Decisão do STF traz mais insegurança jurídica para sistema tributário brasileiro

A discussão sobre a definição do conceito de receita bruta tem sido uma constante no âmbito da Receita Federal do Brasil e do Poder Judiciário/STF
A discussão sobre a definição do conceito de receita bruta tem sido uma constante no âmbito da Receita Federal do Brasil e do Poder Judiciário/STF
Afinal, qual a definição do conceito de receita bruta segundo o Supremo?
Fecha de publicación: 24/02/2021

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O Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar o Recurso Extraordinário nº 1.187.264, por maioria de votos (7 a 4), declarou ser constitucional a inclusão do ICMS na base de cálculo da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB), no âmbito da denominada desoneração da folha de salários. O resultado é mais um episódio a ratificar a falta de segurança jurídica do sistema tributário brasileiro, algo que assombra os contribuintes. 

Uma história que começou em 2003, quando foi editada a Emenda Constitucional nº 43/2003, que autorizou a substituição total ou parcial da contribuição sobre a folha de salários, por aquela que tem como base de cálculo a receita ou o faturamento, mesma base aplicável à apuração do PIS e da Cofins e à do IRPJ e da CSLL na sistemática do Lucro Presumido.

A chamada desoneração da folha foi, finalmente, materializada por meio  da Medida Provisória nº 540/2011, convertida na Lei nº 12.546/2011, em substituição ao recolhimento das contribuições previdenciárias para diversos setores econômicos que, gradativamente foram obrigadas a substituir a contribuição sobre a folha de salários pela CPRB, incidente sobre a denominada receita bruta. 

Fato é que a Lei nº 12.546/2011 não conceitua expressamente o que se considera receita bruta, tampouco prevê expressamente a exclusão de tributos, a exemplo do ICMS ou ISS, de sua base de cálculo, com exceção do ICMS-ST. 


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Ao longo do tempo, a discussão sobre a definição do conceito de receita bruta tem sido uma constante no âmbito da Receita Federal do Brasil e do Poder Judiciário, em frequência apta a causar insônia em advogados e, principalmente, contribuintes. 

O maior dos exemplos dessa indefinição é materializado na tese que versa sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, tributos estes cunhados muito anteriormente à CPRB e que, igualmente, têm como base de cálculo a receita bruta. 

No âmbito de referida tese, o STF, nos autos dos REs  nº 240.785/MG e 574.706, este último leading case, concluiu pela inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na receita bruta ou faturamento para fins de apuração da base de cálculo do PIS e da Cofins, sob o entendimento de que o ICMS representa receita dos estados e não dos contribuintes, não integrando, pois, a base de cálculo da referidas contribuições sociais. Dito de outro modo, a conclusão foi a de que o tributo estadual não compõe a chamada receita bruta das pessoas jurídicas. 

Com a edição da CPRB, e por se estar novamente diante de contribuição social incidente sobre a receita bruta, os contribuintes passaram a defender perante o Poder Judiciário que o mencionado precedente do STF deveria ser observado, excluindo-se, pois, o ICMS do seu campo de incidência. 

Na mesma linha, e em decorrência dos mesmos precedentes, a exclusão do valor de outros tributos da chamada receita bruta tem sido reiteradamente submetida ao Poder Judiciário, tal como se dá com relação ao ISS recolhido em favor do Fisco Municipal, bem como do PIS, Cofins e CPRB recolhidos para a União. 

Não é incomum identificar decisões judiciais reconhecendo a exclusão de tais tributos da base de cálculo da CPRB, por considerá-los não integrantes da receita bruta, a exemplo do Mandado de Segurança nº 5022453-40.2020.4.02.5001, dado que os valores recolhidos para municípios, estados e ao próprio fisco federal não constituem incremento ao patrimônio dos contribuintes, mas apenas transitando por sua contabilidade em decorrência de mera técnica de arrecadação, sendo, ao final, repassados aos seus detentores de fato (União, estados e municípios), para os quais representam, de fato, receita. 

Faturamento ou receita advém não da soma dos preços cobrados, mas, sim, da riqueza gerada ao contribuinte. Por tal razão os montantes de ICMS, ISS, PIS, Cofins e CPRB são totalmente estranhos aos conceitos de faturamento e receita, pois representam verdadeiro ônus tributário e fator redutor da riqueza. 

A partir do cenário acima desenhado, em maio de 2019, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de julgamento de recursos repetitivos, reconheceu ilegal a inclusão do ICMS na base de cálculo da CPRB (REsp 1.624.297, REsp 1.629.001 e REsp 1.638.772). Referido posicionamento foi lastreado na posição do STF acerca da inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na receita bruta ou no faturamento, base de cálculo do PIS e da Cofins. 

Quase dois anos depois, o STF, contradizendo-se ao declarado no âmbito do RE 574.706/PR, afirma que o ICMS integra a receita bruta para fins de apuração da CPRB, sob o entendimento de que a CPRB é regime opcional, não obrigatório para os contribuintes - o que não é verdade com relação ao período anterior a dezembro de 2015, autorizar a exclusão do ICMS ampliaria demasiadamente o denominado benefício fiscal; bem como para os fins da Lei nº 12.973/14, receita bruta compreenderia os tributos sobre ela incidentes. 

Tal posicionamento ganha contornos relevantes de insegurança jurídica, na medida em que contradiz posicionamento do próprio Tribunal com base no qual foram realizados julgamentos monocráticos por ministros do Supremo Tribunal Federal no sentido de que o ICMS não deve integrar a CPRB e que, agora, revertem suas posições. 

Afinal, qual a definição do conceito de receita bruta segundo Supremo Tribunal Federal? E como os contribuintes devem agir, já que, desde maio de 2019, o posicionamento do STJ, em sede de recursos repetitivos, é no sentido de que o ICMS não deve ser adicionado à receita bruta para fins de apuração da CPRB, com base no entendimento do próprio STF? 

Veja-se o imbróglio jurídico instaurado, principalmente frente à possibilidade de decisões anteriormente proferidas em nome de contribuintes pelos tribunais superiores serem revertidas anos depois. 

Esta situação resulta na inevitável reflexão acerca da absoluta necessidade de modulação dos efeitos da decisão proferida na última terça-feira (23) pelo STF, de modo a lhe atribuir apenas efeitos futuros em face dos contribuintes que agiram ao amparo de decisões judiciais anteriormente proferidas, respeitando-se os precedentes dos Tribunais Superiores e a sua inerente força vinculante, bem como a segurança jurídica e o Princípio da Confiança. 

 *Valeria Zotelli é sócia da área tributária. Marcella de Paula Gardim e Thiago Botelho Somera são associados da área de contencioso tributário do Farroco Abreu Guarnieri Zotelli Advogados.


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