BNDES lança edital de compra de crédito para ajudar pequenos e médios empreendedores

BNDES lançou o edital da chamada pública para seleção de fundos de investimento em direitos creditórios /Pixabay
BNDES lançou o edital da chamada pública para seleção de fundos de investimento em direitos creditórios /Pixabay
Iniciativa é mais uma medida para melhorar a saúde financeira de quem foi seriamente afetado pela crise.
Fecha de publicación: 14/05/2020
Etiquetas: Bndes

É consenso entre as autoridades públicas e os economistas nacionais que, em meio à atual crise causada pela disseminação do novo coronavírus, é crucial que as pequenas e médias empresas sejam preservadas. Afinal, são elas as responsáveis pela maior parte dos empregos gerados no país. Por outro lado, como possuem menos recursos e acesso a fontes de financiamento, são elas também as mais vulneráveis à paralisia geral da economia que se desenha no horizonte.

Foi exatamente com esse intuito que o BNDES lançou o edital da chamada pública para seleção de fundos de investimento em direitos creditórios (FIDC) voltados para a compra de créditos de micro, pequenas e médias empresas e profissionais autônomos. O banco pretende subscrever, por meio da BNDESPAR, R$ 4 bilhões de reais em cotas sênior ou cotas de classe única de até dez fundos, a serem selecionados por meio de diversos critérios constantes do edital, com um valor máximo de aporte de R$ 500 milhões por fundo.

A iniciativa do BNDES é louvável. Não há dúvidas de que os FIDCs são a alternativa mais adequada para que o dinheiro chegue de fato às empresas de menor porte, por conta do estreito relacionamento que os operadores desses fundos mantêm com essas empresas.

Para que se tenha uma ideia, existem hoje mais de 300 FIDCs voltados para pequenas e médias empresas, com patrimônio total que supera a faixa dos R$ 70 bilhões. Esses fundos têm a capilaridade e abrangência necessárias para atender, de forma direta e desburocratizada, tanto lojas de bairro como pequenas indústrias do interior e prestadores de serviço de todos os tipos, em todo o território nacional.

Contudo, temendo o aumento da inadimplência com a crise econômica causada pelo novo coronavírus, os FIDCs praticamente fecharam suas portas. Estima-se que os fundos estejam operando hoje com menos de 30% da sua capacidade, asfixiando os pequenos e médios negócios que tinham neles sua principal fonte de capital. Daí a ideia do BNDES de dar apoio a esses fundos, por meio da injeção de recursos, para fazer com que voltem a desempenhar suas atividades.

O governo dividiu os fundos elegíveis a receber apoio do BNDES em duas categorias: os fundos originadores e os fundos PME. Os primeiros são fundos estruturados por grandes empresas do ecossistema de meios de pagamento, como as adquirentes e sub adquirentes de operações com cartão de crédito e os marketplaces de e-commerce.

Por terem acesso privilegiado a dados como o volume histórico de vendas com cartão de crédito de seus clientes, tais empresas estariam, na visão do BNDES, melhor posicionadas para conceder crédito a esses estabelecimentos com garantia dos recebíveis de cartão de crédito.

A segunda categoria de fundos elegíveis, os fundos PME, são estruturados por gestoras de recurso credenciadas na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), e devem ter por objetivo investir em créditos de micro, pequenas e médias empresas. Para que estejam aptas a apresentar proposta, tais gestoras deverão comprovar, dentre outras coisas, que têm, no mínimo, R$ 500 milhões em FIDCs sob gestão.

Tanto os fundos originadores como os fundos PME deverão realizar suas operações a partir de plataforma eletrônica, sendo que, no caso dos fundos PME, a plataforma poderá ser própria ou de empresa parceira. Com isso, o governo espera incentivar as gestoras a associarem-se com fintechs, para oferecer esse tipo de crédito em suas plataformas.     

Algumas considerações merecem nota a respeito da estrutura proposta pelo BNDES. Em primeiro lugar, o edital estabelece que os investimentos do FIDC devem ser feitos em direitos creditórios ou títulos de dívida das empresas alvo. Dá a entender, portanto, que o FIDC poderia adquirir duplicatas ou recebíveis de cartão de crédito dessas empresas, ambos enquadrados na definição clássica de direitos creditórios.

Contudo, o mesmo edital estabelece que 3/4 das operações da carteira do fundo deve ter prazo total igual ou superior a 270 dias no caso dos Ffundos originadores, e 360 dias, no caso dos fundos PME, além de carência de 60 dias.

Tais características são absolutamente incompatíveis com as duplicatas e recebíveis de cartão de crédito, que têm prazo de vencimento curto, em geral de 30 dias ou menos. É compreensível que o governo queira alongar o endividamento das empresas pequenas e médias. Mas ao impor esse tipo de restrição, ele impede que os FIDCs desempenhem sua maior vocação, que é justamente a compra direta de duplicatas e recebíveis de cartão, fazendo com que migrem para a compra de títulos de dívida, considerada por muitos operadores mais frágil e arriscada.

A segunda consideração diz respeito ao potencial conflito de interesses envolvendo os gestores dos Fundos PME. Conforme mencionado acima, o edital exige que tais gestores tenham no mínimo R$ 500 milhões em FIDCs sob gestão. Em virtude da crise que já atinge parte do mercado, é bem possível que esses gestores enfrentem dificuldades em suas próprias carteiras.

Como evitar, assim, que os recursos captados por meio dos novos fundos com apoio do BNDES sejam utilizados pelos gestores para sanear a inadimplência de devedores dos fundos existentes? É necessário que o regulamento do fundo dê tratamento especial e pormenorizado a essa questão.

Por fim, a maioria dos atuais operadores de FIDCs voltados para pequenas e médias empresas é composta por consultores de crédito e não por gestores de recursos, uma vez que não é necessário credenciar-se como gestor de recursos na CVM para atuar na análise e seleção de direitos de crédito.

São os consultores de crédito, portanto, que detêm a real experiência de mercado, quando se trata de crédito para empresas de menor porte. Seria interessante que o edital tivesse contemplado essa peculiaridade do mercado, possibilitando a apresentação de propostas por consultores de crédito.

O BNDES caminha no sentido certo ao priorizar o financiamento das pequenas e médias empresas por meio dos FIDCs. Pequenos ajustes na estrutura podem ser necessários, mas não comprometerão a estratégia central, que tem tudo para ser bem-sucedida.

*Eduardo Herszkowicz é sócio da área de mercado de capitais do escritório CesconBarrieuFlesch & Barreto Advogados.

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