A luta das mulheres pela igualdade de gênero deve cada vez mais ser acompanhada de reflexões que passem pela discussão da masculinidade.
Romper com as diferenças e transpor barreiras não pode ser um compromisso de mulheres. Muito pelo contrário. Nesse sentido, tenho me proposto a repensar práticas, comportamentos não apenas pessoais, mas da coletividade na qual estou inserido, a fim de que possamos alcançar uma sociedade mais justa.
Para pensar em masculinidade e desconstrução do machismo, importante que tenhamos como referência que estamos localizados socialmente, a partir de uma estrutura que coloca nossos corpos como centro. Assim, é possível dizer que a sociedade sempre se constituiu de modo binário, dividindo-se entre homens e mulheres, a partir do sexo biológico, definindo o gênero e determinando como devemos nos comportar. Por isto, ensinam-se os indivíduos a serem meninos ou meninas, a serem homens ou mulheres.
Leia também: Como a Lei Maria da Penha ajudou a reduzir a violência doméstica no Brasil
Nesse sentido, é possível afirmar que existimos em uma relação de dominação, de hierarquia, inscritos a partir de uma perspectiva de complementariedade: corpos de homens e mulheres / masculinos e femininos servem ao mercado e possuem valores e posições distintas, nas quais os homens sempre atuaram no campo público, dominavam e dominam, são os que têm poder e exercem o poder.
Enquanto isso, as mulheres sempre atuaram no campo privado: cuidando da família, dos filhos, da casa. E, portanto, não têm poder, não exercem poder, e historicamente foram dominadas e controladas a partir dos desejos do homem, da família e da sociedade.
São padrões que até podem se distinguir um pouco, dependendo da cultura na qual estão inseridos, mas sempre vão definir posições sociais e valores, que não atingem apenas o sexo ou o gênero, mas também a raça, colocando-se homens não racializados na posição de maior privilégio e mulheres racializadas na pior condição de subordinação e vulnerabilidade.
Portanto, é possível dizer que corpos brancos são normais e corpos racializados fogem ao padrão do humano e universal, razão pela qual podem ser subordinados e desumanizados.
A masculinidade é, portanto, o conjunto de qualidades ligadas ao sexo masculino, que é determinado pela força, poder e dominação, subordinando determinados corpos (mulheres, crianças, idosos, pessoas LGBTQIA+); enquanto a feminilidade carrega características de fragilidade, fraqueza, capacidade de ser fecundado e de natureza dominada.
Aprendemos que SER HOMEM É NÃO SER MULHER – é não chorar, não sentir, residindo nosso grande desafio em desmantelar essa estrutura, renunciando a privilégios e assumindo discursos e práticas emancipadoras, desaprendendo.
Como um homem negro, portanto racializado, independente da minha situação econômica, a negritude me mantém na periferia das relações humanas. Não estou aqui falando de uma periferia espacial, mas de uma periferia de corpos e embora experimente os efeitos do racismo, fui forjado em uma estrutura machista, controlando emoções, presenciando situações de violência contra mulheres e rejeitando o carinho, o afeto. Afinal, precisamos ser homens e força motora da constituição da nossa masculinidade passa pela necessidade de sermos bons provedores e de resistir a todas as formas de violência.
Assim, compreender que esses comportamentos foram construídos, constitui-se em um desafio cotidiano, para que transformações aconteçam não apenas em mim, mas em toda a sociedade, a fim de que seja possível uma masculinidade que desconstrua o machismo, combata a violência doméstica e elimine comportamentos que reforcem a ideia de que mulheres são parte e posse de homens, que nossos espaços são definidos e que existe uma linha invisível e intransponível entre nós.
O espaço público deve ser de homens e mulheres! E de todas as mulheres: negras, trans, rurícolas, indígenas e quilombolas. O mercado de trabalho, deve fortalecer as mulheres e promovê-las institucionalmente, indo além da representatividade e atendendo suas demandas.
Além disso, é fundamental que homens desnaturalizem comportamentos no ambiente doméstico e que construam relações afetuosas, sensíveis, com suas companheiras, seus companheiros, seus filhos e suas filhas, cientes de seus papéis na construção das gerações futuras, a partir de seus filhos, promovendo relações mais livres, conscientes das amarras que prenderam a si e seus antepassados, para que possamos fazer das nossas atitudes, práticas evidentemente emancipadoras.
Veja também: Qual o espaço da diversidade no universo jurídico brasileiro?
Compreender os marcadores sociais, as violências operadas a partir deles e, de dentro devemos denunciar e visibilizar tais opressões, a fim de que, não sejamos mais reprodutores dessas práticas. Precisamos nos reeducar e desconstruir tudo aquilo que nos foi ensinado. E os caminhos dessas desconstruções cada um de nós podemos fazer. Basta simplesmente querer renunciar a privilégios!
Um homem, pode ser forte, mas mais forte será na força das mulheres que tem junto com ele. Um homem pode resistir, mesmo que as lágrimas escorram por seus olhos. Um homem pode aceitar que uma mulher não atenda seus desejos, e nem por isto ele deixará de amá-la. Um homem pode compreender que a violência física marca o corpo, mas não transforma vidas positivamente, muito pelo contrário, aniquila com as relações e com elas próprias.
Cada homem que compreende os efeitos maléficos e lesivos do machismo é uma esperança de igualdade e de emancipação para todas as mulheres!
*Robson de Oliveira é advogado do Demarest Advogados.
Add new comment