A atuação do TCU na indústria do petróleo

Órgãos de controle empregam viés paternalista em relação à Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP)/Canva
Órgãos de controle empregam viés paternalista em relação à Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP)/Canva
Se não houver freio à atuação da entidade, Tribunal pode se tornar um super regulador.
Fecha de publicación: 18/01/2022

Os pais, na educação e formação dos filhos, orientam, fiscalizam, supervisionam, aplicam punições (os tão questionados castigos) e até, diga-se, interferem nas suas escolhas – afinal, por serem mais experientes, “sabem o que é certo”. Pode-se dizer que esse viés paternalista, de certa forma, vem sendo empregado pelos órgãos de controle em relação às agências reguladoras e, em relação à Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), não seria diferente. 

Entende-se que o Tribunal de Contas da União (TCU) tende a exercer um controle mais intenso na “infância”, ou seja, nos primeiros anos de criação da ANP, e, conforme esta adquire “maturidade”, melhor dizendo, boas condições de governança ou maior reputação institucional, esse controle vai se diluindo. Contudo, as agências reguladoras, distintamente das crianças, já nascem com autonomia conferida por lei. Portanto, pode-se dizer que o papel do órgão de controle não deveria ficar mais tênue com o tempo – de fato, sua atuação deveria se sujeitar a limites desde a origem da agência. 

Essa metáfora é interessante para abordar a forma como as ações do TCU têm sido conduzidas na fiscalização da atividade das agências e, em especial, da ANP. Observe-se que mesmo quem detém o poder de controlar deve atuar em conformidade com determinados parâmetros legais e infralegais. Como delimitar esse espaço de atuação, diante da vagueza e da amplitude dos conceitos de legitimidade, eficiência e economicidade, constitucionalmente elencados como parâmetros de fiscalização no artigo 170? Como aferir a intensidade do controle que é exercido sobre as escolhas da agência reguladora?


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É importante ter em mente a ideia de que o controle, apesar de ser um mecanismo voltado ao aperfeiçoamento da Administração Pública, não se restringe a “corrigir” os atos do gestor público, seja para puni-lo ou para anular seus atos.  Segundo Marques Neto, o controle, em conformidade com o Estado Democrático de Direito, deve ser responsivo e de viés pragmático ou consequencialista, ou seja, o órgão de controle deve se preocupar com os efeitos concretos de sua tomada de decisão – e com maior razão se o comando se destinar à correção de escolha regulatória da agência (presumidamente dotada de maior capacidade institucional para proferir decisão de conteúdo tecnicamente complexo). 

Este raciocínio não poderia ser mais eloquente após a publicação da Lei nº 13.655/2018, que alterou o Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – “LINDB”) para incluir disposições sobre segurança jurídica e eficiência na criação e na aplicação do Direito Público. É o que se extrai de seu artigo 20 ao dispor que “nas esferas administrativa, controladora e judicial não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão”.

Como exemplo, cite-se caso em que a ANP conduzia, simultaneamente, duas licitações de exploração e produção de petróleo e gás natural, sob regimes distintos de contratação, na área de Saturno. Na 15ª Rodada, sob o regime de concessão, seriam ofertados em leilão os blocos S-M-645 e S-M-534 (externos ao polígono do pré-sal) e, na 4ª Rodada de Partilha, o bloco de Saturno (interno ao polígono do pré-sal). O Acórdão 672/2018determinou a suspensão cautelar dos procedimentos de oferta pública dos blocos S-M-645 e S-M-534 da área de Saturno por falta de fundamentação técnica e econômica da agência e dos entes vinculados ao Poder Executivo para realizar os leilões sob dois regimes distintos (concessão e partilha). 


A decisão regulatória, no entanto, apresentara motivação suficiente a justificar a escolha da oferta dos blocos em separado, em estrita consonância com o texto legal e em sintonia com a política energética definida pelo CNPE e MME. Em primeiro lugar, há imposição legal determinando a outorga sob regimes distintos (art. 3ª da Lei 12.351/2010); em segundo lugar, a decisão política do MME, que tinha por objetivo aumentar a competitividade e viabilizar uma maior pluralidade de operadores para o fortalecimento da atividade exploratória no país, justifica a opção pela separação dos blocos e, por fim, o CNPE e a ANP não poderiam realizar a oferta pública da citada área como se um único bloco fosse ou outorgá-lo exclusivamente sob o regime de partilha de produção sem respaldo em decisão política que definisse a área como estratégica.

É importante atentar que o TCU ao utilizar o argumento da ausência de fundamentação ou de motivação inadequada e insuficiente da agência reguladora para impor suas próprias escolhas políticas,em detrimento de uma escolha regulatória tecnicamente respaldada e dotada de juridicidade, pode conduzir a situações de insegurança jurídica que impactam na competitividade do setor regulado.


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Em pesquisa realizada sobre a atuação do TCU em relação às questões regulatórias referentes às atividades de exploração e produção de petróleo e gás natural (E&P), desde a criação da ANP, ou seja, o controle sobre os processos de desestatização (fiscalização sobre as minutas de edital e de contrato de E&P) e sobre os relatórios de auditoria operacional (controle sobre a performance da atuação administrativa da ANP),conclui-se que, na indústria do petróleo, a agência tende a obedecer aos comandos do TCU, ainda que o órgão de controle questione decisões de caráter tecnicamente complexos de atribuição da ANP (ou seja, suas escolhas regulatórias).  

O incremento de decisões dessa natureza, em que não se respeitam as escolhas administrativas razoáveis em conformidade com o ordenamento jurídico nem se exerce um maior ônus argumentativo para motivar os efeitos práticos da decisão do órgão de controle, poderá gradativamente conduzir a um processo de “subordinação” da escolha ou da decisão da agência reguladora ao comando do TCU. 

Sem um freio à atuação ampla e irrestrita do órgão de controle, há o risco de o TCU se tornar um super regulador e, nos moldes do que ocorre na esfera de regulação de infraestrutura, poderia assumir no setor de petróleo e gás natural o status de uma instituição propensa a “regular o regulador”.

*Ludimila Santos Derbli é mestre em Direito da Regulação pela FGV DIREITO RIO. Pós-Graduada em Advocacia Pública pela UERJ e em Direito do Consumidor pela UCAM. Advogada da Petróleo Brasileiro S/A. 

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