Biden, Daniel Boone e o Brasil

O que esperar de Biden e como sua atuação eventualmente afetará o Brasil?/Pixabay
O que esperar de Biden e como sua atuação eventualmente afetará o Brasil?/Pixabay
Novo presidente americano terá de enfrentar um país mais dividido politicamente e socialmente. Brasil continua isolado na esfera internacional.
Fecha de publicación: 20/01/2021

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Muitos ainda me perguntam o que devemos esperar do novo governo Biden e sua relação com o Brasil. Logo que o novo ocupante da Casa Branca foi eleito, confesso que pensei, elucubrei, pensei de novo, tracei cenários, mas nem nas minhas imaginações mais férteis achei que veria novamente Daniel Boone sentado na cadeira da congressista Nancy Pelosi.

Essa analogia só é válida para quem viveu a década de 1970. Mas juro que inicialmente ao ver aquela figura e depois ouvir sua entrevista, que mais parecia um experimento laboratorial de impactos de psicotrópicos com tequila, repensei no risco que os EUA estavam correndo diante daquela cena grotesca.

Risco por dois motivos. O primeiro é que apesar de Joe Biden assumir a presidência dos EUA em uma situação mais robusta e resiliente do que a que foi submetida Barack Obama, Biden ainda terá de enfrentar um aumento da polarização política em seu país. Justamente agora quando os ânimos continuam cada vez mais exaltados e as excrescências de minorias defensoras de confederados, KKK e outras associações que saíram de peito aberto dos esgotos, para defender o indefensável: a não democracia.

Lógico que sempre teremos aqueles que se envergonham nas mídias sociais ou qualquer lugar, jurando que em suas análises não viesadas e mais robustas do que a da CIA e das autoridades eleitorais a fraude ocorreu sim. Uma pena que somente nas cabeças delirantes, que não aceitam nada provado e comprovado, que seja diferente de seus pensamentos distorcidos.

O segundo motivo é o aumento expressivo de oferta monetária conduzida pelo Federal Reserve (FED) como forma de minimizar os impactos contracionistas da pandemia, o que de fato acabou indo para os ativos de risco, principalmente as bolsas de valores. Mas que mal há nisso? Depende que posição social você ocupa. Aproximadamente 10% da população norte americana detem 84% da capitalização de mercado das bolsas de valores dos EUA e apenas 1% detém 50% das ações negociadas nessas bolsas

Sem entrar no mérito da importância desse afrouxamento monetário, é fato que a utilidade marginal do dinheiro e sua velocidade diminuíram ao longo do tempo e que grande parte desses recursos emitidos pela autoridade monetária ajudaram os mais ricos, aumentando o fosso social na economia dos EUA. Como lidar com essa deterioração saindo de um ano pandêmico e onde testemunhamos protestos como do “black lives matter”? Biden terá de enfrentar um país mais dividido politicamente e socialmente.


Leia mais sobre as relações entre Brasil e EUA em: “Cenário econômico será menos flexível e simpático aos interesses brasileiros”


Mas depois desse desfile alegórico performado pelo nosso Daniel Boone e outros caçadores de urso que foram fotografados invadindo o Capitólio, a pergunta permanece? O que esperar de Biden e como sua atuação eventualmente afetará o Brasil?

Não tem como alguém dizer que o Brasil tinha uma política de Estado com os EUA. Tínhamos, sim, uma política de governo. De admiração profunda pelo governo Trump pela família Bolsonaro. Fato.

O Brasil continua isolado na esfera internacional. É fato que muitos dirigentes, principalmente europeus, lançaram bobagens ambientais, ingenuamente com claros interesses protecionistas. Aliás, o mundo dos negócios é assim. Mas sempre digo que o ser-humano tem uma coisa estranha chamada curiosidade mórbida.

Sei que muitos torcerão o nariz, mas já perceberam como um acidente, uma briga, discussão, sempre acaba puxando a nossa atenção, quando na realidade o certo seria sempre fugirmos da ocasião e virarmos o rosto para o outro lado? Pois é, mas não funcionamos assim. Pelo menos, acredito, não a maioria. Aonde quero chegar? Sempre quando o líder da nossa nação responde às provocações com as vísceras e não utilizando a liturgia do cargo e a diplomacia, acabamos sendo capa de vários noticiários ao redor do mundo.

Alguém poderia dizer: Autenticidade! Sim, comportamento exemplar, mas não para o líder de uma nação. Neste caso, quem fala é o Brasil e quando uma nação se comunica, essa não pode ser confundida com o pensamento apenas de seu líder, muito menos sem escrúpulos, pois é exatamente nesse ponto que nossos adversários políticos e comerciais querem que estejamos. Na arapuca que eles mesmos montaram.

Felizmente, mesmo com a nossa atuação na esfera internacional, não há porque esperar um tratamento hostil por parte do novo presidente norte-americano. Mas em seu único debate com o candidato Trump, o recado foi óbvio. Ou o Brasil começa a endereçar seus problemas ambientais, ou sanções serão impostas a nós.

Essa afirmação soou como uma obra musical de Vivaldi para os 27 países da União Europeia, que relutam em ratificar o acordo de livre comércio Mercosul-UE, justamente dado os nossos problemas ambientais. Nesse ponto, não custa lembrar que EUA e os 27 países da União Europeia representam 50% de nosso comércio internacional e dada as rusgas e o ranger de dentes que mostramos para a China, lá se vai mais 30% de nosso comércio internacional.

O governo Biden já deu claras demonstrações que abraçará a globalização, o respeito às vantagens comparativas e os endownments de cada país, pois assim que se busca a maximização do bem estar da população. O respeito ao meio ambiente, voltando ao Acordo de Paris, bem como a clara determinação de retornar o protagonismo norte-americano no pacífico.

Nesse aspecto, muitos podem discordar, mas não podemos esquecer quando Donald Trump afirmou que hesitaria em mandar tropas para defender o país Montenegro em uma eventual invasão liderada por Vladmir Putin. Ora, como será que os países da Otan aliados dos EUA localizados na Ásia, como o Japão, Filipinas, Coreia do Sul e outros da Europa devem ter se sentido? Será que Trump havia determinado uma linha de corte para defender seus aliados ou os defenderia de qualquer ataque, pois assim preconiza a Organização do Tratado do Atlântico Norte?

Ao que tudo parece, o governo Biden voltará a privilegiar o multilateralismo, os acordos comerciais, as instituições do pós guerra (OMC, ONU, Otan, etc) e buscará a hegemonia dos EUA na Ásia e não nos enganemos, formará uma coalisão de países ocidentais para enfrentar o expansionismo e o aumento das esferas de influência da China.

O governo Trump sempre advertiu contra o expansionismo chinês com o programa Belt and Road Initiative (BRI). Esse programa expansionista, lançado pelo líder Xi Jinping em 2013, busca aumentar a conexão entre os mercados da Ásia, África e Europa investindo em obras de infraestrutura via empréstimos para esses países. Em princípio, se poderia pensar que o objetivo seria comercial, pois a crise de 2008 limitou a fluidez do comércio internacional. Nada mais justo. Mas há de se cogitar também a possibilidade de a China requisitar que seus aliados ou partícipes desse BRI, que limitem o tráfego aéreo de aviões militares vindos dos EUA, em um caso improvável de guerra entre China, Taiwan ou Japão.

Mas, mesmo que com suas vísceras gritando, qual foi a resposta do governo Trump para esse expansionismo desenfreado do BRI? Nada. Como o antigo governo dos EUA limitou o aumento da esfera de influência chinesa através de seu sharpe power despejando rios de dinheiro em potenciais aliados?

Roberto Dumas

Enfim, não apenas o Brasil urge repensar sua política externa, principalmente com seus vizinhos aliados, e agora com as confusões com a vacina, com a Índia e China. Mas de qualquer forma, não podemos negar, que em nenhum momento Trump mentiu. Seu mantra sempre foi “Make America Great Again”. Só faltou completar “and forget the rest (allies)”.

*Roberto Dumas é economista e professor do Insper e do Ibmec.

 

Quer saber mais sobre o assunto? Veja em: O que muda na relação entre Brasil e EUA com a posse de Joe Biden?

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