Controle dos preços dos derivados de petróleo está em xeque

PL não corrige, ao contrário, agrava as causas do alto preço dos combustíveis/Canva
PL não corrige, ao contrário, agrava as causas do alto preço dos combustíveis/Canva
Consequência será a redução de investimentos no setor porque não haverá liberdade econômica para o mercado.
Fecha de publicación: 08/03/2022

Não há dúvidas de que a Petrobras e os preços dos derivados de petróleo são assuntos que retornam a cada eleição por iniciativa daqueles que defendem a atuação e influencia estatais nos preços, o que invariavelmente traz prejuízos não só à empresa, mas para todo o setor de óleo e gás. Mesmo depois de tantas tentativas frustradas de controle de preços, o assunto sempre volta.

 

A reedição do discurso e do erro se encontra, agora, nos projetos de lei que pretendem reduzir o preço dos combustíveis, como se o preço internacional do petróleo, a cotação do dólar e o mercado pudessem ser regulados por lei. Essa fixação de Brasília pelo petróleo que vem de décadas e permanece mesmo diante de todas as discussões e propostas de substituição dos combustíveis fósseis. Na realidade, o que se pretende é manter controle sobre um mercado e uma estatal de orçamento bilionário.  

 

Nessas tentativas de baixar preços “por decreto”, surgiu o PL 1.472/21, que traz várias medidas visando a alterar a tributação sobre combustíveis, fazer incidir imposto de exportação sobre o produto, criar um fundo de equalização de preços e recriar a regulação de preços de combustíveis.


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Vale destacar que o PL propõe não apenas medidas temporárias e urgentes, mas pretende alterar a Lei do Petróleo, sob o velho argumento de que cabe ao Estado regular preços de derivados visando a proteção ao consumidor de baixa renda e evitar preços abusivos e a sua modicidade.

 

Os textos propostas para os artigos 68-F e 68-G a serem incluídos na Lei do Petróleo preveem que: “Os preços internos praticados por produtores e importadores de derivados do petróleo e de gás natural devem ter como referência as cotações médias do mercado internacional, os custos internos de produção e os custos de importação, desde que aplicáveis (art. 68-F)” e “ O Poder Executivo regulamentará a utilização de bandas móveis de preços com a finalidade de estabelecer limites para variação de preços dos derivados de petróleo e de gás natural, definindo a frequência de reajustes e os mecanismos de compensação (art. 68-G).”

 

É absolutamente desarrazoado o grau de intervenção que se pretende. A consequência será a redução de investimentos no setor, pois não haverá liberdade econômica para os agentes de mercado. Mais uma vez, se pretende voltar ao controle de preços, especialmente da Petrobras, mas também de todos os players de mercado, retirando a capacidade de investimento desses agentes, e os incentivos para novos projetos que poderiam ampliar a capacidade produtiva no Brasil.

 

A literatura econômica e nossa extensa experiência demonstram que controle de preços não traz benefícios no médio e longo prazo, pois provoca uma espécie de efeito rebote e desarranja mercados e setores, além de reduzir a concorrência, investimentos e o desenvolvimento tecnológico. Por outro lado, nossa Constituição Federal (CF) não admite tal nível de intervenção estatal.

 

O artigo 170 da CF lista a livre concorrência como um dos princípios da ordem econômica, enquanto o artigo 173, parágrafo 4º, determina que a lei reprimirá o abuso do poder econômico e o aumento arbitrário de lucros. Já o artigo 174 deixa claro que o Estado atua na atividade econômica com funções de “[...] fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”.

 

Justamente para reforçar a livre iniciativa e a liberdade econômica, deixando-as a salvo de políticas intervencionistas, é que veio a ser editada a Lei 13.874/19, conhecida como a Lei da Liberdade Econômica, que, além de inúmeros artigos contrapostos à regulação de preços e mercados, é expressa ao trazer que é direito do agente de mercado “definir livremente, em mercados não regulados, o preço de produtos e de serviços como consequência de alterações da oferta e da demanda”.

 

Ou seja, a conclusão é que o Estado brasileiro não pode tabelar ou regular preços – leis ou medidas infralegais nesse sentido serão consideradas inconstitucionais pelo Poder Judiciário. Uma eventual intervenção em setores da economia somente é justificável para a garantia dos princípios constitucionais acima referidos – livre iniciativa e concorrência –, jamais para limitar a aplicação de tais princípios. Reprima-se o abuso, mas para garantir a livre concorrência, e não suprimi-la. 

 

Não foi à toa que o Cade, autarquia responsável pela defesa da livre concorrência, abriu investigações contra a Petrobras para apurar eventual abuso de posição dominante nos mercados de gás e de derivados de petróleo. E ao contrário: acordos fechados naqueles processos visaram a abertura dos mercados, desinvestimentos planejados de ativos da Petrobras, justamente para que se possibilitasse a livre concorrência, com a entrada de novos agentes nos mercados concentrados nas mãos da Petrobras. Jamais se cogitou controle ou regulação de preços.

 

Ora, justamente quando tais medidas vêm sendo adotadas com a venda de refinarias por exemplo, surge, novamente, a proposta de controle de preços. Nenhum potencial investidor irá fazer grandes investimentos em novos empreendimentos ou adquirir os ativos da Petrobras se não tiver liberdade para estabelecer seus preços e concorrer livremente. Não haverá livre concorrência com uma empresa estatal, quase monopolista, que permanecerá dominante, praticando preços regulados, certamente abaixo do mercado?


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Reitere-se que o que pretende o PL não é uma medida emergencial para reprimir um abuso de poder econômico de uma empresa ou lucros arbitrários e exorbitantes. Os artigos do PL não se dirigem à Petrobras, mas sim a regular o mercado como um todo, fixando bandas de preços, vedando repasses de custos e preços internacionais, estabelecendo reajustes e “mecanismos de compensação”, seja lá o que isso possa significar. Indo mais além: o PL não corrige, ao contrário, agrava as causas do alto preço dos combustíveis – a falta de concorrência e de investimentos privados no setor de refino de petróleo.


Inadmissível, portanto, a proposta legislativa ora em trâmite. Por qualquer ângulo que se analise o tema, a conclusão é que se aprovado como está, o PL agrava o problema, pois o preço do petróleo não baixará, o câmbio continuará a flutuar (provavelmente até mais) e os investimentos privados necessários ao mercado não virão, por receio de dirigismo econômico estatal.

 

*Lauro Celidonio Neto é sócio do Mattos Filho.

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