Direitos autorais no metaverso e outros direitos associados à compra de obras digitais

A transação de ativos na Web 3.0 pode criar novos desafios para a fiscalização e sanção de violações de propriedade intelectual/Unsplash
A transação de ativos na Web 3.0 pode criar novos desafios para a fiscalização e sanção de violações de propriedade intelectual/Unsplash
Com o avanço de metaversos e tecnologias como blockchain, smart contracts e NFTs, os limites da propriedade intelectual tornam-se tênues, mas necessários.
Fecha de publicación: 20/10/2022

O metaverso pode ser entendido como um espaço virtual hiperconectado, em que usuários interagem por meio de avatares e desempenham atividades diversas, das mais simples às mais complexas. Vale destacar que há diferentes metaversos: os fechados, em que os titulares da plataforma costumam ter maior ingerência e controle sobre os aspectos existentes, e os usuários não podem criar elementos adicionais; e os abertos, em que usuários estão habilitados a criar conteúdos originais e licenciá-los em favor dos titulares da plataforma ou de outros usuários.  

Em todo caso, conteúdos comercializados no metaverso, sejam eles desenvolvidos diretamente no ambiente digital, sejam transpassados para tal contexto, podem ser objeto de proteção por direitos autorais e, cada vez mais, nota-se uma falta de clareza quanto à natureza do ativo e dos direitos atrelados, que passam a ser do titular adquirente. 

A transação de ativos revestidos de propriedade intelectual em plataformas da Web 3.0 pode, inclusive, criar novos desafios para as atividades de fiscalização e punição de violações de propriedade intelectual, já que os titulares de plataformas abertas não têm controle dos ativos inseridos ou criados dentro de seus metaversos. Nesse sentido, com a distribuição em larga escala de obras literárias, artísticas e audiovisuais dentro do espaço digital, começarão a surgir disputas quanto aos limites de utilização e exploração de versões digitais de determinadas obras por parte dos usuários.  


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A desmaterialização das relações patrimoniais

O que se percebe hoje, com a mudança no perfil de consumo de conteúdos no meio digital, é a desmaterialização das relações patrimoniais. Via de regra, grandes plataformas disponibilizam o acesso a diversas obras, como livros, filmes, jogos e músicas por meio de planos de assinaturas ou por meio de acesso a obras especificamente adquiridas em sua plataforma. 

No entanto, um usuário, ao aderir a um plano ou ao ter acesso a determinada obra, não adquire propriamente o suporte (o arquivo digital) e tampouco pode explorá-la como desejar. Por exemplo, a obra audiovisual ou o livro de interesse podem ser vistos apenas em uma determinada plataforma/aplicativo, na forma disponibilizada por certo distribuidor, sem possibilidade de venda posterior ou empréstimo a terceiros. Isso porque, nesse sistema negocial, as relações patrimoniais são pautadas mais no acesso às obras do que na propriedade do suporte que as contêm. 

Em razão da complexidade do tema e a fim de antecipar possíveis discussões, é importante e recomendável que as operações comerciais estabelecidas no ambiente sejam transparentes no que tange aos direitos atrelados a uma aquisição de obra digital. Em outras palavras, é importante verificar se a aquisição diz respeito aos direitos autorais sobre determinada obra digital ou apenas o direito de acesso a uma versão digital. 

Direitos associados à compra de obras no metaverso

Com efeito, ao adquirir determinado suporte digital, não há aquisição ou transferência de direitos autorais da criação artística per se. De forma semelhante ao mundo físico, quando se compra um livro em papel, um CD ou uma pintura, ao adquirir um item digital sobre o qual recaem direitos autorais, o usuário, normalmente, adquire o acesso ou a propriedade sobre os metadados da cópia digital, e não os direitos de propriedade intelectual sobre tal obra artística contida no arquivo digital, o que inclui os direitos autorais patrimoniais. Isso significa que o detentor de um ativo poderá usar, fruir e dispor do bem materializado digitalmente, mas não modificar, copiar, adaptar ou reproduzir a história ou informações detalhadas na obra, uma vez que não adquiriu os direitos patrimoniais de autor. Caso o usuário viole tais direitos, deverá responder por seus atos.

No contexto das tecnologias disruptivas, como blockchain e NFTs, exemplares únicos e tokenizados de obras no meio digital podem ser criados, possibilitando transações mais seguras, independentes de plataformas, e que delineiem suficientemente termos e condições de determinada negociação do suporte digital (arquivo) e dos respectivos direitos de propriedade intelectual. Munindo-se de tais aparatos, usuários podem adquirir unidades de obras intelectuais digitais, tais como livros, filmes e jogos, e emprestá-las, alugá-las, cedê-las ou vendê-las, seguindo termos e condições bem definidos e alinhados com os titulares dos direitos autorais sobre tais obras, de forma até mais transparente do que se via no mercado físico. 


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Para além da celebração de smart contracts, com o objetivo de melhor definir limites transacionais dentro de metaversos, caberá a cada metaverso implementar mecanismos de identificação de violações de direitos autorais e termos de serviço que sirvam como norteadores iniciais das condições para que cada usuário crie, adquira ou transacione, de forma geral, cópias digitais únicas de obras intelectuais nos respectivos metaversos.  Assim, bibliotecas, sebos, lojas de discos, videolocadoras e até pontos de troca poderão ser transpostos para a realidade virtual, com maior mitigação de riscos e melhor resguardo dos interesses e direitos dos autores de obras digitalizadas. 

Novas tecnologias sempre desafiaram e desafiarão o regime jurídico das relações patrimoniais. Desde a criação das fitas de videocassete até plataformas de streaming, é fato que o perfil de consumo mudou e se adaptou diversas vezes, assim como a indústria. Por isso, não é possível precisar se a aquisição de suportes de obras intelectuais voltará a ser valorizada dentro de plataformas de metaverso, agora em sua versão única digital. Somente com a consolidação de metaversos e a entrada massiva de usuários na realidade virtual é que será possível verificar se a propriedade corpórea, ainda que digital, voltará a ser protagonista em um mercado, até então, concentrado no direito de acesso a conteúdo.   

*Luiz Felipe Di Sessa é sócio e Isabella Caribé e José Roberto de Almeida Júnior são advogados do Mattos Filho.

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