Definição e cobrança da dívida fiscal de empresa falida

Fazenda Pública tem a prerrogativa de optar entre a execução fiscal e a habilitação na falência/Pixabay
Fazenda Pública tem a prerrogativa de optar entre a execução fiscal e a habilitação na falência/Pixabay
Qual a possibilidade de submeter os créditos da Fazenda Pública ao processo?
Fecha de publicación: 26/05/2021

Durante anos, discutiu-se qual deveria ser o comportamento da Fazenda Pública ao tomar ciência da falência de pessoa jurídica que figura como ré em uma execução fiscal que ainda não foi julgada.

Diversas controvérsias jurídicas surgiram sobre a possibilidade de submeter os créditos da Fazenda Pública ao processo formal instaurado com a decretação da falência, diante do disposto no Código Tributário Nacional (CTN) e na Lei de Execução Fiscal sobre o tema, como também sobre o desfecho ideal para a execução fiscal – extinção ou suspensão –, caso a Fazenda Pública opte por cobrar seu crédito no âmbito do processo falimentar (mecanismo conhecido como habilitação de crédito).


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O entendimento consolidado da 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o tema é no sentido de que a Fazenda Pública tem a prerrogativa de optar entre a execução fiscal e a habilitação na falência, ainda que a execução fiscal tenha sido ajuizada antes da decretação da falência. Contudo, ao optar por habilitar seu crédito, seria necessário suspender a execução fiscal.

Nesse mesmo sentido, o Grupo de Câmaras Reservadas de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, adotando o entendimento da 2ª Seção do STJ, publicou em janeiro de 2020 o Enunciado XI, em que determinando que a Fazenda Pública pode optar por cobrar seu crédito via habilitação na falência, desde que comprove que suspendeu a execução fiscal.

Embora tenha admitido a possibilidade de a Fazenda Pública habilitar seu crédito na falência mesmo com a existência de execução fiscal anterior, a 1ª Turma do STJ entendeu que não seria necessária a suspensão ou extinção da execução fiscal. Ambas as medidas judiciais poderiam correr de forma concomitante, desde que não houvesse qualquer ato, na execução fiscal, que impossibilite o devedor de dispor livremente sobre seus bens.

De acordo com essa decisão, a mera existência da execução fiscal não seria garantia de recebimento do crédito devido ao erário, de modo que não haveria cobrança em duplicidade do mesmo crédito.

Contudo, com base na redação original da Lei nº 11.101/2005 (Lei de Recuperação e Falência), a jurisprudência e a doutrina pouco abordavam as demais consequências da opção da Fazenda Nacional em habilitar seu crédito na falência, como quais seriam as matérias a serem debatidas no âmbito da ação de falência.

Em outras palavras, teria o juízo da ação falimentar competência – ou, até mesmo, a expertise necessária – para apreciar questões que, até então, seriam discutidas e decididas na execução fiscal, tais como a existência, a legitimidade e a exigibilidade do crédito fiscal?

Um dos poucos a abordar esse assunto, Marcelo Barbosa Sacramone, juiz da 2ª Vara de Falência e Recuperação Judicial de São Paulo entendia que, caso a Fazenda Nacional optasse pela habilitação de crédito, o juízo da falência se tornava competente para decidir sobre toda e qualquer matéria – incluindo a análise de mérito – que envolvesse o crédito fiscal.

Recentemente a Lei de Recuperação e Falência foi alterada pela Lei nº 14.112/2020, que entrou em vigor em 23 de janeiro de 2021, sendo que uma destas alterações foi a criação do artigo 7º-A, que parece esclarecer essa questão. Além de criar um mecanismo próprio de habilitação do crédito fiscal, este artigo delimitou expressamente quais temas relacionados aos créditos fiscais seriam discutidos e decididos na habilitação de crédito e quais seriam discutidos e decididos na execução fiscal.

Em consonância com o CTN e a Lei de Execução Fiscal, o art. 7º-A estabeleceu que a competência para julgar a existência, a exigibilidade e o valor de crédito será do juízo da execução fiscal. Ou seja, a análise do mérito do crédito fiscal não será discutida no âmbito da ação falimentar, e na execução fiscal.

Por outro lado, compete ao juízo da ação de falência julgar temas como cálculo e classificação dos créditos, além daqueles relativos à arrecadação dos bens da empresa falida, venda destes bens e pagamento dos credores.

O art. 7º -A também estabelece que, respeitada a competência do juízo da execução fiscal para apreciar a matéria mencionada acima,  “as execuções fiscais permanecerão suspensas até o encerramento da falência, sem prejuízo da possibilidade de prosseguimento contra os corresponsáveis.

A despeito das alterações introduzidas pela Lei nº 14.112/2020, a 1ª Seção do STJ, em maio deste ano, no recurso especial nº 1.891.836/SP decidiu que o tema sobre a possibilidade de a Fazenda Pública habilitar seu crédito em processo de falência, mesmo quando este crédito já está sendo discutindo em uma execução fiscal, era uma questão que era debatida em vários outros recursos. Assim, criou-se o Tema 1.092, e a decisão final sobre este tema será, então, aplicada aos demais casos que discutem esta mesma questão.


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Embora a Fazenda Nacional tenha sugerido que fosse feita a ressalva de que este assunto  não é controvertido em relação à habilitações de crédito realizados após a entrada em vigor da Lei nº 14.112/2020 – considerando que incluiu expressamente a possibilidade da apresentação da habilitação do fisco mesmo que já exista uma execução fiscal em curso –, o ministro Gurgel de Faria (relator do recurso) entendeu que este ponto deveria ser tratado em momento posterior, somente quando o STJ for discutir o mérito do Tema 1.092. 

*Giovanna Luz Podcameni e Raissa Xavier são advogadas do Machado Meyer Advogados.

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