Como funciona o monitoramento de acordos de leniência no Brasil?

Foi a partir de 2016 que ocorreram as primeiras experiências de monitoramento independente anticorrupção no Brasil/Canva
Foi a partir de 2016 que ocorreram as primeiras experiências de monitoramento independente anticorrupção no Brasil/Canva
Companhia colaboradora deve contratar um monitor independente para supervisionar o cumprimento do acordo.
Fecha de publicación: 05/07/2022

Nos últimos anos, a celebração de acordos de colaboração empresarial em matéria de ilícitos de corrupção, os “acordos de leniência”, tem se solidificado no Brasil. De 2014 a meados de 2021, apenas no Ministério Público Federal (MPF), foram firmados 38 acordos, com pagamentos de 24 bilhões de reais, um indicativo da importância do mecanismo. Em 13% dessas negociações, esteve prevista a participação de Monitores Independentes, figura importada de acordos de colaboração empresarial similares, a exemplo do que ocorre nos Estados Unidos, que ganhou força no Brasil com a Operação Lava-Jato. Sua introdução no país está fortemente apoiada no modelo estadunidense, embora seja indispensável acrescentar que, nas questões antitruste, já havia a previsão (Lei 12.529/2011, Art. 87) de monitores em casos de acordos de leniência.

 

Podemos afirmar que a experiência brasileira se baseia na utilização de monitores com o objetivo de readequar práticas empresariais identificadas como ilícitas, buscando tornar efetivos os programas de compliance empresarial. O Monitor Independente no “modelo tradicional”, de inspiração estadunidense, pode ser descrito, conforme já apresentado por Rafael Szmid, como “um especialista em temas de conformidade anticorrupção que, após a indicação da empresa e concordância das autoridades, é nomeado para monitorar, de forma independente, uma empresa para que ele ateste o cumprimento das obrigações assumidas no acordo em um processo de corrupção”. Cabe ao Monitor comentar, avaliar e fornecer recomendações à empresa monitorada, que, por sua vez, é responsável por elaborar e implementar o programa de integridade. Neste modelo, a companhia colaboradora deve contratar um monitor independente para supervisionar o cumprimento do acordo, incluindo obrigações de implementação de um programa de compliance. O terceiro independente é nomeado com a aprovação da autoridade pública pactuante do acordo e desempenha papel de especialista nos temas de acompanhamento, prestando contas à autoridade em questão.

 

A lógica da previsão de monitoramentos se conecta com os objetivos de celebração de acordos de colaboração empresarial, que por si só já ofereceriam um rol de vantagens ao ente que os celebra, incluindo garantir a cessação das práticas ilícitas, o ressarcimento dos danos e a colaboração para alavancagem de investigações, podendo diminuir os recursos e mão de obra aplicados nas atividades de investigação.

 

Para além das vantagens conectadas às consequências do acordo de leniência, há razões adicionais pelas quais monitorias independentes são adotadas. Por exemplo, monitores transferem alguns dos custos de enforcement do acordo do poder público para a empresa monitorada, o que inclui a previsão de implementação de um programa de compliance robusto e eficaz. Também dão garantias adicionais de que a monitorada seguirá a lei, a regulação do seu setor e quaisquer outros normativos aplicáveis. Mas é interessante notar também que autoridades como a Controladoria Geral da União (CGU), até o momento, têm optado por não se utilizar de Monitores Independentes, preferindo seguir seu próprio modelo de acompanhamento.

 

Neste trabalho, identificamos as principais características de um modelo brasileiro de monitoramento independente através da observação da conceituação estrangeira sobre os principais tópicos do tema, adotando o enfoque e balizas da legislação nacional, além de apresentar as principais etapas do processo de monitoramento no Brasil.


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Perfil e histórico dos Monitoramentos no Brasil

 

Foi a partir de 2016 que ocorreram as primeiras experiências de monitoramento independente anticorrupção no Brasil. Em outubro daquele ano se firmou um deferred prosecution agreement (DPA) entre a Embraer S.A. e o Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DOJ, na sigla em inglês) e, simultaneamente, uma Declaração de Ajuste de Conduta com o MPF e com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM). O acordo brasileiro definiu que relatórios e informações apresentados às autoridades estadunidenses seriam compartilhados com o MPF e a CVM. No mesmo ano, Braskem S.A. e Odebrecht S.A. firmaram acordos paralelos com o DOJ e com o MPF e a previsão de monitores independentes estava presente nos termos firmados com as autoridades dos dois países. Foi a primeira vez que uma autoridade brasileira previa a imposição de monitores anticorrupção próprios. Isso implicou um procedimento autônomo para o monitoramento, com escolha do monitor, reportes, atividades, questões tratadas pelo monitor brasileiro e preocupações da autoridade brasileira desenvolvidas de forma independente. Em 2019, acordos de leniência firmados pelo MPF e o Ministério Público do Paraná com a CCR Rodonorte, Ecorodovias e Cia Paranaense de Construção S.A. voltaram a prever a figura do monitor independente anticorrupção.

 

O modelo de monitoramento adotado nestes casos é bastante semelhante, tendo por objetivo a avaliação da efetividade do programa de integridade das empresas colaboradoras. Com prazos de duração entre 2 e 3 anos, são monitoramentos marcados pela avaliação das estruturas de compliance e governança das empresas, no desenvolvimento de seus controles internos e na implementação de recomendações feitas pelos monitores. As atividades desenvolvidas são reportadas às autoridades por meio de relatórios em datas preestabelecidas e, via de regra, não são publicizados, tendo em vista a grande quantidade de informações sensíveis dos documentos. É possível dizer que, no Brasil, a experiência dos monitoramentos realizados em conjunto entre autoridades brasileiras e estadunidenses marcaram fortemente o perfil das monitorias impostas posteriormente nos acordos exclusivamente brasileiros. 

 

A ausência de regulamentação acerca dos critérios adotados para a imposição de um monitor independente impede que se avalie a fundamentação para a imposição de monitores em alguns casos e sua ausência em outros. A comparação dos valores de multas previstos nestes acordos pode indicar que a gravidade da conduta, refletida em indenizações e multa, é um critério. A natureza dos ilícitos perpetrados e de quanto tais ilícitos foram possíveis graças a uma cultura sistêmica de corrupção dentro das organizações é outro. No entanto, diferenciar os ilícitos que dependem exclusivamente dos agentes envolvidos daqueles que foram possíveis graças a uma cultura corporativa é muito delicado. A falta de balizas normativas ou de diretrizes institucionais gerais, aliada ao sigilo atribuído aos relatórios elaborados pelos Monitores, dificultam o aprendizado ou o compartilhamento de lições aprendidas de uma experiência de monitoramento para outras.

 

Dificuldades típicas do cenário brasileiro

 

A maior parte das empresas do Brasil são familiares, diferentemente de grande parte das empresas estadunidenses. Elas são marcadas pela alta concentração de seu controle, limitado a um número restrito de pessoas. Uma das principais consequências dessa formação é sua estrutura de governança. O acionista ou sócio controlador, na maioria das vezes, faz parte do conselho de administração e da gestão, confundindo-se aí os papéis de administração dos negócios e sua supervisão. Enquanto em empresas não familiares o acionista possui todos os motivos para que os ilícitos sejam esclarecidos, consistindo em um mau uso do dinheiro, em empresas familiares é possível que laços afetivos e sobreposição de funções contribuam para uma fiscalização menos rigorosa. A existência desse potencial conflito coloca em questão um dos pilares de um programa de integridade baseado na independência da instância interna de compliance, por meio de uma linha de reporte direto ao conselho de administração.

 

Neste cenário, a figura de um terceiro independente pode ser fundamental para o sucesso da imposição de obrigações de aprimoramento do programa de compliance de uma empresa colaboradora, pois força a tomada de decisões que não seriam a escolha “natural” da alta liderança. A empresa é forçada a fortalecer seus controles internos e desenhá-los de forma a terem independência em relação à liderança. Mesmo assim, há exemplos de grande dificuldade de transformações mesmo com a presença do Monitor.

 

Outra dificuldade típica do caso brasileiro está na frequência com que o cenário de corrupção sistêmica no Brasil é utilizado como justificativa para os atos ilícitos do passado. A monitorada adota um programa de integridade e passa a adotar as práticas recomendadas mas, nas entrelinhas, ainda se justifica o ocorrido como resultante de atos aos quais a empresa foi coagida pelo comportamento de agentes públicos. Esse tipo de narrativa acaba escorando boa parte do comportamento da alta administração, ou seja “foi assim, porque o Brasil era assim”.

 

São muitos os outros desafios típicos de monitorias no Brasil que impactam a implantação de um programa sólido de compliance e, consequentemente, os trabalhos da monitoria independente. São temas que deverão ser aprofundados em trabalhos futuros, conforme a sedimentação das monitorias independentes.

 

Decisão quanto à Monitoria

 

Com a popularização das monitorias independentes nos EUA, alguns debates começaram a surgir quanto aos custos excessivos para as monitoradas em relação aos ganhos efetivos. Na esteira dessas discussões, em 2008, o DOJ editou o Morford Memorandum, um guia direcionado a procuradores que negociam acordos de não persecução que traça critérios para a determinação de quanto uma monitoria deve ou não ser adotada. Dez anos depois, o DOJ publicou o Benczkowski Memorandum, que sugere uma análise ainda mais estrita sobre os custos e benefícios na adoção de um monitor.

 

Segundo ambos os memorandos, a decisão de instituir ou não a monitoria independente deverá considerar dois fatores principais. O primeiro se constitui dos potenciais benefícios do monitoramento para a monitorada e para o interesse público, ponderando-se questões como: se a conduta perpetrada envolveu a manipulação de livros e registros corporativos ou a exploração do programa de compliance/controles internos; se a conduta permeou toda a organização ou derivou de ordens emanadas pela liderança; se a empresa já fez investimentos e melhoramentos em seu programa de compliance/controles internos e se tais investimentos foram testados.

 

O segundo fator a ser considerado engloba seus custos e impactos nas operações da monitorada. As autoridades devem considerar não só os custos monetários, mas também se o escopo da monitoria é apropriadamente moldado para evitar ônus desnecessários para as operações da empresa.

 

Os memorandos do DOJ deixam claro que uma monitoria não deve ser imposta por razões punitivas. Quando o programa de compliance e os controles da empresa se mostram efetivos e apropriadamente equipados, um monitor não seria necessário.

 

A despeito do modelo dos monitoramentos brasileiros se apoiar em grande medida no modelo estadunidense, os critérios do DOJ não podem ser, automaticamente, aplicados ao caso brasileiro. O menor número de monitoramentos em vigor no Brasil pode indicar que já há alguma cautela na avaliação realizada pela autoridade pública quanto à conveniência das monitorias independentes. Na experiência brasileira, há referências paradigmáticas para esse tipo de avaliação, como a realizada pela Controladoria-Geral da União (CGU) em acordos de leniência. A CGU possui manual de avaliação de programas de integridade, com questionário detalhado sobre programas de integridade. Assim, a CGU, ainda que não tenha por costume estabelecer monitorias independentes, realiza uma avaliação do programa de integridade da possível monitorada antes da assinatura do acordo. Esse manual é um bom ponto de partida para outras autoridades que decidam justificar sua escolha pela monitoria, ou mesmo por advogados que tenham como pleito a não necessidade de monitoria em um determinado caso.

 

A princípio, se a empresa já demonstra possuir programa de integridade robusto e eficaz, deixando evidente que a opção por uma monitoria se mostraria não só onerosa como despropositada, então a imposição deveria ser reconsiderada.

 

Em resumo, essa análise prévia deverá considerar: o comprometimento da alta direção da pessoa jurídica, evidenciado pelo apoio ao programa; padrões de conduta, código de ética, políticas e procedimentos de integridade, aplicáveis a todos os empregados e administradores, estendidas a fornecedores e associados; treinamentos periódicos sobre o programa de integridade; registros contábeis que reflitam as transações da pessoa jurídica; controles internos que assegurem a elaboração e confiabilidade de relatórios e demonstrações financeiros; procedimentos específicos para prevenir fraudes e ilícitos; canais de denúncia e mecanismos destinados à proteção de denunciantes; medidas disciplinares em caso de violação do programa de integridade e procedimentos que assegurem a interrupção de irregularidades; diligências para contratação e supervisão fornecedores; verificação do cometimento de irregularidades ou ilícitos e da existência de vulnerabilidades nas pessoas jurídicas envolvidas e, por fim, monitoramento do Programa de Integridade.


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Seleção do Monitor

 

Expertise e efetiva independência são os dois elementos centrais para escolha de um monitor. A expertise em temas de governança e compliance revelarão a capacidade de um monitor para acompanhar um programa de compliance eficaz. Já a independência do profissional permite a avaliação isenta e não interessada dos avanços da organização no desenvolvimento de seu programa de integridade, um diálogo objetivo com a autoridade pública e com a empresa monitorada e distância suficiente para tomar decisões sobre recomendações e eventuais prestações de contas à autoridade. Independência, vale lembrar, inclui também a ausência de conflitos de interesse como o que existiria no monitoramento realizado por advogados sobre seus clientes. Na experiência brasileira, esses requisitos foram regulados caso a caso.

 

Na literatura estrangeira, documentos, regulamentos, orientações e memorandos aparecem com frequência como auxiliares na escolha de monitores. Alguns exemplos são: American Bar Association Standards for Monitors; Morford Memorandum (2008); e o Breuer Memorandum (2009). As intersecções entre os documentos apontam alguns critérios sólidos na escolha de um monitor. São eles: Integridade, credibilidade e profissionalismo; expertise e/ou experiência necessárias e competência reconhecida para o exercício das atividades; estrutura necessária para o desenvolvimento do trabalho; atuação independente do governo e da organização monitorada; responsabilidades pré pactuadas e compromisso em realizar as atividades de monitoramento por todo o período pactuado.

 

Uma forma possível de seleção do Monitor Independente envolve a sugestão pela futura mencionada de uma lista com possíveis monitores descrevendo suas qualificações e declarações que atestem a ausência de conflitos de interesse que possam comprometer a independência da monitoria. Sugere-se ainda que a seleção de candidatos leve em conta candidatos diversificados em termos geográficos, demográficos e profissionais. Ainda que não mencionado nos documentos de orientação estrangeiros, os autores deste artigo também consideram relevante levar em conta monitores de diferentes gêneros.

 

Escopo e Plano de Trabalho

 

O escopo do trabalho de monitoria deve ser estipulado pelo próprio acordo pactuado entre a empresa e a autoridade competente, tomando como referência o ABA Standard for Monitors. Mas também há a possibilidade, como previsto pelo Breuer Memorandum, de 2009, de o escopo estar previsto em memorando feito pela autoridade para justificar a escolha do monitor. O escopo envolve tópicos como a duração da monitoria, os recursos necessários para sua execução, e o que podemos chamar de escopo propriamente dito: as balizas mínimas da atuação do Monitor Independente.

 

O Morford Memorandum de 2008 estabelece, entre os seus princípios, a consideração de que o Monitor Independente, apesar de ter suas atividades custeadas pela monitorada e apresentar relatório à autoridade competente, não se trata de um colaborador ou representante delas. Trata-se de um terceiro independente e deverá ser tratado como tal. Determina ainda que tampouco a autoridade competente poderá forçá-lo a seguir, em seus trabalhos, uma direção que lhe seja conveniente. A independência é peça chave no escopo da monitoria.

 

O escopo deve também ser consistente com o acordo em que a monitoria está prevista. Isso se dá em pelo menos dois sentidos. Um, mais claro, trata-se da obediência das balizas postas a atuação do monitor no acordo em questão. O segundo é causa de maior controvérsia. Trata-se de manter o escopo de atuação adstrito a uma atuação ampla o bastante para poder tratar de maneira efetiva as falhas que permitiram os ilícitos observados, impedindo sua recorrência, e restrita o bastante para não permitir uma perda de foco. O monitor não deve se equiparar a auditoria ou investigação interna.

 

Segundo o ABA Standard for Monitors, o monitor deverá previamente ao início de suas atividades e após a entrega de cada relatório de atividades, desenvolver um plano de trabalho com as atividades para o próximo período de monitoramento. Se a monitoria, por exemplo, tiver duração prevista de três anos, o mais indicado é que se façam três planos de trabalho, ao início de cada período de monitoria, e três relatórios, ao fim de cada período. Essa periodicidade permite não apenas o estabelecimento de elementos concretos que serão avaliados, mas também facilita a definição de fluxos de trabalho, cronogramas parciais e a revisão e comparação das análises no tempo.

 

São muitos os elementos presentes no plano de trabalho da monitoria independente. Resumidamente pode-se afirmar que alguns tópicos imprescindíveis do documento são: contexto, escopo, premissas e objetivo da análise; análise preliminar de risco; indicação dos de tópicos essenciais que serão foco da análise do período; metodologia que será utilizada para a análise; cronograma e protocolo para Fluxo de Informações entre monitor, monitorada e autoridade.

 

Responsabilidades do Monitor

 

Assim como o escopo, o acordo de colaboração deve conter estipulações acerca das expectativas e responsabilidades do Monitor. É com esta delimitação e o escopo do monitoramento que se define o papel que o Monitor desempenha em suas atribuições. Novamente, na ausência de orientações gerais sobre o tema, as determinações de cada acordo, individualmente, ganham maior relevância.

 

Por natureza, não faz parte das atribuições do monitor fazer escolhas sobre a estratégia ou a forma de implementação dos mecanismos de integridade da empresa monitorada. Tais elementos são parte da criação e desenvolvimento de um programa de compliance, uma vez que refletem a maturidade e a integração do programa em relação a todas as demais atividades desenvolvidas por uma organização. No nível de estratégia, portanto, é de responsabilidade do monitor avaliar a solidez dos processos adotados pela empresa, seu alinhamento em relação aos valores e ao perfil da própria monitorada e, especialmente, sua capacidade de enfrentar e evitar a recorrência das práticas ilícitas do passado.

 

Da mesma forma, o Monitor não substitui a monitorada em qualquer atividade de implementação das ferramentas adotadas pela empresa. Ele não faz parte da equipe de compliance, não valida nem aprova as ações que serão implementadas. Sua responsabilidade, enquanto supervisor do programa, é verificar (i) a existência ou criação de elementos essenciais do programa de compliance, (ii) avaliar seu funcionamento e, a partir dessa análise, (iii) apresentar recomendações que poderão ou não ser obrigatórias para a monitorada. A verificação do cumprimento de tais recomendações, quando obrigatórias, faz parte do trabalho contínuo de avaliação feito pelo monitoramento.

 

O monitor deve voltar sua análise para o presente e o futuro da organização, não para seu passado. Assim, não é de sua responsabilidade investigar ou avaliar as condutas passadas da monitorada. A distinção das atividades de monitoramento e de investigação independente, nesse sentido, são bastante claras. Isso não significa, no entanto, que as condutas passadas não devem ser consideradas pelo monitor. Pelo contrário, a resposta da empresa em relação aos fatos passados pode fazer parte do trabalho do monitoramento.

 

Para cumprimento de suas responsabilidades, o Monitor não atua sozinho. A despeito da seleção e escolha de o Monitor tratar da indicação de um indivíduo, as tarefas a serem conduzidas em um processo de monitoramento - que podem durar, em média, 2 a 3 anos - envolvem um trabalho em equipe multidisciplinar. A formação da equipe de monitoramento refletirá não apenas o tamanho da empresa e do escopo do monitoramento, mas também a quantidade de expertises necessárias para uma supervisão satisfatória.


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Protocolo de Comunicação com Autoridades Competentes e com a Monitorada

 

Há diferentes ocasiões nas quais o monitor independente tem que se comunicar com a autoridade competente e com a monitorada. Uma das hipóteses de comunicação é na forma de Relatórios Periódicos – quando o monitor relata achados, conclusões, status de recomendações passadas (caso não seja o primeiro relatório) e novas recomendações previstas – que devem ser repetidos à autoridade competente após discussão com a monitorada. Outra hipótese é o Reporte de Ilegalidades, que pode ser feito à empresa, à autoridade ou a ambas, a depender de como isso foi estabelecido. Se não é claro que o ilícito ocorreu, outras ações podem ser mais efetivas, como uma denúncia do próprio monitor ao Canal Confidencial ou mesmo como uma recomendação de caráter emergencial.

 

Procedimentos para Análise de Programa de Compliance Robusto e Efetivo

 

Existem diferentes procedimentos pelos quais uma monitoria independente pode apreender o estado da arte de um programa de integridade. No entanto, pode-se dizer que há um cerne mínimo de atividades necessárias a qualquer monitoria. São elas (i) análise de documentos; (ii) condução de entrevistas; e (iii) walkthrough de processos. Sobre esses métodos, é preciso fazer algumas considerações.

 

Sobre o controle de documentos, o monitor deverá ter acesso a todos os documentos necessários à análise do programa de integridade da monitorada. Um programa de integridade eficiente incide sobre processos da operação da empresa, como seus trâmites para contratação e sua relação com agentes públicos. Assim, os documentos que dizem respeito ao funcionamento do programa de integridade envolvem qualquer informação que permita melhor compreender se os controles impostos pela equipe de compliance à empresa.

 

O mesmo ocorre com a condução de entrevistas, devendo a monitorada prover amplo acesso a todos os colaboradores necessários para a elucidação de pontos que o monitor deva avaliar. As entrevistas devem ajudar a compreender quão presente o compliance é na rotina da monitorada, o que envolve entrevistar pessoas que desenvolvam os mais diversos tipos de atividades em diferentes posições hierárquicas dentro da monitorada.

 

Já nos walkthroughs, utilizados amplamente pelas empresas de apoio forense que, tipicamente, prestam apoio ao monitor independente, é verificado se os processos apreendidos em normativos e evidências enviadas pela monitorada por meio de documentos ou confirmadas por seus colaboradores por meio de entrevista estão realmente disponíveis no cotidiano de trabalho de seus funcionários.

 

Relatório final

 

Uma vez que a monitoria acaba, é preciso consolidar o conhecimento sobre quais práticas funcionaram, quais não, e como o processo pode ser aprimorado. Essa etapa usualmente se finaliza com a elaboração, pelo monitor, de um relatório de certificação, no qual é consolidada a visão da monitoria em relação ao atingimento das obrigações do acordo de colaboração empresarial em relação à efetividade e robustez do programa de integridade.  É esperada, portanto, uma avaliação sobre os elementos estruturantes do programa e seu funcionamento, considerando a avaliação de riscos, a natureza dos ilícitos perpetrados no passado e a sustentabilidade do programa no futuro.

 

*Este é um resumo do texto Monitoramento na Prática Brasileira, terceiro capítulo do livro Monitoria de Programa de Compliance no Brasil, lançado em junho pela Editora Mizuno. O capítulo original foi escrito em 2021 pelos advogados Caio Farah Rodriguez, Adriana Vojvodic e Evandro Sussekind, do escritório Barros Pimentel Advogados.

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