A Receita Federal do Brasil (RFB) publicou, no final de 2021, a Solução de Consulta COSIT nº 204, reiterando o seu entendimento de que, “por falta de previsão legal”, é vedada a apropriação de créditos de PIS e COFINS “vinculados à demanda de energia elétrica contratada” pela empresa.
Segundo a RFB, tendo em vista que a demanda de potência representa “uma energia que pode não circular efetivamente para o estabelecimento consumidor, que consta em contrato no qual a concessionária se obriga a disponibilizá-la continuamente, [...] a demanda de energia elétrica contratada não se confunde com a energia elétrica consumida pela pessoa jurídica”.
Por força dessa distinção, a RFB entende que o valor da demanda de potência não dá direito ao crédito do PIS e da COFINS no regime não-cumulativo, uma vez que a previsão legal de apropriação do crédito alcançaria apenas o efetivo consumo de energia pelos estabelecimentos da pessoa jurídica.
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Ocorre que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF) é no sentido de que a demanda de potência efetivamente utilizada (medida) configura fornecimento ou consumo de energia elétrica. Essa foi a premissa adotada por esses dois tribunais quando da fixação das teses do Tema 63 do STJ e do Tema 176 do STF, que versam sobre a incidência do ICMS sobre a demanda de potência:
- Tema 63 do STJ: “É indevida a incidência de ICMS sobre a parcela correspondente à demanda de potência elétrica contratada, mas não utilizada” (REsp nº 960.476/SC, rel. Min. Teori Zavaski, j. 11.03.2009).
- Tema 176 do STF: “A demanda de potência elétrica não é passível, por si só, de tributação via ICMS, porquanto somente integram a base de cálculo desse imposto os valores referentes àquelas operações em que haja efetivo consumo de energia elétrica pelo consumidor” (RE nº 593.824, rel. Min. Edson Fachin, j. 27/04/2020).
O fundamento central desses temas reside na diferenciação entre duas parcelas que compõem a tarifa relativa à demanda de potência: a demanda contratada e a demanda medida. A parcela referente à demanda contratada, em termos singelos, corresponde ao valor mínimo que deverá ser integralmente pago no mês, mesmo que não seja utilizado pelo consumidor. A parcela relativa à demanda medida, por seu turno, representa o valor efetivamente utilizado no mês pelo consumidor.
Se a demanda medida for inferior à demanda contratada, ainda assim o consumidor deverá pagar o valor correspondente à demanda contratada. Se, por outro lado, a demanda medida for superior à demanda contratada, o consumidor deverá pagar o valor relativo à demanda medida (a chamada tarifa de ultrapassagem).
Com base nessa distinção, o ministro Edson Fachin, em seu voto no RE nº 593.824 (Tema 176), concluiu que, tendo em vista que “a hipótese de incidência do ICMS-Energia Elétrica é consumir, efetivamente, energia elétrica”:
“Se a quantidade de potência medida for superior à demanda contratada, o ICMS incidirá sobre o valor total pago à distribuidora no mês;
Se a quantidade de potência medida no mês for inferior à quantidade contratada, o ICMS não incidirá sobre o valor total pago à distribuidora, mas apenas sobre a parcela correspondente à demanda medida. A diferença entre a potência medida e a contratada não estará sujeita ao ICMS”.
Assim, se a tarifa paga pela empresa a título de demanda de potência efetivamente utilizada é onerada pelo ICMS justamente por configurar energia consumida, logicamente esse valor deve ser integralmente apropriado como crédito de PIS e COFINS, na forma do art. 3º, IX, da Lei nº 10.637/2002 e do art. 3º, III, da Lei nº 10.833/2003.
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No Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) há decisões que, apesar de não analisarem os julgados do STJ e STF, afastaram a posição restritiva da RFB, entendendo que o valor despendido com a demanda contratada, “incluído na fatura de energia, é inerente ao consumo da energia elétrica, tem caráter obrigatório e é uma forma de garantir o seu fornecimento”, motivo pelo qual o contribuinte tem direito ao crédito de PIS e COFINS sobre essa despesa.
Por fim, se a parcela da demanda de potência contratada e não utilizada não configura energia consumida, nada impede o seu enquadramento como insumo, pois, conforme os critérios definidos pelo STJ no REsp 1.221.170, trata-se de despesa essencial e necessária para a produção e desenvolvimento da atividade econômica do contribuinte. Afinal, em se tratando de grandes consumidores, a contratação da demanda de potência é obrigatória e não pode ser dissociada da energia propriamente dita, que será consumida na atividade produtiva da empresa.
Espera-se que a Receita Federal do Brasil reveja a Solução de Consulta COSIT nº 204/21 para ajustar o seu entendimento às referidas decisões vinculantes do STJ e do STF, de forma a evitar litígios desnecessários.
*Leonardo Varella Giannetti é advogado e Luciana Goulart Ferreira é sócia do Rolim, Viotti, Goulart, Cardoso Advogados.
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