Mais um tema constrangedor assombrando as relações de trabalho: a edição da Portaria 620/21, pelo Ministério do Trabalho e Previdência, que busca tornar discriminatória a exigência do comprovante de vacinação dos empregados contra a covid-19, pelas empresas.
Além de representar manifesto retrocesso às medidas de proteção à vida, responsáveis pela flagrante redução dos casos de Covid decorrente da impositiva vacinação em massa da população, a edição desta Portaria representa violação a Constituição Federal, desde sua origem, ferindo preceitos e extrapolando limites de competência estabelecidos na Constituição, como o previsto no artigo 22, que estabelece a competência privativa da União para legislar sobre o direito do trabalho, não havendo qualquer dispositivo que conceda essa prerrogativa a Ministro de Estado.
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Diversas têm sido as manifestações contrárias à medida do Ministro Onyx Lorenzoni, que vem sendo duramente criticada, inclusive, pelos sindicatos de empregados e partidos políticos, demonstrando que sua revogação ou reconhecimento da nulidade é questão de tempo.
Já há, inclusive, uma Ação por Descumprimento de Preceito Fundamental, proposta pela Rede Sustentabilidade, requerendo a incompatibilidade da Portaria no que se refere aos termos adotados pela norma criticada e, principalmente, quanto à absurda flexibilização da vacina contra o coronavírus.
Nessa mesma linha há também o projeto de Decreto Legislativo nº 935/21, de iniciativa do Senado Federal, que busca sustar a Portaria quanto ao absurdo proposto, que afasta das empresas a possibilidade de exigir, de seus empregados, a apresentação de certificados de vacinas, mesmo que tal medida venha se mostrando essencial para o bom funcionamento dos empreendimentos nesse momento de retomada das atividades presenciais. Exemplo trazido pelo decreto é o caso de companhias internacionais de aviação, que só podem operar mediante a comprovação vacinal de seus empregados.
Importante lembrarmos, também, que o Supremo Tribunal Federal, no final do ano de 2020, através do julgamento de duas ações diretas de inconstitucionalidade, já reconheceu a constitucionalidade da vacinação compulsória, firmando seu posicionamento no sentido de que o Estado pode exigir da população a vacinação, na medida em que o direito coletivo se sobrepõe ao interesse individual.
O posicionamento do STF fundamenta o entendimento majoritário do Tribunal Superior do Trabalho, de que é possível a exigência, pelo empregador, de comprovante da vacina do coronavírus a seus empregados, dentro dos limites do chamado poder diretivo do empregador, considerando o interesse coletivo e a garantia de um ambiente de trabalho seguro e saudável para todos. E esse entendimento é também corroborado pelo próprio Ministério Público do Trabalho, que, inclusive, emitiu um parecer opinando pela possibilidade da demissão, por justa causa, de empregados que se recusassem tomar vacina.
Tudo indica, assim, que a Portaria tem grandes chances de não vingar, seja por violações a Constituição Federal, seja por estar em desacordo com o bem maior de toda coletividade, qual seja, a proteção à vida e a saúde no ambiente de trabalho. Vamos aguardar os próximos capítulos dessa desnecessária peleja, capitaneada, por razões políticas, por reconhecidos negacionistas, com consequências desastrosas para todo povo brasileiro.
Ou seja, segue cada vez mais imperiosa a conscientização dos trabalhadores acerca da importância de se ativarem em um ambiente seguro e protegido, especialmente diante de iniciativas de cunho político como esta, que não representam nada além de um manifesto desserviço ao mercado, confundindo os trabalhadores no momento — ainda de grande insegurança — de retomada das atividades em ambiente coletivo.
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*Ana Paula Vizintini é sócia e Paula Otter especialista em direito do trabalho do escritório do Schmidt Valois.
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