As consequências do excesso de demandas judiciais no ambiente de negócios

O maior prejudicado com a falta de segurança jurídica e a excessiva judicialização é o consumidor/Canva
O maior prejudicado com a falta de segurança jurídica e a excessiva judicialização é o consumidor/Canva
Problema afasta investimentos estrangeiros, dificulta a competitividade e sobrecarrega Poder Judiciário.
Fecha de publicación: 26/05/2022

Está cada vez mais evidente que alguns setores produtivos são mais demandados que outros no Poder Judiciário, como por exemplo, bancos, empresas de telefonia, seguradoras, planos de saúde e companhias aéreas. Fato é que nos últimos anos, os litígios contra as empresas desses setores cresceram de forma exponencial, impactando diretamente nos seus resultados e crescimento, bem como afastando o investimento de capital estrangeiro da economia brasileira.

De acordo com o relatório Justiça em Números 2021, apresentado pelo Conselho Nacional de Justiça e que reúne dados orçamentários, quantitativos e diagnóstico do desempenho da atividade judicial brasileira, o Poder Judiciário finalizou o ano de 2020 com 75,4 milhões de processos em tramitação, ou seja, aguardando alguma solução definitiva.

Segundo o relatório, a pandemia da Covid-19 em 2020 representou um momento de reinvenção dos fluxos de trabalho no âmbito do Poder Judiciário, em que se empregou diversas medidas tecnológicas para a continuidade da prestação jurisdicional. Assim, houve significativos impactos na rotina de trabalho dos Tribunais, tendo em vista a necessidade de atendimento aos protocolos de saúde sanitários.


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Nesse ponto, destaque-se o fato da digitalização de processos e a propositura de ações por meio dos sistemas de processos judiciais eletrônicos terem apresentado recorde de adesão durante esse período, o que certamente pode ter fomentado a propositura de novas ações judiciais, pois tais medidas facilitam, ainda mais, o acesso à justiça.

Ainda nesse mesmo período de pandemia, no caso dos setores aéreo e de turismo, por exemplo, as consequências da judicialização excessiva em decorrência de serviços de transporte e hospedagem tiveram ainda mais destaque com o avanço do Covid-19, visto que, com a redução do número de viagens e a consequente queda de receita, as empresas do setor tiveram que adotar diversas medidas para preservar o caixa e manter as suas operações e, portanto, passaram a olhar com mais atenção para o elevado custo despendido com indenizações provenientes de ações judiciais.

Segundo os dados alarmantes apresentados pelo Instituto Brasileiro de Direito Aeronáutico (IBAER), 98% das demandas judiciais contra as empresas aéreas no mundo se concentram no Brasil, sendo que, apenas no primeiro semestre do ano de 2019, os processos contra essas empresas chegaram a 109 mil, cerca de 45 mil demandas a mais que no ano anterior. Para corroborar com o assombroso número, segundo dados da Associação Internacional de Transportes Aéreos (IATA), no Brasil uma companhia aérea recebe 8 processos a cada 100 voos, enquanto, nos Estados Unidos da América, por exemplo, a proporção é de 0,01 processo a cada 100 viagens.

Dentre os mais diversos motivos para esse fenômeno, um dos mais polêmicos é o significativo crescimento do negócio das startups que auxiliam, por meio de plataformas digitais, consumidores “insatisfeitos” a obterem compensações financeiras de forma rápida, o que vem impactando diretamente no aumento significativo do número de ações judiciais. As referidas startups funcionam de acordo com um modelo similar de atuação, disponibilizando uma plataforma e, através de publicidade em mídias digitais, atraem os consumidores que, supostamente, tiveram seus direitos violados por uma empresa de determinado setor econômico.

 

Um aspecto importante a ser considerado é que o surgimento e crescimento desses novos players no mercado nacional se deu em decorrência de um evidente conflito normativo, visto que, embora existam legislações específicas que regulem diversos serviços, como por exemplo, telefonia, transporte aéreo e planos de saúde, na maioria das vezes os processos que envolvem consumidores são julgados e fundamentados de forma generalizada exclusivamente pelas regras dispostas no Código de Defesa do Consumidor, tendo em vista o suposto estado de vulnerabilidade e hipossuficiência das partes.

 

Nesse ponto, também é importante ressaltar a conduta premeditada de advogados e partes que acionam o judiciário com diversas demandas repetitivas no intuito de lucrarem com as elevadas condenações arbitradas em casos de mero dissabor cotidiano,

se aproveitando da vulgarizada indústria do dano moral.

 

Aliás, esse talvez seja o ponto de maior atenção e que gera grande estranheza aos players e investidores estrangeiros, visto que a falta de razoabilidade e de critério no arbitramento dos danos morais por determinados Tribunais brasileiros, além de instigar o ajuizamento de um número considerável de ações judiciais, torna totalmente imprevisível o provisionamento dos custos e impactos que as ações judiciais trarão para os resultados das empresas, inviabilizando os negócios de modo geral.

 

Assim, por vezes, nos falta segurança jurídica, questão fundamental para ampliar investimentos estrangeiros nas mais diversas searas. Em outras palavras, com uma atmosfera jurídica estável, o Brasil legitimaria a confiança dos investidores, além de criar um ambiente muito mais atrativo para os negócios.

 

Nesse sentido, resta evidente que o maior prejudicado com a falta de segurança jurídica e a excessiva judicialização é o próprio consumidor, pois, levando-se em conta os gastos relevantes das principais empresas demandadas com o setor judiciário e, ainda, considerando a margem restrita de lucro de diversos setores econômicos, o custo da judicialização acaba sendo obrigatoriamente repassado, onerando ainda mais o valor dos serviços contratados, além de desestabilizar o ambiente de negócios.


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Resta evidente que o problema da judicialização excessiva não só afasta investimentos estrangeiros e obsta a competitividade de diversos setores no Brasil, mas também prejudica e sobrecarrega o Poder Judiciário, comprometendo recursos e gerando ainda mais morosidade à resolução dos conflitos.

A provocação que se faz aqui é a seguinte: como quebrar esse círculo vicioso envolvendo um volume de ações judiciais exacerbado; o arbitramento de indenizações desproporcionais e que oneram demasiadamente as empresas; consumidores que, por um lado, se sentem agraciados com o recebimento de valores robustos, mas que, por outro lado, ficam insatisfeitos com o custo benefício dos serviços contratados; a inadimplência do consumidor e o consequente rompimento abrupto dos contratos; a ausência de legislações e políticas públicas que favoreçam de forma efetiva o diálogo e a preservação dos interesses comuns entre consumidores e fornecedores?

Talvez a falta de equilíbrio nas relações seja fomentada por todos esses fatores. E por incrível que possa parecer, o advento da Pandemia do Covid-19, que trouxe um cenário caótico para o País, acabou por movimentar todo esse processo de forma positiva, estimulando de maneira saudável as discussões e promovendo um ambiente um pouco menos hostil e mais empático entre os participantes dessa grande cadeia de consumo.  

 

*Luciana Goulart Penteado e Victor Hanna são sócios do Goulart Penteado Advogados.

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