
O trabalho dos jornalistas que explicam o que está acontecendo no campo de batalha na Ucrânia é mais do que louvável, mas há muito a ser feito nos bastidores para que não seja fornecido mais combustível ao fogo.
É tarde demais para evitar a guerra, mas não para fazer um jornalismo que busque reduzir sua intensidade e evite que o conflito se espalhe para outras frentes. E não é tarde demais para tentar acabar com o conflito, por mais modestos que sejamos. Há uma coisa que, em primeiro lugar, o jornalismo pode fazer: contribuir para a mobilização dos cidadãos contra a guerra.
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É fácil para o jornalismo entrar em uma lógica que tende a legitimar a guerra. Colocar Putin, como se fosse o único responsável por chegar onde estamos agora, alimenta o conflito. É como se a animosidade crescente - que ele deflagrou com a invasão - fosse só dele. A escalada de um conflito geralmente é uma questão de dois lados. E aqui tem a ver com o espírito expansionista da Otan - comandado pelo governo dos EUA - que, em vez de ir pelo caminho do arrefecimento dos ânimos após a queda do Muro de Berlim, não parou de crescer junto com todos os orçamentos militares.
A simplificação alimenta o conflito
Simplificar o que está acontecendo na "Rússia contra a Ucrânia" ou "Rússia contra o Ocidente", e não mostrar ou subestimar os protestos na Rússia contra a ação de seu governo alimenta o conflito. Porque vê-los permite perceber que as guerras não são declaradas por países ou pessoas, mas por líderes políticos específicos, ainda que as vítimas sejam, por enquanto, civis ucranianos e soldados de um ou de outro exército. Mesmo o soldado que não foi ferido de morte (e isso vale também para o russo) é vítima desde o momento em que puxa o gatilho.
Está mais próximo de um cenário propenso à propagação do desastre o fato de aceitar, de forma naturalizada, que há tropas dispostas a entrar em combate (como as da Espanha, por exemplo), do que tornar visível a rejeição social da guerra e conscientizar os cidadãos dos perigos que ela acarreta.
Falar apenas do retorno da diplomacia ou das negociações como forma de iniciar a diminuição das tensões coloca menos obstáculos no caminho dos governos na hora em que chega uma possível retaliação militar. Por outro lado, pode ser mais eficaz mostrar e enfatizar que é a força das pessoas, que reagem com critérios de amor à vida, e não de outros interesses, que pode fazer com que as ações dos governantes mudem de rumo.
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Ignorar ou minimizar não apenas o estado de ânimo da população, mas também não ajudá-la a sair às ruas e a se fazer ouvir por todos os meios disponíveis, torna mais fácil para os governos agirem de acordo com as preferências atlanticistas** dos líderes norte-americanos. Embora seja necessário compreender todas as dimensões do conflito e, portanto, também mostrar, onde houver, o ânimo dos que são a favor de pegar em armas, a hipervisualização dessa opção só coloca lenha na fogueira.
O trabalho dos jornalistas que explicam o que está acontecendo no terreno do embate e mostram o horror da guerra é mais do que louvável. É uma tarefa inestimável na frente militar. No entanto, há muito trabalho a ser feito na retaguarda para que não seja fornecido mais combustível para o fogo, mas sim outros ingredientes para a paz. Sabemos que o jornalismo muitas vezes não ajuda muito, às vezes até piora a situação, mas cabe a nós leva-lo em uma outra direção.
*Xavier Giró é Professor do Departamento de Meios, Comunicação e Cultura da Universitat Autònoma de Barcelona (UAB) e diretor do grupo de investigação Observatori de la Cobertura de Conflictes, sediado na UAB, e vice coordenador do mestrado em Comunicação de Conflitos Armados, Paz e Movimentos Sociais.
**O atlantismo é uma doutrina política que defende uma intensa cooperação entre os Estados Unidos, Canadá e os países da Europa nos domínios político, militar e econômico.
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