As consequências da ADI 5529 para os titulares de patentes

Necessário que o tempo de análise das patentes seja compatível com a velocidade das inovações comerciais/Canva
Necessário que o tempo de análise das patentes seja compatível com a velocidade das inovações comerciais/Canva
Detentores buscam alternativas para adequação casuística dos prazos de patentes após decisão do STF.
Fecha de publicación: 30/06/2022

Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5.529, ajuizada no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo procurador-geral da República Rodrigo Janot, em 17 de maio de 2016, teve como objetivo declarar a inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 40 da Lei nº 9.279/1996 (Lei da Propriedade Industrial), o qual dispõe sobre o prazo de vigência das patentes de invenção e modelo de utilidade.

 

Como fundamento, o procurador sustentou que o dispositivo contrariaria o princípio da temporariedade da proteção das patentes (art. 5º, XXIX, Constituição Federal), da livre concorrência e da proteção aos consumidores por ensejar indefinição no prazo da proteção patentária, o que acarreta insegurança jurídica e, consequentemente, cria obstáculos na atuação dos agentes econômicos concorrentes em potencial.

 

Após trâmite regular da ADI, o STF confirmou seu entendimento pela inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 40, com a modulação de efeitos de sua decisão no sentido de ser atribuído, em regra, efeitos ex nunc, ou seja, aplicação dos efeitos modulados para os pedidos de patentes ainda não concedidos, e manteve efeitos ex tunc, aplicação imediata e retroativa, nos casos de  ações judiciais em curso que eventualmente tenham como objeto a constitucionalidade do dispositivo discutido  e sobre as patentes concedidas com base no parágrafo único do artigo 40 a produtos e processos farmacêuticos, além de equipamentos e/ou materiais de uso em saúde.

 

Por meio da Lei nº 14.195, de 26 de agosto de 2021, o parágrafo único do artigo 40 veio a ser expressamente revogado.


Mais sobre o assunto: Efeitos da ADI 5529 no prazo de proteção das patentes


O sistema de proteção de patentes no Brasil

 

A patente é o título de propriedade industrial que protege uma invenção e garante ao titular direitos exclusivos sobre sua exploração por um período limitado em um determinado país. O Acordo sobre os Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (Acordo Trips) e a Lei de Propriedade Intelectual (LPI) preveem três requisitos para uma invenção ser patenteável: novidade, atividade inventiva e aplicação industrial.

 

Um requisito adicional ao pedido de patente é que a invenção seja suficientemente descrita no relatório submetido. Verificados esses requisitos, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), autarquia federal responsável, concede a patente, formalizando o direito exclusivo de seu titular sobre seu objeto.

 

O artigo 40 da LPI determina que o prazo de vigência da patente de invenção e de modelo de utilidade será de 20 ou 15 anos, respectivamente, contados da data de protocolo do pedido. O parágrafo único do artigo 40 da LPI, vigente até a decisão da ADI nº 5.529, assegurava que o prazo de vigência não seria inferior a 10 anos, no caso das patentes de invenção, e a sete anos, no caso das patentes de modelo de utilidade, a contar da data de sua concessão.

 

A partir da data de depósito, o titular do pedido tem uma expectativa de direito que pode se materializar ou não, a depender do exame de mérito a ser realizado pelo INPI. Após a concessão, porém, além de serem assegurados ao seu titular os direitos de exclusividade na exploração da patente conforme artigo 42 da LPI, também lhe é permitido pleitear reparação por exploração indevida que tenha ocorrido antes da concessão da patente e desde sua publicação, nos termos do artigo 44 da LPI.

 

Vale lembrar que o Acordo Trips, do qual o Brasil permanece signatário, estabelece em seu artigo 33 que a vigência da patente não será inferior a um prazo de 20 anos, contados a partir da data do depósito. Não obstante, o próprio acordo Trips, em seu artigo 62, determina que os países membros devem assegurar meios para evitar que procedimentos de concessão gerem uma redução indevida do prazo de proteção do ativo.

 

Os efeitos da decisão da ADI 5.529 aos usuários do sistema

 

Para os titulares atingidos pelos efeitos ex tunc: tendo em vista os efeitos retroativos indicados na decisão do STF, o INPI recalculou o prazo das patentes que se enquadravam nas hipóteses elencadas, para que todas passassem a ter seus prazos limitados a 20 anos, ou 15 anos em caso de modelos de utilidade, contados a partir da data do pedido de patente, independentemente do tempo de análise, e suas razões para a concessão de tais patentes.

 

Diante desse cenário, titulares de patentes com prazo recalculado estão requerendo do Judiciário uma adequação ou ajuste dos termos de proteção de patentes que, cumulativamente, foram automaticamente afetados pela retroatividade da decisão do STF e tiveram seu trâmite paralisado ou prejudicado por ausência de movimentação por parte do INPI. Tais ações têm como base, em seu conjunto e de forma geral:

  • O direito fundamental de obter o privilégio de exploração da invenção objeto de patente;
  • O direito fundamental de duração razoável do processo administrativo;
  • O compromisso do Brasil como Estado membro do Trips de assegurar, nos moldes do artigo 62 do referido acordo internacional, meios para evitar que procedimentos de concessão gerem uma redução indevida do prazo de proteção;
  •  A permissão de, havendo omissão na lei, o judiciário decidir com base na analogia, os costumes e os princípios gerais de direito;
  • O direito comparado com fonte de direito.

 

Com efeito, a necessidade de adequação ou ajuste na concessão das patentes em análise casuística, aliás, é solução amplamente vista no cenário internacional, como destacado pelo próprio STF, por meio do voto do ministro Tofolli.

 

No caso da União Europeia, por exemplo, estão previstos os Supplementary Protection Certificates (SPCs), que tratam de certificados que conferem certa extensão à vigência de patentes ao expandir exclusividade de mercado de alguns produtos farmacêuticos e fitossanitários. Também é o caso dos Estados Unidos, onde o prazo do Patent Term Adjustment (PTA) é calculado segundo regras específicas e só é válido caso reste comprovada a demora na análise do pedido de patente causada pelo escritório de patentes americano, e onde também há os Patent Terms Extended (PTE), que prolongam a proteção da patente em função de atrasos na análise de agências reguladoras, como a US Food and Drug Administration (FDA).

 

Na América Latina, por sua vez, países como Chile, Colômbia, Costa Rica, República Dominicana, Guatemala, México, Nicarágua e El Salvador possuem mecanismos para ajustes de termos de patentes, tanto na hipótese de atraso na análise do escritório de patentes quanto por conta de atrasos de agências reguladoras. Países como Honduras, Paraguai e Peru contam com sistemas de ajustes em caso de atraso no trâmite da patente pelo escritório de patentes local.

 

Vê-se ao redor do mundo que, em determinados casos, é necessário que seja revisitado o prazo de validade geralmente concedido às patentes pelo Estado para que seja, eventualmente, contornado atrasos e/ou erros procedimentais do próprio Estado que inviabilizem a regular exploração comercial do objeto da patente de forma exclusiva. Sem tais remédios de adequação, o Estado estaria em posição de não honrar o compromisso inicial simbolizado por toda patente: o inventor ensina e disponibiliza sua invenção à sociedade, o Estado, em contrapartida, lhe garante o privilégio temporário de exploração exclusiva.


Veja também: A tecnologia e a proteção da propriedade intelectual


Para os titulares, depositantes e futuros depositantes de patentes: seja pela modulação dos efeitos da decisão do STF, seja pela Lei nº 14.195/2021 que revogou o parágrafo único do artigo 40 da LPI, os pedidos de patente em trâmite, bem como os novos pedidos de patentes, deverão ter seu prazo estipulado com base no artigo 40 da LPI.

 

Caso o procedimento administrativo de análise e concessão da patente tarde um período não razoável, considerando o atual posicionamento do INPI, o titular da patente terá que percorrer o caminho que hoje percorrem os titulares de patentes atingidas retroativamente, para tentar obter do Judiciário remédio que julguem adequado para dar efetividade ao direito de exploração temporária e com exclusividade de sua invenção.

 

Vale destacar que já se observa maior articulação dos usuários do sistema de patentes de forma geral, para maior pressão por um INPI mais bem aparelhado e equipado, com maior autonomia e mais mecanismos e ferramentas, visando reduzir o histórico backlog. Necessário que o tempo de análise das patentes seja compatível com a velocidade das inovações comerciais que hoje contemplamos, sendo este o melhor caminho para que o instituo da patente seja bem aplicado no país e eventuais necessidades de ajustes nos termos das patentes concedidas sejam exceções e não a regra.

 

*Luiz Felipe Di Sessa e Paulo Brancher são sócios e José Roberto de Almeida Junior é advogado do Mattos Filho.

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