Aspectos societários da MP 1.040/2021: desburocratização e proteção aos minoritários

Atualmente, o Brasil ocupa a 124ª posição do ranking Doing Business/Unsplash
Atualmente, o Brasil ocupa a 124ª posição do ranking Doing Business/Unsplash
Medida Provisória tenta minimizar os efeitos da pandemia na atividade econômica
Fecha de publicación: 20/05/2021

Está tramitando no Congresso Nacional a Medida Provisória nº 1.040, editada em 29 de março deste ano pelo Poder Executivo, com o intuito de modernizar e de desburocratizar a sistemática de negócios vigente no Brasil. Apesar de produzir efeitos imediatos, a MP 1.040/2021 ainda precisa ser aprovada pelo Plenário de ambas as Casas Legislativas dentro do prazo de sessenta dias para se tornar definitiva.

A MP 1.040/2021 revela uma tentativa do Governo Federal de minimizar os efeitos negativos causados pela pandemia de Covid-19 à atividade econômica, assim como de tornar o Brasil mais competitivo frente ao Doing Business, ranking do Banco Mundial que avalia o grau de facilidade de fazer negócios em 190 países distintos[1]. Atualmente, o país ocupa a 124ª posição do ranking, e a intenção é elevá-lo para a 90ª.


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Nos dois tópicos abaixo, serão apresentadas as principais alterações promovidas pela MP 1.040/2021 no que tange ao direito societário e áreas afins. Desde já, destaca-se o potencial que essas modificações carregam para desembaraçar os procedimentos afetos à abertura de empresas no país.

Simplificação e incentivo à abertura de novas empresas

A simplificação do procedimento de abertura de novas empresas revela-se, já, nas suas etapas iniciais, quando da aferição da viabilidade do negócio, do registro e da legalização da empresa. Para isso, a MP revisa dispositivos da Lei 11.598/2007, que dispõe sobre a Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (REDESIM), e da Lei 8.934/1994, que trata do registro empresarial.

A primeira novidade promovida pela MP consiste na criação de um sistema digital e unificado entre as esferas federal, estadual e municipal, para tornar mais acessíveis, aos empresários, as informações sobre a documentação exigível e a viabilidade locacional do empreendimento comercial. Esse sistema deverá fornecer, ainda, de modo gratuito, dados sobre licenciamento, autorizações de funcionamento, nome empresarial, registro e inscrição da empresa.

Também, destaca-se a organização de uma classificação nacional de risco das atividades, para padronizar os procedimentos de registro de empresas. Essa classificação deverá ser observada na ausência de legislação estadual, distrital ou municipal específica e possibilitará que, quando a atividade não apresentar risco, os atos públicos de liberação da operação dos estabelecimentos empresariais tenham vigência indeterminada; bem como que, quando o risco da atividade for considerado baixo ou médio, as licenças e os alvarás de funcionamento sejam emitidos automaticamente, sem análise humana.

Nesse último caso, a emissão do alvará de funcionamento dependerá apenas da assinatura de termo de ciência e de responsabilidade do empresário, sócio ou responsável legal pela sociedade, que firmará compromisso, sob as penas da lei, de observar os requisitos exigidos para o funcionamento e o exercício das atividades econômicas constantes do objeto social, para efeito de cumprimento das normas de segurança sanitária, ambiental e de prevenção contra incêndio. Nesse termo, deverão constar, ainda, informações sobre as exigências que deverão ser cumpridas antes do início da atividade empresarial. Inobstante isso, a emissão automática dos alvarás não obsta a realização de posterior fiscalização pelas entidades competentes.

Foram, ainda, unificadas as inscrições fiscais federal, estadual e municipal no CNPJ da empresa, bem como o compartilhamento dos dados registrados na base do Governo Federal. A ideia é evitar que sejam novamente exigidos, no processo de registro de empresários e de empresas efetuado pela REDESIM, dados já cadastrados e dados adicionais àqueles coletados no âmbito do sistema responsável pela integração para registro de inscrição e para emissão de licenças e alvarás.

Em relação ao arquivamento dos atos constitutivos, a MP dispensa a exigência de precisão na declaração do objeto social e de dessemelhança de nome empresarial pré-existente, antigamente impostas pelos incisos III e V do art. 35 da Lei 8.934/1994. Vale ressaltar que, inobstante isso, o detalhamento do gênero e da espécie da atividade a ser desempenhada pela empresa permanecerá sendo exigido, por força do art. 53, inciso III, alínea b, do Decreto 1.800/96, que resta inalterado. Também, cumpre referir que, em caso de colisão dos nomes empresariais, os interessados poderão aviar recurso ao Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração da Secretaria de Governo Digital da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia.

Ademais, faculta-se, agora, a utilização do número de inscrição no CNPJ, seguido da partícula identificadora do tipo societário ou jurídico, quando exigida por lei, como nome empresarial.

A MP também dispensa o reconhecimento de firma das procurações e autoriza a transferência dos bens subscritos para formação ou para aumento do capital social por meio da transcrição, no registro público competente, da certidão dos atos de constituição e de alteração de empresários individuais e de empresa individual de responsabilidade limitada.

Por fim, a MP abre a possibilidade de eliminação dos documentos microfilmados ou preservados por outros meios tecnológicos pelas Juntas Comerciais, após o transcurso do prazo legal para sua retirada pelas partes interessadas, em superação à antiga vedação de retirada dos documentos arquivados pelas juntas comerciais de suas dependências.

Proteção aos acionistas minoritários

Merecem destaque, também, as alterações promovidas à Lei das S/A (Lei 6.404/1976). A razão destes dispositivos é conferir maior proteção aos acionistas minoritários de companhias abertas.

Foram incluídas, entre as matérias de competência privativa da Assembleia Geral de companhias abertas:

  1. a alienação ou a contribuição para outra empresa de mais de 50% do valor dos ativos totais da companhia constantes do último balanço aprovado; e
  2. a celebração de transações com partes relacionadas que atendam aos critérios de relevância a serem definidos pela CVM. Trata-se de uma tentativa de evitar que sejam tomadas decisões relevantes à companhia sem que sejam ouvidos todos os acionistas, inclusive os minoritários.

 

Aproveitou o redator, também, para atualizar a redação do art. 122 da Lei das S/A e substituir as menções ao termo “concordata” por “recuperação judicial”. Isso se deve à extinção do instituto jurídico da concordata, por força da Lei 11.101/2005 (Lei de Falência e Recuperação de Empresas).

Ainda, quanto à Assembleia Geral de companhias abertas, ampliou-se para 30 (trinta) dias o prazo de antecedência de sua primeira convocação, em simetria ao prazo para comunicação, por parte dos administradores, da disponibilidade dos documentos da administração para verificação dos acionistas. Por conseguinte, a antiga permissão da CVM de alargar o prazo da convocação de Assembleia é substituída pela autorização do adiamento da realização da Assembleia por 30 (trinta) dias, contados da data de disponibilização dos referidos documentos e informações, quando esses não forem tempestivamente disponibilizados aos acionistas. Aliás, a CVM já editou regra transitória para aplicação do novo prazo de convocação da primeira Assembleia Geral àquelas convocadas a partir de 1º de maio de 2021, de modo que, até essa data, ficará facultada a convocação segundo o prazo antigo, de 15 (quinze) dias.

No que concerne à composição do Conselho de Administração de companhias abertas, torna-se obrigatória a participação de conselheiros independentes, nos termos e nos prazos definidos pela CVM. Com isso, procura-se assegurar a independência mínima do órgão de fiscalização.


Veja também: A importância da modernização da Lei de Recuperação e Falência para as empresas brasileiras


Ademais, a MP 1.040/2021 torna defesa a acumulação do cargo de Presidente do Conselho de Administração e do cargo de Diretor-Presidente ou de principal executivo da companhia aberta. Visa-se a prevenir eventual acúmulo de poder excessivo por parte de acionistas majoritários, privando acionistas minoritários da participação efetiva na tomada das decisões da sociedade. Em companhias de menor faturamento, a aplicação desta determinação poderá ser ressalvada pela CVM. A vigência desse dispositivo está condicionada ao prazo especial de 360 (trezentos e sessenta) dias, a contar da data de publicação da MP 1.040/2021.

Ressalta-se, por fim, que todas as obrigações citadas poderão ser reguladas por normas de transição, a serem editadas pela CVM.

Como conclusão, pode-se dizer que a MP 1.040/2021 procura eliminar os excessos burocráticos da prática negocial, ao atualizar e adaptar diversos dispositivos legais às crescentes exigências de rapidez e de redução de custos impostas pelo mercado.  Com efeito, a MP está inserida em um contexto de intervenção mínima do Estado no ambiente de negócios, já inaugurado pela Lei nº 13.874/2019, conhecida como “Lei da Liberdade Econômica”, mas ainda incipiente na realidade brasileira.

*Pedro Dominguez Chagas, Daniel Raupp e Catharina Pizzio Gonzales são, respectivamente, sócio coordenador, sócio integrante e estagiária da área de Direito Societário de Silveiro Advogados.

 

[1] Segundo a Nota Técnica nº 20/2021, exarada pela Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados.

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