COP 26 e o desenvolvimento sustentável e agricultura brasileira

A orientação de aumento da produção agrícola implicou no aumento das tensões da agricultura com o meio ambiente/Pixabay
A orientação de aumento da produção agrícola implicou no aumento das tensões da agricultura com o meio ambiente/Pixabay
Dimensão ambiental não se restringe à produção de alimentos e será o grande vetor do desenvolvimento sustentável.
Fecha de publicación: 04/12/2021

Ao final da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2021 (COP 26) os discursos dos presidentes dos EUA e da China deixaram claro que a dimensão ambiental será um importante vetor da geopolítica. Além disso, as apresentações de vários representantes do sistema financeiro mundial, inclusive do Banco Central do Brasil, indicam que o “clima” será um balizador dos investimentos globais, vez que os eventos climáticos extremos aumentaram em, aproximadamente, 20% o risco dos investimentos durante a última década.

 

Para além as contribuições individuais e compromissos multilaterais de quase 200 países, a COP26 encerrou com o Pacto de Glasgow que objetiva conter a elevação da temperatura em 1,5°C. O Pacto também encoraja a aceleração da transição para energia de baixa emissão e a redução nos subsídios de combustíveis fósseis. Glasgow também olhou para a questão da transparência encorajando o uso de marcos temporais comuns entre os países.

 

Todos os países concordaram em enviar informações sobre suas emissões e apoio financeiro, tecnológico e de capacitação, usando um conjunto comum e padronizado de formatos e tabelas. Além disso, foram aprovadas as regras para o mercado de carbono internacional.


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É consenso que a questão climática possui forte relação com a pobreza e a fome. Não se trata de ressuscitar o espectro da fome de Malthus, que, aliás, há muito vem se dissipando. Desde 1961, o abastecimento alimentar per capita aumentou mais de 30%, acompanhado pelo maior uso de fertilizantes (aumento de 800%) e irrigação (aumento de 100%).

 

Não obstante os avanços, o problema da fome ainda persiste, no entanto recentemente tem adquirido nova dimensão analítica, sob a ótica do meio ambiente. As ‘quebras de safras’ em decorrência de eventos climáticos são cada vez mais frequentes.Por exemplo, estatísticas revelam que entre 1980 e 2018, as mudanças climáticas levaram a redução de 1,27%, 1,73% e 0,41% nas produções chinesas de trigo, milho e soja.

 

Além das ‘quebras de safra’, as questões climáticas orientam novos padrões de consumo alimentar segmentando ainda mais o mercado que, se por um lado impõem restrições, de outro lado, gera oportunidades para agregação de valor à produção agrícola.

 

Os resultados COP 26 indicam que a dimensão ambiental não se restringe à produção de alimentos, ela será o grande vetor do desenvolvimento sustentável. O conceito de desenvolvimento sustentável, que implica no uso dos recursos naturais, sociais e econômicos sem comprometer as gerações futuras, pode ser entendido como um prisma em que a dimensão econômica atua como o pivô dos ajustes nas dimensões social e ambiental e entre elas.

 

A dinâmica do desenvolvimento, medida pela produtividade e orientada pelos mercados, historicamente privilegiou a dimensão social. Não é por caso que a produtividade da mão de obra aumentou milhares de vezes desde o século XVII e o setor agrícola contribuiu para reduzir o custo dessa mão de obra pela via dos alimentos. A título de exemplo, a produtividade da mão de obra aumentou em 1.400% entre 1950 à 2018 na Alemanha e o custo da cesta básica em São Paulo reduziu de 220 horas para 112 horas entre 1988 a 2020.

 

A questão é que a dinâmica do desenvolvimento orientado pela dimensão social parece ter encontrado seu limite. As novas tecnologias calcadas na Tecnologia da Informação e da Comunicação aceleraram a produtividade da mão de obra em ritmo maior que a expansão dos mercados, gerando assim uma contradição econômica. Além dessa contradição, a baixa preocupação com a dimensão ambiental resultou em novas fontes de risco para a economia, a exemplo dos eventos climáticos extremos e do aquecimento global, tidos como os principais elementos das ‘quebras de safra’ na atualidade.

 

Os resultados da COP 26 e os discursos de vários dos seus atores sobre meio ambiente não são mero acaso, eles refletem a raiz do desafio para o desenvolvimento sustentável, qual seja, radicalizar o uso sustentável dos recursos naturais de modo a gerar ‘novos’ mercados, garantindo assim a sustentabilidade social.

 

Importante ressaltar que a matriz que permeia a agricultura no Brasil desde os primórdios é: orientação pelos mercados externos e o ‘espírito capitalista’ dos ganhos de escala e de produtividade calcados na inovação. Os engenhos de cana de açúcar no período colonial foram um exemplo de inovação induzida pelo exterior ao tratar da integração entre a agricultura e a indústria em um mesmo locus de produção.

 

O café, após uma longa migração do Pará para a região Sudeste, já no século XVIII também foi permeado pelo ‘espírito capitalista’ a ponto de ser considerado como a fonte de acumulação de capital que alavancou o processo de industrialização no Brasil.

 

Todos os ciclos, embora exitosos segundo suas concepções calcadas nas dimensões econômica e social à época, produziram tensões ambientais, notadamente quanto ao desmatamento e à degradação do solo, mas, nada se compara ao ciclo que se inicia em meados do século passado quando o mundo ainda vivia sob o espectro da fome e a tese de Tomas Malthus era o fio condutor de várias políticas globais.

 

Um marco desse último ciclo foi a institucionalização do serviço de assistência técnica e extensão rural nas décadas de 1950 e 1960, a partir da criação nos estados das associações de crédito e assistência rural (ACAR), coordenadas pela Associação Brasileira de Crédito e Assistência Rural (ABCAR), criada em 1956. No contexto da polarização política, econômica e militar da Guerra Fria, a criação das associações deveu-se, sobretudo, a incentivos da Associação Internacional Americana para o Desenvolvimento Social e Econômico (AIA) entidade filantrópica ligada à família Rockfeller.

 

Nessa esteira vieram instituições e programas como a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento (USAID) e o Programa de Cooperação Nipo-Brasileiro para o Desenvolvimento Agrícola dos Cerrados (Prodecer) que patrocinaram diversos planos agrícolas para o Brasil, com destaque à criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária e da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba que enfatizaram a expansão da agricultura em direção aos Cerrados do Sudeste e do Centro-Oeste, além da agricultura irrigada na Caatinga.

 

Essas ações, reforçaram a faceta socioeconômica da agricultura brasileira uma vez que os projetos agrícolas financiados pelo capital internacional nas décadas de 1960 a 1980 privilegiaram o aumento da produção via expansão da área e intensificação do capital com menor preocupação com a dimensão ambiental. Os avanços tecnológicos com algum apelo ambiental – merecem destaque os programas de microbacias, o plantio direto e o uso de microrganismos em substituição aos produtos químicos- foram mais orientados pelo aumento da produção física do que pela mitigação ambiental.

 

A orientação de aumento da produção agrícola implicou no aumento das tensões da agricultura com o meio ambiente, que até a década de 1970 estavam concentradas na Mata Atlântica, tanto em escala geográfica como em complexidade segundo os biomas do Brasil. Enquanto o Cerrados, a Mata Atlântica e o Pampa fizeram parte do processo de desenvolvimento, Amazonia e Pantanal ficaram à margem.

 

Na Mata Atlântica, a diversificação e a intensificação da produção agrícola, levaram a grande depredação ambiental e da biodiversidade com consequências importantes para a sociedade brasileira. Por exemplo, além de contribuir para a escassez hídrica e as ‘nuvens de poeira’ atuais, o avanço da agricultura na Mata Atlântica foi responsável pela contaminação derecursos naturais.. Problemas sanitários como o Mal de Chagas, consequência da degradação ambiental da Mata Atlântica em meados do século passado, tendem a se repetir no presente com o avanço da Febre Amarela.

 

No Cerrado, bioma em que o avanço da agricultura é mais recente quando comparado à Mata Atlântica, apesar de ter se tornado referência mundial na produção de grãos, fibras e carnes, a intensificação da escala proporcionou o surgimento de problemas ambientais e de prejuízos à biodiversidade. A ocupação desordenada e a consequente degradação dos solos nos Cerrados, tido como o berço das águas no Brasil, está contribuindo para a crise hídrica das regiões Sudeste e Nordeste. Além das regiões Sudeste e Nordeste, a agricultura dos cerrados afetou o ciclo das águas no Pantanal.

 

Na Caatinga, a evolução da agricultura contribuiu significativamente para aliviar a pobreza na região e suas consequências nas demais regiões do país. A questão é que, além de ser uma agricultura exigente em tecnologia e capital, é altamente dependente da água oriunda dos Cerrados. A limitação de água constrangeu o avanço dessa agricultura no bioma e não possibilitou um alívio significativo da pobreza. Como consequência, a agricultura dependente de chuva se manteve praticamente na marginalidade intensificando seu caráter predatório ao meio ambiente.

 

A agricultura no Pantanal e na Amazônia, apesar de atividade secular, ainda não se engajou na dinâmica moderna que predomina nos demais biomas. De algum modo, a falta desse engajamento tem contribuído para a predominância de uma agricultura predatória nesses biomas. As tentativas de avanço do modelo de agricultura que predomina nos Cerrados e na Mata Atlântica nesses biomas têm sido objeto de críticas. Em que pese muitas das críticas serem infundadas, fica claro que, assim como foi desenvolvido um modelo próprio de agricultura para os Cerrados, o Brasil precisa investir em inovação com ênfase numa agricultura sustentável nesses Biomas.


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Os sucessos e as virtudes na história da agricultura brasileira são inúmeros sendo marcante a preponderância da faceta socioeconômica. A questão é que as velocidades de avanço do conhecimento nas dimensões social e ambiental foram incompatíveis com as mudanças globais resultando, assim, em tensões.

 

Cada bioma, com suas características específicas, apresenta questões críticas que apesar de peculiares à sua região, evidenciam interdependência entre as dimensões social, ambiental e econômica. O impacto causado em uma das dimensões repercute de alguma maneira em outra dimensão, indicando que ações fragmentadas não serão eficazes na formulação da estratégia e na implementação de programas, políticas e iniciativas, visando ao desenvolvimento sustentável da agricultura brasileira.

 

Recuperação e preservação das características básicas dos biomas, uso mais eficiente e sustentável dos recursos naturais e serviços ambientais e ecossistêmicos, todos tendo a inovação como instituição principal, deve ser a tônica no desenvolvimento sustentável nos Biomas Brasileiros.

 

*Pedro Abel Vieira e Elisio Contini são pesquisadores da Embrapa, Antônio Márcio Buainain é professor da Unicamp e Roberta Grundling é analista da Embrapa.

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