Disrupção jurídica e ensino superior

Disrupção jurídica é um movimento que utiliza diferentes ferramentas para modificar a forma como os profissionais da área vinham atuando até agora / FreePic
Disrupção jurídica é um movimento que utiliza diferentes ferramentas para modificar a forma como os profissionais da área vinham atuando até agora / FreePic
Os programas que estão formando os futuros advogados estão se adaptando às novas tendências?
Fecha de publicación: 10/05/2021
Etiquetas: Gestão LexLatin

A disrupção jurídica tomou grande relevância ao agrupar componentes novos, como o Legaltech e as diferentes tendências como o Legal Operations, Legal Project Management, Legal Design, entre muitas outras, que modificaram a forma de prestação dos serviços jurídicos, assim como a maneira que são formados os advogados nas instituições de nível superior.


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Estes avanços foram notórios em países como Estados Unidos, Reino Unido e Espanha, apenas para mencionar alguns exemplos. Porém, a América Latina não viu muita evolução nos seus programas educativos. Richard Susskind, uma das principais mentes promotoras da inovação no setor jurídico, faz uma abordagem crítica à formação que recebem os estudantes de direito no Reino Unido. Se aplicarmos a análise de Susskind às universidades latino-americanas, poucas escapariam de ser tachadas de arcaicas, ao ter uma visão de futuro que não corresponde às necessidades de hoje.

O que significa disrupção jurídica?

A disrupção jurídica é um movimento que utiliza diferentes ferramentas para modificar a forma que os profissionais do setor jurídico desempenhavam suas atividades até agora. Em uma classificação que poderia ser considerada simples, mas que funciona para fins deste artigo, estabeleceremos que representa uma brecha entre advogados tradicionais e advogados digitais: os primeiros se dedicam de forma exclusiva a matérias clássicas, enquanto que os segundos incluem dentro de seu portfólio de serviços temas de direito digital e legaltech.

Dentro do terreno das definições, é importante explicar que o termo legaltech se refere ao uso de tecnologias para agilizar tarefas jurídicas, enquanto que o direito digital inclui toda regulação no uso destas e outras tecnologias emergentes. A importância de entender o que é legaltech radica em que estes desenvolvimentos, bem implementados, representam uma eficácia interna e a diminuição na carga de tarefas operacionais de firmas jurídicas, notariais, tribunais e departamentos legais in-house que podem automatizar processos que permitem liberar horas-advogado para ser usadas de forma mais proveitosa. Este tempo poderia ser aplicado ao trabalho intelectual, como construir demandas, levantar contestações, projetar estratégias jurídicas e redigir contratos complexos, apenas para mencionar algumas.

No que diz respeito ao conceito de inovação jurídica, ele surge com a mudança nos modelos de negócio da indústria. Os serviços prestados por profissionais deste setor começam a se distribuir de maneira distinta. Somemos a este fenômeno o surgimento de startups que oferecem serviços jurídicos utilizando meios digitais, sem deixar de lado as famosas ALSPs (Alternative Legal Service Providers), que facilitam ao cliente final a aquisição do trabalho requerido sem necessidade de ir até o escritório para assinar um documento, a um preço muito abaixo das tarifas de um escritório tradicional.

Adaptação do sistema educativo de nível superior ao rompimento jurídico

Os programas de educação que estão formando os futuros advogados estão se adaptando a novas tendências?

Se respondermos que não, é muito provável que isso seja uma realidade para a maioria das instituições educativas na América Latina. Consideremos os seguintes fatores:

  • Nos encontramos na transição de duas eras: a que oferece os serviços de forma tradicional e a que, pouco a pouco, propôs e implementou novas formas de serviços jurídicos, como a resolução de disputas online (Online Dispute Resolution), a gestão de risco (Legal Risk Management) e a automatização de contratos.
  • Há matérias básicas que não podem ficar de fora dos planos de estudos das faculdades de Direito, mas também há novas matérias que, ainda sendo ramos distintos aos do Direito, deveriam ser consideradas na formação de juristas. O jogo da inovação jurídica se chama multidisciplinariedade. Hoje já somos testemunhas de muitas mudanças na forma de exercer o Direito.

Em poucos anos seremos testemunhas da introdução de tecnologias que modificarão a vida cotidiana da sociedade. Na continuação, menciono algumas das áreas que considero indispensáveis incluir nos programas educativos de formação superior para que os advogados possam enfrentar completamente estas mudanças.

  • Inteligência artificial. O professor Díaz Limón, na sua obra “Advogado Digital”, expõe o seguinte: “… É indiscutível que não é possível atribuir responsabilidade de natureza criminal ou civil para com uma máquina, independentemente da categoria de Inteligência Artificial (IA) que possui” (Limón, 2019). Em algum momento a inteligência artificial deverá ser regulada para delimitar as consequências do seu uso e atribuir responsabilidade a quem desenvolvê-las (inclusive pensar na possibilidade de que a mesma IA possa ser sujeito de direito).
  • Programação. Esta é a disciplina que estuda os algoritmos com os quais um software pode realizar certas tarefas. Ter pelo menos noções básicas desta matéria é importante no terreno da propriedade intelectual ou no desenvolvimento de ferramentas legaltech.
  • Robótica. Em alguns foros acontece a discussão sobre a possibilidade de que, no futuro, os robôs substituam os advogados. Ainda é cedo para saber, mas é importante continuar com a discussão ao estudar aspectos técnicos e as implicações sociais do tema.
  • Cibersegurança. A questão dos dados pessoais na internet tornou imprescindível contar com uma estratégia sólida de cibersegurança para evitar desde possíveis roubos de identidade, até ataques Dos e DDos que podem implicar às empresas delitos em privacidade e ao mesmo tempo causar multas milionárias
  • Evidências digitais. Muitos dos documentos que constituem a base da ação de um juízo são digitais: mensagens de dados que ao abrir no computador se traduzem em um contrato, uma fatura eletrônica, etc. É necessário conhecer sua natureza e seus efeitos para poder oferecê-los em juízo de maneira adequada.
  • Gestão de projetos. É uma prática utilizada em diversas indústrias para realizar um projeto com base nas metodologias ágeis. É muito utilizada em alguns países como Reino Unido e Estados Unidos. No setor jurídico, dá origem ao que se conhece como Legal Project Management onde os casos legais são tratados como projetos.

A aquisição de novas habilidades e conhecimentos que vão além do direito por parte dos estudantes e advogados no exercício da sua profissão não é um tema novo, mas foi evoluindo conforme as exigências do mercado e dos clientes que buscam um serviço jurídico que incorpore o conhecimento de outras disciplinas.

O licenciado Sotomayor Garza dedica algumas palavras a respeito ao dizer que “… para ser reconhecido como jurista, você deve estender seus estudos e, portanto, seu conhecimento a disciplinas do conhecimento humano, como Filosofia, História, Ética, Medicina, Contabilidade, enfim: um grande número de áreas que têm ligação com relações humanas”.

A postura dos futuros advogados frente aos novos desafios

Os jovens devem ter em conta que a transformação na indústria jurídica encontra-se em suas mãos. Eles vivem em primeira mão as mudanças da situação atual. Terão a oportunidade de decidir se trabalhar em um escritório de advogados que mantém um modelo de negócios tradicional, uma firma que transforma seu modelo inovando e incorporando novos desenvolvimentos tecnológicos, uma empresa que preste serviços jurídicos de forma alternativa sob algum novo tipo de relação profissional que estão surgindo na atualidade sob esse modelo de negócio ou inclusive na sua própria startup.

Estes novos profissionais  devem ser flexíveis diante das mudanças bruscas, devem se adaptar rapidamente e buscar se atualizar constantemente nas matérias da sua práxis - reformas, jurisprudência e doutrina -, aliadas a matérias complementares e aos conhecimentos que requerem para utilizar a tecnologia a seu favor.

Os advogados deverão ser profissionais multidisciplinares para poder se adaptar a todas as mudanças geracionais e revitalizar a profissão. Para quem já está no exercício da carreira, é importante buscar formação em torno das novas tecnologias, habilidades e conhecimentos que o mercado exige para oferecer uma melhora nos serviços jurídicos.


Veja também: A necessidade de se distinguir frente aos clientes e ao mercado em geral


E não podemos esquecer de ter atenção naqueles que se converteram no eixo para esta transformação: os clientes, usuários de serviços jurídicos que têm um papel fundamental. São eles que decidem quem contratar, são eles que buscam a excelência do profissional, que conheça e entenda o negócio e que preste um serviço que gere um valor agregado a um custo eficiente.

*Axl Balderas é membro colaborador da ALIL (Aliança Latino-americana para a Inovação Legal), licenciado em Direito com um diploma em Direito Digital pela Universidad Ius Semper e uma certificação em Legal Disruption.

([email protected]

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