O legislador brasileiro, ciente da importância de normatizar um mercado que, na ilegalidade, movimenta mais de R$ 200 bilhões anualmente, promulgou a Lei nº 13.576, em dezembro de 2018, introduzindo, no arcabouço jurídico brasileiro, a legalização das apostas esportivas de quota fixa, atraindo o mercado emergente para as plataformas denominadas bets. Dessa forma, o apostador passa a ter um maior incentivo quando sabe o quanto pode ganhar ou perder no momento da aposta.
Cinco anos mais tarde, a Lei nº. 14.790, de 29 de dezembro de 2023, atende a necessidade de regulamentar o mercado e implementa regras importantes, como a obrigatoriedade de as empresas obterem autorização pelo Ministério da Fazenda, mediante a obtenção de licenças, com um custo inicial de R$ 30 milhões por cinco anos, além de uma alíquota de 15% no imposto de renda sobre os prêmios líquidos dos apostadores, assegurando referido recolhimento na obrigatoriedade de as casas de aposta de quota fixa serem auditadas.
Resultado: ganha o governo brasileiro com um incremento relevante aos cofres públicos, ao controlar um mercado que sempre foi aquecido, mas na informalidade.
Outro destaque é a criação da Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA-MF), trazendo controles rigorosos nas movimentações financeiras, em cumprimento às regras de prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo. A partir de 1º de janeiro de 2025, a secretaria poderá acessar, de forma remota ou presencial, toda plataforma de bets, supervisionando o cumprimento das diversas portarias publicadas.
As empresas estrangeiras que antes atuavam no Brasil sem sede passam a constituir uma subsidiária nacional, com CNPJ, e diretores domiciliados no Brasil, detentores de ao menos 20% do capital social da pessoa jurídica que solicita a permissão de operação.
As empresas de apostas passam a ser obrigadas a informar a identificação de quem aposta e de quem é o beneficiário, com o dever de implementação de controles para proteção dos dados dos usuários, de modo que o apostador possa ter o risco de ataque de hackers mitigado.
Entre as mais de 19 Portarias publicadas até então, destacamos a de 11 de julho de 2024, portaria nº 1.143 (SPA/MF), que estabeleceu políticas, procedimentos e controles internos de PLD/FTP – sistema de prevenção e combate a crimes como lavagem de dinheiro, financiamento do terrorismo e financiamento da proliferação de armas de destruição em massa.
Essa portaria trouxe detalhamento de como o mercado deverá se instrumentalizar, determinando aos jogadores, por exemplo, que além de apresentarem documentos, cadastrando conta bancária, utilizem sistema de reconhecimento facial, vedando o pagamento de prêmios em dinheiro, de modo que seja possível rastrear o beneficiário.
Os procedimentos internos devem abranger processo relevante nesse mercado online de identificação, qualificação e classificação de risco de apostadores e usuários da plataforma, bem como funcionários, parceiros e prestadores de serviços terceirizados, a fim de trazer segurança, atendendo de forma ampla ao Código de Defesa do Consumidor.
Os controles internos devem incluir, inclusive, a comunicação de operações suspeitas, colocando as operadoras de apostas de quota fixa como sujeitos obrigados a comunicarem o COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras).
As referidas políticas devem ser disponibilizadas no site do operador de apostas e comunicadas de forma clara e acessível a funcionários, parceiros e prestadores de serviços terceirizados, com um nível de detalhamento adequado às funções desempenhadas e à sensibilidade das informações.
Outro ponto relevante é a obrigação imposta aos agentes operadores de apostas de manter os registros e documentos por, no mínimo, cinco anos.
Com isso, o governo brasileiro espera trazer ao apostador uma aparência de credibilidade e segurança jurídica, permitindo as campanhas publicitárias e parcerias com clubes esportivos.
A regularidade e a ampla divulgação trouxeram ao apostador a esperança de enriquecer com baixo custo, o que não é realidade desse mercado, segundo levantamento realizado pelo Banco Itaú. Os brasileiros gastaram em apostas, no ano de 2023, o montante de R$ 68,2 bilhões, atingindo um prejuízo de R$ 23,9 bilhões, ficando claro que quem perde é o apostador.
Vale ainda mencionar que o mercado de oferta também se apresenta por meio de plataformas fraudulentas, atraindo apostadores com promessas de altos retornos, mas em vez de oferecerem um serviço legítimo, acabam por se apropriar dos valores apostados por resultados forjados.
Outro ponto de destaque é o uso de técnicas sofisticadas de engenharia social, em que os criminosos se passam por representantes de plataformas de apostas legítimas para enganar vítimas. Com a ampliação das apostas online, a coleta indevida de dados pessoais utilizada para fraudes bancárias também cresceu e os apostadores, ao fornecerem seus dados, passam a figurar como potenciais vítimas de crimes virtuais.
Se por um lado, o governo vai arrecadar cifras expressivas, por outro, não houve diálogo sobre qual seria o preço a ser pago para os usuários afetando severamente a saúde e estabilidade financeira das famílias.
Segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a partir de 11 de outubro deste ano, as empresas que não deram entrada no pedido de autorização prévia para operar e se regularizaram, alterando o domínio para “bet.br”, terão os sites removidos da internet. Para tanto, é esperada uma operação conjunta da Secretaria de Prêmios e Apostas, Anatel, Secretaria Nacional do Consumidor e Polícia Federal.
Estima-se que mais de 600 empresas sejam retiradas do ar com essa força-tarefa que envolverá a atuação em conjunto de órgãos do governo e outras entidades.
O mercado de apostas no Brasil está em ebulição e espera-se que, por meio das portarias e regras criadas, seja possível assegurar ao máximo um ambiente “fair”, mas resta claro que, como em qualquer mercado de jogos de azar, a mão forte no jogo está com o governo e as grandes empresas.
*Fabyola En Rodrigues é sócia da área de Investigações Corporativas do Demarest, focada nas práticas de Penal Empresarial, Gestão de Crise e de Compliance, e lidera o Departamento Criminal Empresarial do escritório. Possui mais de 25 anos de experiência e alta especialização – doutora em Direito Penal, mestre em Direito Processual Penal pela PUC-SP e especialista em Crime Empresarial pela FGV. Participou de um curso sobre Lavagem de Dinheiro, a convite do governo dos Estados Unidos, e de um projeto com o professor Jérôme Fromageau, da Universidade Paris-Sud, sobre sanções legais da Lei de Sanções Administrativas na Esfera Ambiental. Também é Officer do Comitê de Direito Penal da IBA (International Bar Association), responsável pelo Fórum Regional Latino-Americano.
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