Crise acelera debate sobre matriz energética brasileira

A expansão da matriz elétrica renovável e do parque de geração do Brasil cada vez mais dependerá dos pequenos consumidores gerando a própria energia/Freepik
A expansão da matriz elétrica renovável e do parque de geração do Brasil cada vez mais dependerá dos pequenos consumidores gerando a própria energia/Freepik
Entenda a discussão sobre a geração distribuída e o novo marco legal.
Fecha de publicación: 14/09/2021

A matriz energética do Brasil possui especificidades importantes. Segundo dados da Empresa de Pesquisas Energéticas – EPE, 46% da geração de energia elétrica produzida no país é proveniente de fontes renováveis, enquanto a média mundial está em 18%. Dentre as fontes renováveis, deve-se destacar a predominância da geração hidráulica, que corresponde a cerca de 12,4% de toda a geração no Brasil. Neste contexto, o debate acerca da diversificação da matriz elétrica brasileira tem se intensificado nos últimos anos.

Por conta de incertezas climáticas mais agudas, o país fica refém dos grandes empreendimentos hidrelétricos em momentos de graves crises hídricas, como a que vivemos em 2020 e agora. Por isso temos visto crescimento exponencial de outras fontes alternativas, tais como a eólica e a fotovoltaica.

A concessão de incentivos voltados para geração e eficiência energética por consumidores menores (inclusive residenciais) tem sido uma tendência e uma política de Estado. Para acompanhar um movimento global que prezava pela abertura do mercado de energia e a participação de consumidores com menor demanda, surgiu a Geração Distribuída (“GD”): “uma instalação de geradores de pequeno porte, normalmente a partir de fontes renováveis ou mesmo utilizando combustíveis fósseis, localizados próximos aos centros de consumo de energia elétrica”.


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Os estímulos à GD justificam-se pelos potenciais benefícios que tal modalidade pode proporcionar ao sistema elétrico, como a postergação de investimentos em expansão nos sistemas de distribuição e transmissão; baixo impacto ambiental; redução no sobrecarregamento das redes; e a redução de perdas e a diversificação da matriz energética.

O principal fator positivo da GD para os consumidores é a sistemática da compensação de energia aplicável, dado que a tarifa de energia atual é definida como monômia, contendo diversas tarifas componentes agrupadas sob a TE (Tarifa de Energia) e a TUSD/TUST (Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição/Transmissão). Cada uma delas possui um peso na formação da tarifa final do consumidor.

Contudo, desde a primeira revisão da REN nº 482/2012 (em 2015), a ANEEL já havia sinalizado que a regulação seria revisada de modo a evoluir e corrigir conceitos, o que estava previsto para ocorrer em dezembro de 2019. A revisão da sistemática de compensação de energia vinha sendo cobrada pelas Concessionárias de Distribuição de Energia, que reclamam da perda de receita pela redução de mercado e apontam que os consumidores que não aderiram ou não se beneficiam da opção de gerar sua própria energia acabam pagando pelos custos de transporte da energia, encargos e perdas, uma vez que os proprietários de GD, atualmente, são isentos quanto ao pagamento da TE e da Tusd/Tust.

Apesar das intensas discussões no âmbito da Aneel (inclusive com a emissão de Notas Técnicas acerca dos impactos da GD e possíveis alternativas a serem adotadas), a atualização da REN nº 482/2012 não caminhou. Em paralelo à discussão das alterações das regras da GD, os números da Geração Distribuída no Brasil não pararam de crescer e impressionam. Atualmente o Brasil conta com mais de 6.800.000,00 kW de potência instalada voltada para a Geração Distribuída, constituída por mais de 575 mil Usinas e com 740.000 Unidades Consumidoras cadastradas para o recebimento dos créditos.

A fim de encontrar uma solução equânime que pudesse convergir os interesses de geradores, consumidores e distribuidoras, foi iniciado um movimento concreto voltado para a revisão das normas aplicáveis à GD. Assim, por meio da Resolução CNPE 15/2020, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) definiu as seguintes diretrizes a serem observadas neste processo.

Assim, em 18.08.2021, a Câmara dos Deputados, quase que por unanimidade, aprovou o texto do Marco Legal da Geração Distribuída. A aprovação do PL 5829/2019 representa o primeiro passo rumo à tão desejada segurança jurídica para investidores, consumidores e demais players envolvidos nesse modelo de negócio.

A segurança jurídica está sacramentada no Marco Legal pela manutenção por 25 anos (até 31.12.2045) da aplicação das regras atuais (compensação total) para projetos existentes na data de publicação da Lei; ou que protocolarem solicitação de acesso em até 12 meses contados da publicação da Lei. Para os novos projetos, a fase de transição será de 6 anos, com a compensação suportada de forma escalonada pela Conta de Desenvolvimento Energético – CDE.

Adicionalmente, será permitida a utilização de novas estruturas para a GD, por meio de condomínio ou qualquer outra forma de associação civil, dentro da mesma estrutura de pessoas jurídicas e físicas. Atualmente, ela é restrita basicamente às figuras societárias do Consórcio (para consumidores pessoas jurídicas) e Cooperativa (para consumidores pessoas físicas).


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A aprovação do PL 5829/2019 pela Câmara dos Deputados – que ainda passará pelo Senado e sanção presidencial - é um passo importante a caminho da segurança jurídica e previsibilidade nos investimentos que devem seguir em crescimento.

A expansão da matriz elétrica renovável e do parque de geração do Brasil cada vez mais dependerá dos pequenos consumidores gerando a própria energia. A segurança jurídica gerada pelo Marco Legal é fundamental para que investidores e agentes envolvidos possam desenvolver a Geração Distribuída, contribuindo com o meio ambiente, com as redes de distribuição e com o próprio Sistema Interligado Nacional e abastecimento do País.

A imposição de um período de transição que garanta estabilidade regulatória e previsibilidade no retorno são diretrizes alinhadas com a carta de Princípios para Atuação Governamental no Setor Elétrico, publicada pelo Ministério de Minas e Energia – MME, consolidando a tradição do Setor quanto ao respeito aos contratos, que é elemento essencial para o desenvolvimento da infraestrutura do País e atratividade de investimentos.

*Raphael Gomes, sócio e head da área de Energia do Lefosse Advogados e Pedro Dante, sócio da área de Energia do Lefosse Advogados

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