E a bonança de commodities, só alguns setores aproveitarão?

Gastos excedentes geraram um déficit fiscal que contribuiu para piorar algo que já não vinha bem: o endividamento público em relação ao PIB/Pixabay
Gastos excedentes geraram um déficit fiscal que contribuiu para piorar algo que já não vinha bem: o endividamento público em relação ao PIB/Pixabay
Com o aumento em dólares dos preços das commodities e depreciação do Real fica a preocupação sobre o controle fiscal e fuga de capitais, resultando em inflação “importada”.
Fecha de publicación: 19/04/2021
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Por parte de alguns setores econômicos, o Brasil vai bem, obrigado, mas não a ponto de suscitar uma apreciação cambial e aliviar um pouco a inflação e o sofrimento do brasileiro. Por quê?

Com um crescimento anual de 18.3% (1º trimestre de 2021 comparado com 1º trimestre do ano anterior) do nosso maior comprador de commodities, a China, seria mais do que plausível esperar uma apreciação de nossa moeda, posto que vários setores econômicos exportadores acabaram se beneficiando dessa bonança no preço e na demanda por nossas commodities brasilis. Escrevi bobagem?


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Mas por que o país como um todo ou o câmbio não responde aos potenciais superávits comerciais vindouros em 2021? Inicialmente, poderíamos culpar a pandemia da Covid-19 e a letargia no endereçamento da doença, mas será que literalmente essa é a única causa. Receamos que não.

As diferenças nos meios sanitários e fiscais que fizeram com que o Brasil não aproveitasse em sua plenitude a onda de alta nas commodities em 2021 são diferentes das de 2008. Que os governantes brasileiros não tiveram um bom desempenho sanitário no combate à pandemia, até o mais cansado super-herói funcionário do SUS não haveria de negar.

Tanto que nos últimos meses, enquanto países como Estados Unidos e Israel já vivenciavam uma reabertura econômica em decorrência da vacinação em massa, no Brasil os principais temas de vídeo conferências e encontros online ainda são a alta quantidade de mortos por coronavírus, como vamos vacinar (logística), se temos vacinas e o pior, se devemos usar máscaras ou não. Tristes trópicos!

Já no início de 2020, logo após a eclosão da pandemia, muitos governos realizaram gastos astronômicos para manter um bem-estar mínimo da sua população. O Estado brasileiro, naquele contexto, não foi exceção e no ano passado entrou fortemente com seu caixa pagando auxílios emergenciais, aumentando o seu gasto com saúde pública e continuou bancando o funcionalismo público.

O problema é que não existe almoço grátis. Acho que ninguém aqui contestaria isso, certo? Estes gastos excedentes geraram um déficit fiscal que contribuiu para piorar algo que já não vinha bem: o nosso endividamento público em relação ao PIB, que passou de 57% em 2008 para 89,6% do PIB em janeiro de 2021. Claro que muita água “irresponsável fiscalmente” passou por debaixo dessa ponte fiscal frágil desde o ano de 2015, mas deixemos isso para outro post histórico.

Como quase tudo nessa vida terrena se transforma em opções entre risco e retorno, um maior risco fiscal acaba suscitando maior demanda por retornos pelos financiadores da dívida pública, que externaram suas preocupações na curva de juros. Curva de juros que serve de subsídio na precificação de empréstimos bancários para as empresas e a população. Acredito que o leitor já entenda como isso vai acabar.

Aqueles contentes com os retornos auferidos emprestando para o governo estão aproveitando, mas os mais ressabiados, com lembranças amargas sobre o calote da dívida pública, que muitos testemunharam de 1980 a 1994, quando a inflação atingiu 12 trilhões percentuais (isso mesmo!), acabam buscando a saída e deixando na porta uma depreciação cambial.

Infelizmente, ao contrário da bonança de 2006 a 2007, época na qual a valorização das commodities no Brasil resultou em uma apreciação cambial decorrente de uma balança comercial mais fortalecida, permitindo que o Banco Central não tivesse que se preocupar com o fantasma da inflação, uma vez que o poder de compra dos brasileiros estava garantido pela apreciação de nossa moeda, este fato fez com que não houvesse a necessidade de elevações adicionais de juros na época, o que reduziria a atividade econômica. Mas, como costumamos dizer: no meio do caminho tinha uma pedra (licença poética).

Atualmente, com o aumento em US dólares dos preços das commodities aliado a uma maior depreciação da nossa moeda, ao invés de aproveitarmos em tempos de pandemia uma praia de fluxos cambiais positivos, que efetivamente impactariam o nosso câmbio favoravelmente, eis que nuvens fiscais carregadas se fortalecem no horizonte, suscitando uma preocupação maior no nosso controle fiscal, fuga de capitais, resultando em inflação “importada”.


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Mais inflação aqui não importa se “importada” ou não, tome Selic para segurar esse repasse dos preços do atacado e do produtor para o consumidor final. Maiores taxas de juros, aliadas a um cenário de câmbio depreciado e ainda descontrole epidemiológico já nos ajudam a traçar o cenário econômico para 2021 e quiçá para 2022, com o populismo e os acordos com o centrão dominando os interesses políticos, estes, infelizmente dissociado dos legítimos interesses econômicos do país.

*Roberto Dumas é professor de Economia do Insper. João Victor Benício é aluno do Insper.

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