Em 2010 o STJ julgou este mesmo tema em caráter repetitivo. À época, a Selic estava em 13,75%, muito próximo do que é, hoje, 10,75%. Porém, em outubro de 2021, por exemplo, o percentual estava em 6,25%, permitindo um ganho real quase nulo.

Selic

A Selic consiste na taxa básica de juros da economia, refletindo o índice de juros apurado nas operações de empréstimos entre as instituições financeiras em um dia, sendo o principal mecanismo para o controle da inflação do Comitê de Política Monetária do Banco Central do Brasil (Copom). Para tanto, o Banco Central opera no mercado de títulos públicos para que a taxa Selic efetiva esteja em linha com a meta da Selic definida na reunião do COPOM.

Segundo o Banco Central, a Selic também é uma infraestrutura do mercado financeiro administrada pelo BC, ao passo que seu funcionamento adequado é essencial para a estabilidade financeira e condição necessária para salvaguardar os canais de transmissão da política monetária no nosso país.

“E ainda da possibilidade de ser fixada unilateralmente pelo Banco Central na medida da conjuntura inflacionária, depreende-se que a Selic se trata de um instrumento de política monetária que visa a tratar de matérias macroeconômicas, sendo, portanto, naturalmente flutuante e imprecisa. Desse caráter altamente volátil do índice decorre a impossibilidade de se garantir elementos basilares para as relações civis, quais sejam: a previsibilidade e a segurança jurídica”, concluiu a professora.


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Vale ressaltar que já há o enunciado nº 20 do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal:

“Art. 406: A taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 é a do art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional, ou seja, um por cento ao mês. A utilização da taxa Selic como índice de apuração dos juros legais não é juridicamente segura, porque impede o prévio conhecimento dos juros; não é operacional, porque seu uso será inviável sempre que se calcularem somente juros ou somente correção monetária; é incompatível com a regra do art. 591 do novo Código Civil, que permite apenas a capitalização anual dos juros, e pode ser incompatível com o art. 192, § 3º, da Constituição Federal, se resultarem juros reais superiores a doze por cento ao ano”.

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