Diálogos da marca com seus stakeholders: quais liberdades e limites?

As mídias sociais vieram para dar mais voz às pessoas de forma individualizada/Freepik
As mídias sociais vieram para dar mais voz às pessoas de forma individualizada/Freepik
Empresa não pode cercear liberdade de expressão, mas deve alinhar o discurso da marca.
Fecha de publicación: 12/08/2021

Estamos num momento em que se faz necessário a definição de um novo modelo ético e legal relativo ao posicionamento das empresas quando sua (s) marca (s) "fala (m)" e interage (m) através de diálogos com os diversos públicos. Afinal, qual é a voz da marca e quem pode falar por ela em um contexto de mídias digitais? Essa é uma reflexão válida e necessária.

As empresas possuem seus porta-vozes oficiais que falam pela marca de maneira construtiva, elaborada e conectando seu propósito com as mensagens de responsabilidade, promessa e compromisso para o futuro. Porta-vozes também são fundamentais em situações de crise, quando a marca precisa ter sua reputação preservada e continuar atraindo investidores e clientes.

A comunicação tem sido cada vez mais unificada quando transmitida aos vários stakeholders: Empregados, Investidores, Governo, Clientes, Academia, Mídia e Comunidade, porque as regras de compliance exigem transparência e unicidade de conteúdo. Porém, a abordagem e o formato se alteram de acordo com o grupo específico, o que é necessário e estratégico.


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As mídias sociais vieram para dar mais voz às pessoas de forma individualizada, as quais, através de seus perfis profissional e pessoal, interagem com as marcas. Sendo assim, os empregados de uma empresa, quando falam e advogam em nome dela, tornam-se embaixadores da marca, o que é, inclusive, incentivado e desejado pelas empresas. Isso contribui para repercutir a missão, os valores e as soluções da companhia para o mercado, criando orgulho de pertencer, o que é muito positivo para o espírito de equipe.

No contexto da permissão e empoderamento do empregado pelas empresas como voz ativa, qual é a delimitação a ser colocada a eles no que tange falar pela marca de forma responsável e que de fato a represente, mas sem infringir os direitos de liberdade de expressão de cada um?

A empresa não pode cercear o direito de liberdade de expressão, mas deve alinhar junto aos colaboradores o discurso da marca, para não gerar contradições. Não existe liberdade ilimitada, ela é abraçada quando se impõe limites, que faz parte do contexto de liberdade e é legítima quando feita por corporações.

O artigo 5 da Constituição Federal Brasileira buscou equilibrar direitos ao garantir a liberdade de expressão e comunicação aos indivíduos no inciso IX. E, nesse mesmo artigo, o inciso XXIX, garante a propriedade das marcas e nome das empresas assegurando e reconhecendo a importância de uma corporação para o desenvolvimento econômico de um país, logo, confere aos seus administradores o direito de delinear como seus empregados se comunicam com relação ao propósito e valores da empresa que refletem na marca.

Na jurisprudência brasileira são demonstradas situações em que não existe o livre exercício do direito à crítica do colaborador em redes sociais, como por exemplo: em crimes de injúria, calúnia, difamação, críticas excessivas ou grosserias que sejam antissemitas, xenófobas e racistas, além da divulgação de informações confidenciais ou segredos industriais. Também não é permitido que o colaborador poste em suas redes um explícito posicionamento contradizendo o discurso do propósito da marca, dentre outras expressões consideradas graves.

No mesmo texto constitucional, onde se confere o direito de liberdade de expressão e comunicação, é vedado o anonimato, que só existe em caráter de exceção, previsto em lei. Logo, "fale o que pensa, mas responda pelo que disse". Há responsabilização de toda comunicação individual publicada de forma legal. Sendo que essa responsabilidade pode ser exigida pela empresa aos seus colaboradores ou terceiros, acarretando consequências no âmbito civil e penal, como julgado do TRT (Tribunal Regional do Trabalho). "Não se nega aos colaboradores o direito de expressar seus sentimentos, mas os mesmos devem arcar com as consequências de suas manifestações. Em nome do direito à liberdade de expressão não se pode ofender ou denegrir a imagem de pessoas, físicas e jurídicas, ao fazer a postagem".

Então, como separar o indivíduo em sua expressão de vida pessoal e sua opinião particular de sua manifestação profissional associada à marca? Este é o grande desafio. Os programas de integridade mostram justamente que o ser humano é um só, íntegro, uníssono e se comunica na sua integralidade. Não há como ter um comportamento distinto, ainda mais no território digital interconectado, onde tudo fica muito mais próximo. Em qual momento o colaborador, pessoa física, está sendo porta-voz da marca? O tempo todo.

Seguindo essa premissa, as palavras, ações e comportamentos do colaborador, positivos ou negativos, dentro e fora do ambiente de trabalho, atingem o "coração" da marca/empresa. Desse modo, isso, se torna um ponto de atenção para as corporações; além de atingir o seu propósito como empresa, pode diminuir o valor da marca e impactar nas ações, afetando também sua credibilidade no mercado.

Casos recentes retratam como marcas podem ser negativamente impactadas em seu valor, ações e até sofrer retaliações de clientes por comportamentos inesperados de um, dois ou um pequeno grupo de colaboradores que agem arbitrariamente contra a missão da empresa. Alguns exemplos conhecidos: a abordagem violenta de colaboradores de uma empresa do setor aéreo ao retirarem um passageiro de dentro do avião forçadamente; outro evento, com consequências maiores, é o de uma rede varejista que teve terceiros cometendo crimes de racismo e homicídio doloso por praticar violência dentro de uma unidade. O que leva anos para ser construído - credibilidade e valor da marca - pode ser afetado drasticamente em alguns minutos por uma ação unilateral, individual ou de um pequeno grupo. Por isso é tão importante haver regras claras, conscientização, treinamentos e um monitoramento atento e contínuo por parte das empresas.

O Brand Finance Value representa o valor monetário intangível, o que leva em conta vários indicadores importantes da marca e que compõem os ativos de uma empresa, sendo especialmente considerado quando esta é colocada à venda.
A marca é um patrimônio e propriedade da empresa, que pode sofrer danos morais, segundo a Súmula 227 do Superior Tribunal de Justiça. A pessoa jurídica pode constar como sujeito passivo do crime de calúnia e do crime de difamação, neste indistintamente e naquele sob condicionantes. Na calúnia, a legislação vigente admite-se apenas quando a imputação for de fato definida como crime ambiental, nos parâmetros da Lei de Crimes Ambientais. Já na difamação, a pessoa jurídica, por possuir inequívoca honra objetiva, está sujeita a danos e abalos em sua reputação.


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Os efeitos de aplicação do dano moral às pessoas jurídicas ocorre nos casos em que o dano afeta a reputação da empresa e acaba por prejudicar sua principal função, notadamente, de gerar lucros. Desta forma, o prejuízo acaba materialmente consubstanciado, afastando o dano moral subjetivo por não ser a pessoa jurídica dotada de capacidade afetiva. Além disso, a própria Constituição Federal, de 1988, não faz qualquer distinção entre as pessoas físicas e jurídicas no que se refere ao dever de indenização.

Em jurisprudência encontrada na África do Sul, por exemplo, há decisão favorável à justa rescisão contratual empregatícia de um colaborador por violação de um dos princípios da empresa (combate ao racismo) com a publicação de um post ofensivo em sua rede social. Mesmo que haja a comprovação de que a pessoa jurídica não tenha sofrido nenhum dano à sua reputação de forma direta, se a postagem individual de um colaborador em mídia social reflete um discurso contrário ao discurso da marca, isso fere sua ética.

Sendo matéria de tão grande importância para as empresas, a marca, que pode ser tão facilmente exposta, deve ser protegida de todas as formas legítimas possíveis. Além das medidas de treinamentos e capacitação já descritas, nada impede que o contrato de trabalho e também termos assinados por colaboradores que deixam de prestar serviço à companhia, contenham uma cláusula específica de comprometimento em respeitar a ética da marca, não trazendo a público qualquer discurso de contradição ao seu propósito. As empresas se sustentam e se tornam perenes pela sua coerência entre o discurso e a prática construindo, assim, sua credibilidade, que é o maior bem e valor para qualquer marca.

*Zenaide Guerra é diretora de Relações Corporativas da DSM e VP do Instituto Tortuga. 

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