Estão na pauta de julgamento virtual do Supremo Tribunal Federal (STF) duas Medidas Cautelares em Ações Diretas de Inconstitucionalidade que discutem a validade de alterações promovidas na Lei das Eleições (Lei nº 9.504/97) para aumentar o teto de gastos com publicidade de órgãos públicos federais, estaduais e municipais em ano eleitoral.
As ADIs 7178 e 7182, ajuizadas pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) e pelo Partido dos Trabalhadores (PT), sustentam que as alterações ferem a regra da anualidade eleitoral e o princípio da moralidade administrativa (artigos 16 e 37 da Constituição Federal), por permitirem mudança no processo eleitoral que ocorrerá no mesmo ano de publicação da nova lei e por beneficiarem os mandatários que concorrerão à reeleição em detrimento da igualdade de condições com outros candidatos e em prejuízo do interesse público.
A preocupação manifesta nessas ações não é nova: a viabilidade de reeleição de chefes do Poder Executivo, em que pese seja norma inserta na Constituição, traz consigo a possibilidade de mau uso da máquina pública e de subversão da publicidade institucional, que pode ser – e muitas vezes é – utilizada por governantes como disfarce para propaganda eleitoral antecipada.
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Não é por acaso que a Lei das Eleições já previa desde seu nascedouro, dentre as célebres “condutas vedadas” aos agentes públicos em campanhas eleitorais, diversas limitações no que tange à publicidade institucional em ano de eleições, cuja violação pode conduzir à grave sanção de cassação do registro de candidatura e até mesmo perda de mandato. Na minirreforma eleitoral de 2015 (Lei nº 13.165/2015), o teto de gastos com publicidade institucional sofreu um ajuste importante que veio para apaziguar algumas divergências jurisprudenciais causadas pela redação anterior e para limitar ainda mais essas despesas em ano eleitoral.
O que chama a atenção nas recentes alterações, além de representarem um movimento diametralmente oposto àquele ocorrido em 2015 – já que a mudança na fórmula de cálculo do teto de gastos permitirá um aumento significativo das despesas com publicidade institucional, estimando-se, por exemplo, que o governo federal poderá desembolsar R$ 25 milhões a mais do que o permitido segundo a fórmula anterior –, é a maneira açodada como essas mudanças tramitaram no Congresso Nacional.
Os dispositivos que permitem o aumento dos gastos foram inseridos em um Projeto de Lei que originalmente tratava de licitações para contratação de serviços de comunicação digital (como gestão de redes sociais), mas que acabou sendo aprovado na forma do Substitutivo apresentado pela Relatora, Deputada Celina Leão, às vésperas da votação na Câmara dos Deputados. Entre a apresentação do Substitutivo e a sanção da matéria pelo Presidente Jair Bolsonaro, em 31 de maio deste ano, passaram-se pouco mais de dois meses.
A pressa para que o novo limite passe a vigorar, beneficiando os atuais mandatários que pretendem se candidatar à reeleição (inclusive o Presidente da República), é um dos principais argumentos contra a constitucionalidade dessas normas. Segundo os partidos políticos que propuseram as ADIs, tais alterações só poderiam se aplicar um ano após a vigência da nova lei, em razão da regra da anualidade eleitoral disposta no art. 16 da Constituição Federal. Trata-se de importante parâmetro destinado a trazer segurança e previsibilidade ao processo eleitoral, protegendo as minorias parlamentares de mudanças nas regras do jogo promovidas quando a partida já está em curso.
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Embora a preocupação seja nobre, a incidência da regra da anualidade eleitoral sobre normas pertinentes ao limite de gastos com publicidade institucional é questionável. O que a Constituição proíbe é a vigência imediata de alterações do processo eleitoral, que, segundo o Glossário Eleitoral disponibilizado pelo Tribunal Superior Eleitoral, “consiste num conjunto de atos abrangendo a preparação e a realização das eleições, incluindo a apuração dos votos e a diplomação dos eleitos”.
Em interpretação restritiva, as condutas vedadas pela Lei das Eleições poderiam ficar de fora desse conceito. Porém, dados os acirrados ânimos que permeiam o atual jogo político e dadas as alegações de urgência veiculadas nas ADIs, é bem provável que a maioria do Supremo Tribunal Federal promova uma interpretação ampliativa do termo “processo eleitoral” e suspenda, por ora, a aplicabilidade do aumento do teto de gastos, privilegiando outro conceito tão importante quanto etéreo – o da moralidade administrativa.
Por enquanto, qualquer tentativa de inferir como decidirá a Corte Suprema não é mais do que uma aposta. A única certeza é que esse tema não passará imune ao processo de judicialização da política já tão intenso no Brasil.
*Telma Rocha Lisowski, membro do Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados.
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