Da estratégia ao modelo de negócio, a necessidade de uma mudança de enfoque

Servir aos clientes da melhor forma possível é o pilar da prática de qualquer advogado/ Freepik
Servir aos clientes da melhor forma possível é o pilar da prática de qualquer advogado/ Freepik
Uma análise das diferenças entre os modelos e as estratégias de negócio e se estas diferenças realmente importam na prática.
Fecha de publicación: 17/05/2021
Etiquetas: Gestão LexLatin

Modelo vs. estratégia de negócio. As diferenças realmente importam na prática?Intuitivamente, parecem existir claras diferenças na prática. Alguns afirmam que a estratégia trata "disso" que os líderes da firma devem perguntar. A que mercados, clientes e serviços vamos dar prioridade? A quais objetivos nos atentarmos?

 

Os modelos de negócio, por outro lado, giram em torno de perguntar de "como". Como nos organizaremos para cumprir nossos objetivos e otimizar o rendimento? Como oferecemos valor aos clientes de forma que aumentem nossas probabilidades de sermos escolhidos de novo? Como atrairemos e reteremos os melhores profissionais?

 

As estruturas, os sistemas e os processos que uma firma coloca em prática e como se utilizam parecem estar mais alinhados com o "como" que com o que normalmente chamamos de estratégia. Os modelos de negócio estão intimamente unidos ao governo corporativo. Implicam administrar e otimizar as interdependências e conexões que inevitavelmente ocorrem em uma firma. Além disso, têm um profundo efeito no êxito de uma firma.

 

Modelos de negócio

 

O termo modelos de negócio tem ao menos meio século de antiguidade, mas sua grande popularidade coincide com o auge da era digital, e a pressão que isto impôs sobre as firmas convencionais de organizar e fazer negócios. Portanto, o enfoque do modelo de negócio poderia ser uma perspectiva mais acessível que a estratégia, para que as firmas se ocupem dos problemas relacionados com a adaptação da forma que fazem negócios em um mundo volátil, incerto, complexo e ambíguo (Vuca).

 

Na minha opinião, o livro de Mark Johnson “Reinvent Your Business Model” publicado pela Harvard Business School Press em 2018 é um dos melhores recursos para entender os modelos de negócio. Johnson define o modelo como quatro elementos interrelacionados: a proposta do valor do cliente (CVP); os recursos e os processos mediante os quais uma firma entrega seu CVP; e a fórmula de benefícios.

 

O trabalho de Johnson ressoa com as realidades das firmas modernas. Está centrado no cliente e seu enfoque não é estático, senão transformativo. Johnson propõe que as firmas utilizam seus modelos de negócio, junto com as suas estratégias, para encontrar novas formas de oferecer serviços a seus clientes que não possam ser igualados facilmente por essa competência.

 

Em outras palavras, diferenciar-se a si mesmos. Ele se refere a uma área importante da teoria da estratégia, a saber, o trabalho de Jay Barney. Barney, que foi co-autor de um dos três artigos mencionados no Journal of Management Studies deste mês, foi o pioneiro no marco da análise VRIO (Valor Raro Imitável e Organização) para uma vantagem competitiva sustentável.

 

Esta análise sustenta que qualquer característica em que uma firma confia para obter uma vantagem competitiva sustentável deve ser valiosa (do contrário não seria interessante), diferente (do contrário, ninguém obteria uma vantagem particular da sua posse) e inimitável (porque se outros podem imitar ou obter o mesmo resultado por outros meios então pode ser uma simples vantagem transitória). E, por último, deixa claro que a firma deve se organizar de tal maneira que possa explorar adequadamente essa característica.

 

A importância da estratégia

 

No mundo em rápida mudança de hoje em que os clientes costumam considerar as firmas de advogados como entidades tão semelhantes entre si que é difícil diferenciá-las, a vantagem competitiva sustentável pode ser melhor alcançada por meio de um modelo de negócios que supere o mercado. No entanto, isso não isenta a firma da necessidade de contar também com uma estratégia adequada.

 

Para a maioria dos líderes das firmas modernas, passar do modelo de negócio conhecido como "Tournament of Lawyers", baseado na infame ‘hora faturável’, é um grande desafio. Este modelo está profundamente arraigado, tendo servido bem a profissão durante mais de um século.

 

Os modelos de negócios ágeis e habilitados digitalmente que utilizam marcos alternativos já foram a pedreira de novas empresas jurídicas. No entanto, ultimamente tanto as "Big 4" como as firmas convencionais líderes do mercado estão seguindo o exemplo. A propriedade de ações externas está demonstrando ser outro catalisador poderoso, já que as expectativas dos proprietários externos impulsionam as firmas a assumir modelos empresariais bastante novos que ainda estão em evolução.

 

A respeito disso, podemos afirmar que ultimamente os clientes acham mais atrativas as propostas de valor (CVP) provenientes das firmas menos convencionais. Em conversa com assessores internos, é comum ouvir que os clientes percebem as firmas que experimentam com seus modelos de negócio como as mais sensíveis à necessidade do cliente, ao contrário da percepção que têm as firmas tradicionais que lideram o mercado.

 

Johnson aconselha as firmas que buscam o que ele chama de "espaço em branco" no mercado. Isto significa que os clientes novos ou já existentes sejam atendidos de maneiras radicalmente diferentes em comparação com aqueles cujo perfil "encaixa" com a organização atual.

 

Não é fácil de fazê-lo. No geral, implica canibalizar as linhas de serviço existentes, ameaçando aos sócios cuja prática é suscetível de ser canibalizada. A proposta de valor do cliente deve ser desenhada em estreita colaboração com os clientes aos quais a firma busca atrair.

 

Isto implica uma colaboração real e não faturável com os clientes a uma escala e intensidade distintas e com as quais as firmas não estão geralmente familiarizadas e com as quais algumas, francamente, chegam a se sentir incomodadas. Se requer uma liderança firme para iniciar e manter o impulso.

 

Servir bem a seus clientes

 

Servir aos clientes da melhor forma possível é o pilar da prática de qualquer advogado. Isto sempre foi assim. A transformação requer passar da simples boa intenção. Isto falharia no teste de Barney, já que é bastante comum.

 

As firmas que construam as estruturas formais, os recursos e os processos necessários para entregar adequadamente as novas propostas de valor que desenvolvem em colaboração com os clientes. As propostas de valor para o cliente podem ser muito diversas, mas os fios comuns incluem:

 

  • Estão mais alinhadas com as necessidades de negócio mais amplas de um cliente, com um enfoque nos aspectos legais dos mesmos, e (claro) dentro dos limites da ética jurídica, mas com consciência comercial do que é realmente importante para a equipe jurídica interna do cliente (se tiver) e também para seus executivos.

 

  • Oferecem mais valor a menos custo, sem sacrificar benefícios. Existem muitos exemplos, em múltiplas indústrias, de empresas que adotam novos modelos de negócio que deixam mais eficientes a captura de valor e o oferecimento de preços mais baixos, o que resulta em uma maior ganância da cota de mercado. Isto é especialmente certo agora que os novos modelos estão habilitados digitalmente. Em muitos casos, a quantidade de benefícios aumenta inclusive à medida que diminui a margem, pelo o que os proprietários das firmas extraem mais valor. As firmas jurídicas necessitam deixar de ser avaliadas, inclusive a si mesmas, mediante a utilização de métricas adotadas às tabelas de classificação da indústria; ao contrário, devem começar a se avaliar segundo os valores que sejam realmente importantes para elas.

 

  • Embora a transformação digital seja um aspecto fundamental para a transformação de qualquer modelo de negócio moderno, devemos admitir que a profissão jurídica está muito atrás de outros setores. Apesar disso, surgiram oportunidades para as firmas que mantêm conversas abertas com os clientes acerca de como, mediante o uso da tecnologia, se pode melhorar a forma de satisfazer as suas necessidades. As novas tecnologias jurídicas estão transformando o negócio e a prática de direito e provavelmente esse processo se encontra ainda nas suas primeiras etapas. De momento, é provável que as inovações digitais mais transformadoras provenham de fora do setor jurídico.

 

De forma geral, os paradigmas começam a mudar lentamente e logo as mudanças aceleram seu passo. Os pontos de inflexão emergem e os retardatários têm duas opções: devem lutar para colocar em dia ou sentar e ver as relações e práticas de seus clientes se erodirem.

 

A pandemia do coronavírus quase certamente se verá, nos próximos anos, que serviu como catalisador de muitos desses pontos de inflexão. Independentemente de que a estratégia e o modelo de negócio sejam ou não a mesma construção teórica, na prática os líderes das firmas jurídicas devem prestar atenção no desempenho e no futuro das suas firmas através de ambas as lentes, para que as suas firmas sobrevivam e prosperem na era transformacional atual.

 

* Robert Millard, Cambridge Strategy Group. [email protected]

** Artigo publicado previamente pela the Law Society, Law Managment Section em Abril 6,2021.

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