Em 27 de maio, a Petróleo Brasileiro S.A. - Petrobras anunciou o início dos procedimentos para acesso de produtores interessados às suas unidades de processamento de gás natural (UPGNs). Trata-se de mais um importante passo para a abertura do mercado de gás natural no Brasil.
Apesar de o acesso de terceiros à infraestrutura de processamento de gás natural não ser obrigatório nos termos da Lei n° 11.909, de 4 de março de 2009 (Lei do Gás), o acesso às UPGNs da Petrobras está previsto na Resolução n° 16 do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), aprovada em 24 de junho de 2019, bem como no Termo de Compromisso de Cessação de Prática (TCC), celebrado entre o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e a Petrobras em 8 de julho de 2019.
Esses documentos têm o objetivo de promover a abertura do mercado de gás brasileiro por meio da redução da participação do agente dominante no setor.
A Petrobras assumiu compromisso no TCC de negociar, de boa fé e de forma não discriminatória, o acesso de terceiros às suas UPGNs, consideradas infraestruturas essenciais (essential facilities). Com a conclusão desse processo, a Petrobras passará a atuar como processadora não apenas do seu próprio gás natural, mas também do gás natural de titularidade de terceiros. Dessa forma, será viabilizado o fornecimento de gás por esses produtores diretamente ao mercado brasileiro, não mais ocorrendo a venda da produção exclusivamente à Petrobras.
De acordo com as informações disponibilizadas pela Petrobras, a capacidade de processamento de gás natural deverá ser ofertada em duas etapas:
1ª Etapa (já em curso): oferta de capacidade aos agentes que possuem direitos sobre a produção de gás natural provenientes de campos em produção, com o objetivo de garantir a continuidade da produção de óleo e gás no Brasil;
2ª Etapa: oferta da capacidade de processamento disponível (após negociações da 1ª Etapa) aos demais agentes interessados, devendo essa oferta ser realizada anualmente.
O acesso de terceiros à infraestrutura de processamento da Petrobras resultará em "operações de industrialização por encomenda", consistindo basicamente na remessa do gás natural para industrialização/transformação pela Petrobras e posterior retorno do produto industrializado/transformado ao titular do gás (com a manutenção da sua propriedade ao longo de todo o processo).
Essas operações deverão ser reguladas por contratos de processamento de gás natural nas modalidades firme (capacidade disponível de processamento) ou interruptível (capacidade ociosa de processamento) e com a remuneração pelo acesso sendo livremente negociada entre as partes.
Antes de celebrar esses contratos de processamento, todos os agentes deverão: manifestar à Petrobras seu interesse na contratação de capacidade de processamento de acordo com as regras publicadas; celebrar acordo de confidencialidade com a Petrobras; trocar informações iniciais e definir cronograma de negociação do contrato de processamento; e negociar e celebrar com a Petrobras o contrato.
O acesso dos demais produtores de gás natural às UPGNs da Petrobras configura importante marco no longo processo de abertura do setor, possibilitando a participação desses agentes produtores em outros elos da cadeia de gás natural, com expectativa de maior competitividade para a utilização desse importante insumo energético no Brasil.
Além do princípio da boa-fé objetiva previsto no Código Civil, os agentes interessados e a Petrobras deverão negociar os contratos com especial atenção ao princípio de acesso não discriminatório e terão o desafio de conduzir essa negociação em momento especialmente conturbado para a indústria de petróleo.
A conclusão do processo de abertura do mercado de gás, todavia, depende ainda de outras medidas a serem tomadas pela Petrobras conforme previsto no TCC e na Resolução CNPE No. 16/2019, incluindo desinvestimentos pela Petrobras (desverticalização do setor/unbundling) em transportadoras e distribuidoras de gás natural, redução da participação da Petrobras na utilização de outras infraestruturas essenciais (capacity release) e implementação de programa de venda de gás natural pela Petrobras por meio de leilões (gas release), bem como a edição de normas pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP e a reforma da Lei do Gás, atualmente em discussão no Congresso Nacional por meio do Projeto de Lei No. 6407/2013.
Em qualquer caso, sempre com a devida observância ao ato jurídico perfeito e aos direitos adquiridos, de modo a evitar qualquer incerteza sobre direitos dos atuais titulares e usuários dessas infraestruturas essenciais, garantindo a necessária segurança jurídica no processo de abertura do mercado de gás.
*Marcello Portes da Silveira Lobo é sócio e Pedro Ícaro Lopes Vargas é advogado da área de petróleo e gás do Pinheiro Neto Advogados.
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