
O Pleno do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) aprovou nos últimos dias o tópico mais importante da reforma nas regras de publicidade da advocacia, permitindo os anúncios na internet e impulsionamento de postagens nas redes sociais. O texto, no geral, possui arestas, mas se concentra em normas gerais e evita apertar as rédeas da divulgação de conteúdos jurídicos, corrigindo em parte preconceitos históricos quanto a ferramentas de publicidade.
O provimento da OAB sobre publicidade hoje em vigor data de 5 de setembro de 2000 (Provimento nº 94), uma época em que a conexão com a internet era discada, as pesquisas eram feitas pelo “Altavista” e computadores ainda usavam disquetes. Em 2015, a Resolução nº 2 da OAB aprovou o novo Código de Ética e Disciplina, recebendo atualizações, entre elas a menção à existência da internet, do e-mail, de sites e até do QR Code.
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Em uma de suas passagens mais relevantes, o texto que substituirá o Provimento nº 94/2000, aprovada na terça-feira (29), diz o seguinte:
“Art. 4º No marketing de conteúdos jurídicos poderá ser utilizada a publicidade ativa ou passiva, desde que não esteja incutida a mercantilização, captação de clientela ou emprego excessivo de recursos financeiros, sendo admitida a utilização de anúncios, pagos ou não, nos meios de comunicação, exceto nos meios vedados pelo Art. 40 do Código de Ética e Disciplina.”
O artigo 40 do Código de Ética e Disciplina, mencionado no texto, faz referência apenas a velhas mídias como TV, rádio, cinema, outdoors, mala direta e panfletos. O novo texto evita delimitar qual nova mídia será permitida e o modo como a mensagem será distribuída, restringindo-se a dar diretrizes gerais sobre o conteúdo administrado e colocando restrições à escala da operação.
Anúncios e impulsionamento
Ao autorizar a propagação de conteúdos jurídicos “pagos ou não", o artigo 4º do provimento passa a permitir publicidade em páginas da internet e o impulsionamento de postagens em redes sociais. O chamado “impulsionamento” nada mais é que direcionar uma postagem a pessoas ou segmentos específicos numa rede social fora do círculo de contatos do usuário. Os valores cobrados por esse serviço variam em função da rede, do número de pessoas atingidas e de uma espécie de critério de leilão feito pelo algoritmo.
Essa é considerada a forma mais acessível e eficaz da publicidade online atualmente, uma vez que confere uma imagem “espontânea” ao conteúdo divulgado, gera alto engajamento e atinge grande circulação. Não à toa, empresas como o Facebook registram recordes de lucro ano a ano, ao mesmo tempo em que reduzem o alcance de publicações orgânicas, ou seja, sem impulsionamento.
Nessa linha, a nova norma da OAB reconhece uma estratégia já adotada em larga escala por integrantes das gerações X, Y e Z, legitimando uma prática consolidada. Esse estímulo à publicidade em redes será útil sobretudo às multidões de jovens advogados recém-formados, confrontados com um mercado de trabalho inóspito e levados a explorar novos nichos de atuação, possivelmente ignorados pela advocacia tradicional. Para isso, precisarão de novas ferramentas.
Para quem já está estabelecido, pouco disso parece fazer diferença. O melhor modo de se conquistar clientes segue sendo cultivar redes de contatos, histórias de sucesso, atestados de capacidade, credibilidade e uma boa imagem. Deve-se reconhecer, contudo, que esses atributos serão difundidos cada vez mais por uma dosagem entre velhos hábitos e novas mídias.
Infelizmente, a nova regra começa deixando arestas. Uma delas é a vedação à “captação de clientela e uso excessivo de recursos financeiros”, no artigo 4º. Ambos os conceitos dão grande margem para a subjetividade — principal crítica contra as regras atuais. A captação de clientela, por exemplo, é definida como uma ação que induz “à contratação dos serviços ou estímulo ao litígio”, o que não explica muita coisa. Assim como o “emprego excessivo de recursos financeiros”, que seria delimitado em um anexo ainda a ser elaborado. Isso gera uma série de dúvidas: denunciar ilegalidades, riscos jurídicos e difundir jurisprudência configurariam captação de clientela? E quanto ao valor-limite para o impulsionamento, será um número absoluto por escritório, por advogado ou proporcional à receita? Variará por Estado ou ramo de atuação? A mesma regra será imposta nos casos de anúncios tradicionais, nas demais mídias? De todos os ângulos que se olhe, a OAB parece ter se complicado.
Mad Men
A celebrada série televisiva Mad Men era ambientada em uma agência de publicidade na Nova York dos anos 1960, tendo como uma de suas linhas dramáticas o preconceito enfrentado pela publicidade frente a profissões consideradas “sérias”. Durante muitos anos a propaganda foi associada ao charlatanismo, cenário que começou a mudar com a regulação e profissionalização do setor.
No Brasil, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) surgiu em 1980, tendo como alvo a propaganda enganosa ou abusiva, e em 1990 é aprovado o Código de Defesa do Consumidor, conferindo status legal à preocupação. Nessa época surgem os primeiros cursos superiores especializados em publicidade e propaganda com cadeiras de “ética publicitária”, e a atividade começa a ser mais respeitável. Ainda assim, profissões tradicionais como Direito e Medicina mantém extensas restrições à propaganda. Em 2011, o Conselho Federal de Medicina lançou um manual de publicidade médica com 104 páginas, incluindo uma lista de proibições com 18 itens.
Jornalismo.com
Por outro lado, historicamente o Direito sempre se entrelaçou com o Jornalismo. No Brasil, desde o século XIX, os primeiros veículos de imprensa tinham grande presença de bacharéis em suas fileiras e estudantes de Direito sonhavam com polêmicas nas páginas dos jornais. Até hoje uma pesquisa nos artigos publicados nos principais veículos brasileiros encontra uma grande proporção de advogados, procuradores e juízes entre seus autores. Juristas são comumente consultados como “fontes” para comentar acontecimentos do mundo político e econômico.
Como especialistas em leis, os advogados são profissionais bem aparelhados para interpretar as manifestações da esfera pública. O fato de grande parte dos políticos serem, eles mesmos, formados em Direito, acaba tornando a linguagem jurídica pervasiva nas páginas dos jornais. A demanda é tal que o Estatuto de Ética e Disciplina da OAB tenta moderar a superexposição de advogados nos meios de comunicação jornalísticos.
Esse talento inato dos advogados para a análise e a polêmica ganhou novos espaços com o surgimento da internet. Há sites especializados, fóruns jurídicos e canais voltados a grupos de interesse. Textos e vídeos podem circular com mais facilidade e melhor direcionamento. Há ainda as redes sociais, oferecendo um espaço ágil para se atingir o público-alvo.
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Marketing
O marketing engloba uma série de estratégias ligadas à estruturação de uma atividade comercial, como definição do mercado consumidor, desenho do produto e qualidade do atendimento. Publicidade e propaganda são apenas um aspecto dessa estrutura, ainda que relevante. A advocacia precisa conviver com restrições nessa área, naturais para uma atividade que lida com direitos.
As estratégias para manter e conquistar clientes deverão combinar cada vez mais meios mistos, usando técnicas tradicionais de networking, como a participação em congressos e seminários (agora webinários), somadas à apresentação de artigos e informações a veículos tradicionais da imprensa, canais segmentados da internet e postagens em redes sociais. Cada um deles reverbera o conteúdo gerado pelos demais, e as possibilidades se ampliam.
*Fernando Teixeira é assessor da Original123.
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