Em abril deste ano, foi encerrado o julgamento envolvendo o Fundo de Investimento Imobiliário Península (Fundo Península), pelo qual a Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) afastou a autuação da Fazenda Nacional para cobrança de IRPJ e CSLL com base no Lucro Real, por equiparação à tributação das pessoas jurídicas. O acórdão n. 9101-006.005 é o primeiro caso vitorioso do contribuinte por voto de maioria, julgado pela 1ª Turma da CSRF.
O Fundo Península foi constituído em 2005, tendo Abílio Diniz como único cotista. Em 2006, uma empresa controlada por ele e seus familiares ingressou no Fundo passando a deter a maior parte das suas quotas. Concomitantemente, o Fundo adquiriu 60 imóveis da Companhia Brasileira de Distribuição (“CBD” - Grupo Pão de Açúcar), da qual Abílio Diniz também detinha posição de controle. Com isso, o Fundo passou a locar os mencionados imóveis à própria CBD.
Nesse contexto, a fiscalização autuou o Fundo para cobrança de IRPJ e CSLL sobre as receitas de aluguel, com base na interpretação do regime que o equipara à pessoa jurídica – o que significa dizer, que os rendimentos seriam tributados como se uma sociedade imobiliária fosse, ou seja, de acordo com o Lucro Real onde a carga tributária pode chegar a 34%.
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Como regra geral, os rendimentos e ganhos de capital auferidos pelos fundos de investimento imobiliário (FII) são isentos do IOF, IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, sendo tributáveis somente pelo IRRF, à alíquota de 20%, sobre os lucros distribuídos aos cotistas.
A exceção está no art. 2º da Lei n. 9.779/99, que prevê a equiparação do FII à pessoa jurídica, para fins tributários, quando (i) aplicar recursos em empreendimentos imobiliários; e (ii) o empreendimento imobiliário tenha como incorporador, construtor ou sócio quotista mais que 25% das cotas do FII (isoladamente ou com pessoa ligada, assim entendida (a) a pessoa física e seus parentes até 2º grau; e (b) a empresa sob controle de pessoa física ou de qualquer de seus parentes até 2º grau).
Nesse contexto, o Fisco concluiu haver a cumulação da posição jurídica de Abílio Diniz na figura de sócio do empreendimento imobiliário e cotista majoritário do FII e, por isso, não seria aplicável a isenção prevista para os rendimentos do fundo.
No entendimento do Cons. Relator, a discussão se atém a uma interpretação “forçada” do dispositivo legal, que resultou na requalificação do FII como pessoa jurídica. Sob esse aspecto, alguns pontos utilizados em sua fundamentação, merecem especial destaque:
- O propósito da norma é evitar a concorrência desleal, vedando o uso da estrutura de FII (regime tributário mais favorável) por pessoas com participação relevante, que explorem atividades imobiliárias como incorporadores, construtores ou sócios de empreendimentos imobiliários.
- O “empreendimento imobiliário” pressupõe a aquisição de imóvel para as atividades de construção, venda e locação, o que por si só não englobaria a aquisição de imóveis prontos para alugar, que é uma atividade passiva, oposta ao conceito de empreender.
- Para que Abílio Diniz pudesse se enquadrar no conceito de “sócio”, seria necessário que fosse coproprietário dos imóveis, partilhando do resultado na proporção da sua participação. No mesmo sentido, a CBD nunca foi sócia do FII nos imóveis ou manteve qualquer direto de propriedade, após a alienação integral desses ativos.
- O Fisco não comprovou a estrutura do FII resultou em economia indevida de tributos, efetivo prejuízo ao Erário, desvio da estrutura ou sua interposição fictícia (ou seja, falta de propósito negocial, abuso de direito, ausência de substância econômica etc.).
Nas decisões proferidas até então, o “empreendimento imobiliário” vinha sendo representado pelos imóveis pertencentes indiretamente por Abílio Diniz, como cotista do FII e, por deter controle indireto da CBD (antiga proprietária dos ativos), atraia a aplicação da regra do art. 2º- ignorando o fato de que os titulares das cotas do FII sequer podem exercer qualquer direito real sobre os imóveis e os empreendimentos integrantes do fundo.
Em suma, a inteligência trazida pelo voto condutor do acórdão, que acabou por reverter o entendimento do CARF sobre o tema, diz respeito a interpretação estrita do conceito de “sócio do empreendimento imobiliário”, na qual não se enquadraria a mera aquisição de imóveis prontos, cujo destino não é a futura construção ou circulação.
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Em termos práticos, tais julgados acabavam desestimulando os contribuintes que pretendiam realizar negócios no mercado de FII, fruindo dos seus benefícios tributários, em relação àqueles que já operavam de tal forma, geravam grande receio de majoração da carga tributária, caso acabassem sendo equiparados às pessoas jurídicas pelo Fisco.
A ruptura do posicionamento do CARF trouxe mais segurança jurídica para operações envolvendo FII, na medida em que adotou uma posição menos fiscalista, no sentido de enxergar a estrutura como um planejamento tributário lícito. A expectativa é que isso se mantenha para o julgamento, pela CSRF, do último recurso especial envolvendo o Fundo Península, que tem por objeto uma autuação para cobrança de PIS e COFINS.
Vale ressaltar, que as discussões ainda poderão ser levadas ao Judiciário. Até lá entendemos que existem bons argumentos, pautados no Acórdão n. 9101-006.005, para mitigar as incertezas relacionadas à equiparação dos FII a pessoas jurídicas para fins fiscais.
*Camila Meneghin, especialista em TAX do CSA Advogados.
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