A definição das organizações autônomas descentralizadas (“DAOs”) utilizada e divulgada no site da rede Ethereum diz que as DAOs são comunidades de membros sem uma liderança centralizada, sendo consideradas “uma maneira segura de colaborar com desconhecidos na Internet, como, por exemplo, um local seguro para destinar fundos para uma causa específica”, sem a necessidade de um intermediário.
De forma complementar, outro ponto primordial das DAOs é o fato de estas serem compostas por contratos inteligentes, armazenados por meio de blockchain, que digitaliza os termos dos acordos fundamentais das DAOs em códigos de computador que são automaticamente executados quando os termos dos contratos são cumpridos. É justamente desse contrato inteligente que surge a vantagem de as execuções não necessitarem de uma ação humana ou de um intermediário.
Em tese, esses acordos e decisões são regidos por propostas e votações que garantem que todos os membros da organização tenham voz, não existindo uma hierarquia verticalizada ou administração que possa autorizar gastos com base em seus próprios interesses ou que possa manipular dados e informações a serem repassadas aos sócios.
Adicionalmente, uma DAO com adesão baseada em token pode receber investimento de indivíduos de todo o mundo, sujeitos a leis de várias jurisdições e usualmente desconhecidos em primeira instância (pseudonimizados), não identificados tanto para a DAO quanto entre si, membros dessa organização. Nesse cenário, a conformidade com as políticas de lavagem de dinheiro (PLD) e de know your client (KYC) fica bem mais complicada.
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Neste contexto, ainda existem dúvidas de como seria possível projetar uma DAO em conformidade com regras de lavagem de dinheiro, mas continuando sua busca por participantes em todo o mundo e com participação equiparada nas suas votações.
Em linha com um maior controle, já sabemos que algumas DAOs nos Estados Unidos instituíram regras de investimento/participação (somente investidores residentes no mercado norte-americano podem participar da organização) e no que se refere à possibilidade de indicação de assuntos para votação e mudança dos códigos dos contratos inteligentes, bem como para as votações propriamente ditas.
Do ponto de vista dos membros dessas organizações, é essencial analisar a documentação da organização, seu eventual prospecto ou material de divulgação antes de ingressar em qualquer projeto, bem como analisar eventual material produzido por auditoria nos códigos do contrato inteligente, cujo objetivo é verificar se qualquer eventual fragilidade ou ponto de atenção tenha sido sanado.
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Já do ponto de vista da DAO, como forma de mitigar riscos de PLD, as organizações poderiam incorporar no próprio código de computador, que rege o seu contrato inteligente, alguns aspectos ou critérios amplamente aceitáveis de prevenção à lavagem de dinheiro a serem observados pelos membros. Alternativamente, as organizações podem instituir uma restrição de ingresso de membros, como, por exemplo, somente aceitar membros de determinado país, por questões regulatórias de classificação da DAO; ou somente com carteiras detidas por determinadas exchanges, por regras de PLD. Ainda, como última alternativa, as organizações podem instituir diferenciações entre os membros que possuem poder de voto, bem como definir regras para delegação de votos, um método mais cuidadoso e já observado na atividade de algumas DAOs norte-americanas.
Essas são preocupações de uma DAO na sua constituição e na manutenção de suas atividades que ainda serão tema de muita discussão e, provavelmente, de litígio, considerando a possibilidade de existirem membros votantes de qualquer localidade do mundo, sem a interposição de um intermediário sujeito a regras claras quanto a lavagem de dinheiro, como no caso das corretoras de valores mobiliários, que investem os recursos recebidos de investidores por meio de transferência bancárias, checadas por instituições financeiras, em companhias abertas listadas em grandes bolsas de valores do mundo, sendo todos esses intermediários sujeitos a regulamentação específica.
Por fim, a utilização de uma exchange de criptomoedas sólida e estabelecida, que tenha uma política clara de know your client (KYC) e/ou know your transaction (KYT), representa uma importante providência para a identificação dos fraudadores e o bloqueio tanto de atividades quanto de fundos irregulares nas DAOs. Apesar de ser considerada uma medida de restrição à privacidade e ao pseudoanonimato, essa alternativa é vista como uma medida mitigadora de responsabilidade dos próprios membros da organização quanto a operações não regulares que possam vir a ser sujeitas a fiscalização.
*Anna Carolina Malta Spilborghs, sócia das áreas de Compliance, Investigação & Direito Sancionador, Mercados Financeiro e de Capitais do BMA Advogados. Jean Daniel Demattio Jaldin, advogado de Compliance, Investigações e Direito Sancionador do BMA Advogados
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