Comissão de fábrica garantida por regulamento: direito individual ou coletivo?

A comissão de fábrica não teria em tese, legitimidade para fixar normas de natureza coletiva/Canva
A comissão de fábrica não teria em tese, legitimidade para fixar normas de natureza coletiva/Canva
Quando os fatos se referem a situações de direito coletivo, os princípios do direito do trabalho deveriam ser outros
Fecha de publicación: 07/02/2022

As normas de Direito do Trabalho recebem os efeitos segundo o campo de sua aplicação. Assim observam elas os princípios que lhes são próprios em cada componente de proteção da realidade, considerando, inclusive, seus efeitos. Assim, quando se trata de relações individuais de trabalho, natural que sejam invocados os princípios clássicos que formaram Direito do Trabalho e que se imponham as regras de proteção previstas pela CLT, exemplificativamente o artigo 468.

Relativamente ao direito tutelar do Direito do Trabalho, sua efetividade e eficácia exigem regras objetivas e fiscalização pelo Estado.

De outro lado, quando os fatos se referem a situações de direito coletivo, em que o caráter abstrato prevalece e onde a proteção social do grupo, por força do exercício da autonomia privada coletiva, prevalece em detrimento da proteção de natureza individual, os princípios a serem observados deveriam ser outros. A questão da eficácia da convenção coletiva (norma coletiva) diz respeito à sua fonte de validade (Orlando Gomes, "Curso de Direito do Trabalho", E. Forense, 1975, 6ª. Ed. p. 861).


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A fonte de validade está vinculada diretamente à origem da forma pela qual a garantia foi estabelecida, cuja base jurídica é a autonomia da vontade coletiva, extraída por assembleia dos interessados. Assim, regulamento de empresa por ato de empregador ou em conjunto com os trabalhadores, pertence ao campo do Direito material.

O site do Tribunal Superior do Trabalho, no dia 28 de janeiro de 2022, estampou manchete sobre um caso julgado, por maioria, pela Seção Especializada em Dissídios Coletivos (SDC), considerando ilícita a extinção da comissão de representantes de empregados, de forma unilateral, pela empresa (ROT-1002264-93.2020.5.02.0000). Trata-se de comissão criada há mais de 28 anos e, entre outras funções, atuava em negociações coletivas com a empresa. O fundamento da decisão diz respeito à incorporação como condição mais favorável aos empregados e como vantagem de natureza coletiva prevista em regulamento empresarial.

Chama a atenção o seguinte trecho do acórdão, da lavra do ministro Maurício Godinho Delgado, relator designado, referindo-se à extinção da comissão pelas razões dos princípios de Direito material, equiparando a iniciativa empresarial à criação de regulamento de empresa cuja supressão ofenderia a inalterabilidade contratual, artigo 468 da CLT, e estaria em dissonância com o verbete da Súmula 51, I, do TST. Depois, carrega aos fundamentos de decidir inspiração de natureza coletiva, atribuindo à criação por iniciativa da empresa de comissão de fábrica "vantagem de natureza coletiva":

Eis aí o conflito e a absorção do coletivo pelo individual e vice-versa.

A comissão de fábrica não teria em tese, até pelas normas trazidas pela reforma trabalhista, legitimidade para fixar normas de natureza coletiva, limitando-se à defesa de interesses individuais dos trabalhadores. Portanto, poderia ser considerado como instrumento colocado à disposição dos trabalhadores para que possam se manifestar.


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No caso concreto, historicamente, foi reconhecido à comissão, entre outros, a capacidade de estabelecer com o empregador, representando a coletividade de trabalhadores, negociação coletiva. Todavia, não perderia, em nosso sentir, a natureza de direito individual, inclusive como tratado pelo acórdão referindo-se ao artigo 468 da CLT e à Súmula 51 do TST.

Nesse caso, poderíamos considerar que haveria uma garantia de direito material, por norma interna da empresa que asseguraria aos trabalhadores o exercício do direito à negociação coletiva para celebração de acordos, sem, contudo, absorver por inteiro da natureza jurídica de Direito coletivo.

*Paulo Sergio João é advogado e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

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