A aposta na descriminalização dos jogos de azar

O agente de jogos e apostas desponta como principal sujeito exposto penalmente/Canva
O agente de jogos e apostas desponta como principal sujeito exposto penalmente/Canva
Proposta vai transformar exploração em atividade econômica empresarial e impõe agravamento das punições.
Fecha de publicación: 14/03/2022

Recentemente o Plenário da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei nº 442/1991 (PL 442/91) que dispõe sobre a liberação de jogos de azar no país. O texto aprovado pela Câmara dos Deputados é na verdade uma junção de diversas propostas sobre legalização da operação de cassinos, bingos, jogo do bicho, e outros jogos de aposta e propostas voltadas à promoção de receita cultural.

Atualmente, o ordenamento jurídico brasileiro considera contravenções penais o estabelecimento e a exploração de jogos de azar em lugares públicos ou acessíveis ao público, sujeitando aqueles que exploram essa espécie de “entretenimento”  às penas de prisão – de três meses a um ano – e multa.

Consideram-se jogos de azar, nos termos do artigo 50 da Lei de Contravenções Penais (LCP): o jogo em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte; as apostas sobre corrida de cavalos fora de hipódromo ou de local onde sejam autorizadas;  as apostas sobre qualquer outra competição esportiva.


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Embora a  LCP seja de 1946, alterações inseridas em 2015 caracterizam as apostas ou jogos “pela internet ou qualquer outro meio de comunicação também como contravenções penais”.

O texto aprovado pela Câmara dos Deputados busca legalizar os jogos de azar mediante sua regulamentação e arrecadação tributária. De acordo com a proposta aprovada, os jogos e apostas configurariam atividade econômica privada sujeita à proteção constitucional da livre iniciativa, aos termos do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), e regulamentada pela União.

Os jogos e apostas expressamente autorizados no PL 442/1991 são: cassinos, bingos, videobingos, jogos online¸ “jogo do bicho” e apostas turfísticas. Com relação  aos operadores, o texto define como “entidade operadora de jogos e apostas” a pessoa jurídica licenciada pelo governo para exploração dos jogos e “agente de jogos e apostas” a pessoa natural encarregada de mediar ou conduzir os processos de aposta ou a dinâmica dos jogos.

O projeto de lei estabelece ainda uma série de critérios e obrigações para as operadoras de jogos e apostas, que  deverão necessariamente: ser constituídas sob a forma de sociedades anônimas; possuir um valor mínimo de capital social a depender da atividade que pretendem explorar;  cumprir as garantias do “jogo honesto”, inclusive no que tange à publicização da atividade e dos estabelecimentos;  e sujeitar-se ao controle e aprovação expressa do Ministério da Economia, que poderá solicitar informações e documentos que entender necessários ao esclarecimento da operação, inclusive quanto à “origem dos recursos” e à “reputação dos envolvidos”.

As operadoras devem sujeitar-se também às diretrizes  sobre “Prevenção à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo”, mediante implementação e manutenção de política capaz de prevenir as práticas de lavagem de dinheiro e de financiamento ao terrorismo, incluindo uma classificação de perfil de risco dos jogadores e apostadores e comunicação de operações suspeitas ao COAF.

Já os agentes de jogos e apostas não poderão ser pessoas previamente condenadas por improbidade administrativa, crime falimentar, sonegação fiscal, corrupção, concussão, peculato, crime contra a economia popular, a fé pública, a propriedade ou o Sistema Financeiro Nacional, ou qualquer outra condenação criminal que vede, ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos, por decisão judicial transitada em julgado.

De acordo com o PL 442/1991, o simples descumprimento das normas legais pode constituir infração administrativa e crime punível com pena de prisão de dois a quatro anos. Pune-se também como crime, sujeito à pena de reclusão de quatro a sete anos e multa, a quem fraudar resultado de jogo ou aposta ou até mesmo pagar seu prêmio em desacordo com a lei.

Contudo, cabe lembrar que no ordenamento jurídico brasileiro, a responsabilização penal de pessoas jurídicas se restringe aos crimes contra o meio ambiente, de modo que as condutas  listadas no projeto de lei têm como alvo a punição de pessoas físicas. Nesse contexto, o agente de jogos e apostas desponta como principal sujeito exposto penalmente, mas há também que se considerar a exposição penal tradicionalmente atrelada aos membros de qualquer organização societária, inclusive no que se refere aos crimes tributários, que podem surgir à luz do regime de arrecadação imposto no PL 442/1991.

Assim, se de um lado o projeto busca transformar a exploração de jogos de azar em verdadeira atividade econômica empresarial exigindo uma estrutura corporativa complexa, também impõe um agravamento da punição dessa exploração que atualmente são considerados ilícitos penais menos graves, as chamadas contravenções. Caso aprovado o texto legal, a exploração de jogos de azar, fora das regulamentações impostas será considerado crime sujeito ao rito processual ordinário - e não mais submetido aos Juizados Especiais Criminais - com penas passíveis de cumprimento em regime fechado e toda a complexidade penal subjetiva que permeia as estruturas corporativas.


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Conclui-se que  o PL 442/1991 busca regulamentar minuciosamente a exploração de jogos de azar no Brasil transformando as operadoras e as atividades em verdadeiros entes corporativos sujeitos à fiscalização dos órgãos públicos federais. Porém, além de o PL depender ainda de tramitação no Senado e apreciação presidencial, a liberação dos jogos de azar no Brasil pode ganhar um atalho a depender do desfecho da discussão no Supremo Tribunal Federal (STF).

Foi posto ao Plenário do STF que aprecie a constitucionalidade do artigo 50 da Lei de Contravenções Penais. O caso é oriundo de um acórdão proferido pela Turma Recursal Criminal dos Juizados Especiais Criminais do Rio Grande do Sul que entendeu ser atípica a conduta descrita no artigo 50 por colidir com preceitos constitucionais como a livre iniciativa, as liberdades fundamentais e o princípio da proporcionalidade. O Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul (MPRS) interpôs recurso extraordinário argumentando que a criminalização dos jogos de azar não viola qualquer preceito fundamental e visa acertadamente punir conduta lesiva em grau de intensidade compatível com o Direito Penal.

A questão é de repercussão geral e o julgamento deverá ocorrer em abril. Caso seja reconhecida a inconstitucionalidade do artigo 50 da LCP, haverá repercussões importantes e imediatas sobre os jogos de azar, cuja exploração não será mais tida como ilícito penal, independentemente de regulamentação específica.

*Juliana Sá de Miranda, Fabio Falkenburger e Gabriela Paredes são, respectivamente, sócios e advogada do Machado Meyer Advogados

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