Era uma vez... o cross-selling

A agenda não é mais o desenvolvimento do negócio, mas do cliente: o quanto sabemos sobre sua empresa, seu mercado, suas reais necessidades, riscos jurídicos e não jurídicos, sua operação e o que você pode não estar observando / Unsplash
A agenda não é mais o desenvolvimento do negócio, mas do cliente: o quanto sabemos sobre sua empresa, seu mercado, suas reais necessidades, riscos jurídicos e não jurídicos, sua operação e o que você pode não estar observando / Unsplash
Poucos setores do mercado são tão propícios ao trabalho colaborativo quanto os serviços jurídicos. Por que esse modelo se torna tão difícil na prática?
Fecha de publicación: 03/11/2020

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Historicamente, alguns temas são mais sensíveis de serem tratados pelos escritórios de advocacia e costumam ser comuns à grande maioria deles, como por exemplo, o cross-selling - no bom português, a “venda cruzada”.

 

Pauta de discussões internas constantes, que geralmente resultam nos extremos de “nada a fazer” ou em um programa de “venda” forçada aos clientes. Os casos tidos como “sucesso” partem de uma medição mais ou menos assim: quantas áreas do escritório são trabalhadas com o cliente e qual o faturamento gerado individualmente pelas práticas e no conjunto. “Há outras áreas que podemos apresentar ao cliente?”, a pergunta-mestre para toda discussão de cross-selling.

 

Confesso que, no passado, eu mesma achava isso “normal” quando se tratava de desenvolvimento de negócios pelos escritórios de advocacia. Afinal, é uma prática tão comum na grande maioria dos mercados, não é mesmo? Mas, o setor conhecido como “serviços profissionais” e, mais especificamente, o setor jurídico, tem outra dinâmica. Ideias simplesmente importadas de outros segmentos tendem a não trazer bons resultados.

 

Continuemos falando do cross-selling, ainda bastante almejado por muitos escritórios.

 

Na maioria das vezes, independente do número de áreas em atividade com o cliente, mantem-se os silos organizacionais, com equipes trabalhando cada qual em seu “território” e, em casos ainda mais críticos, departamentalizadas dentro do próprio departamento. Ninguém sabe muito bem o que cada área tem feito para o cliente, porque tem feito e para o que tem feito. A importância de cada prática junto à empresa é geralmente medida pelo resultado de faturamento – não deixa de ser um indicativo; longe de ser o único.

 

Um diretor jurídico certa vez citou uma área como sendo a mais relevante para o principal projeto da companhia inteira, mas a prática não estava no radar do escritório, por mais óbvio que parecesse a necessidade de colocá-la na “linha de frente”.

 

E o que o cliente experimenta, espera e está disposto a pagar?

 

O cliente certamente experimenta o serviço das diversas áreas do escritório, que entregam isoladamente a sua expertise, gerando diferentes experiências de “marca”. Ele compara a performance de uma e outra prática - porque a forma com que realizamos o trabalho o induz a isso -, e a experiência, de novo, é semelhante a trabalhar com diferentes escritórios.

 

Algum valor adicionado nessa prestação de serviços? Sob a ótica do cliente, com certeza, não. Sob a ótica de gestão da marca do escritório, frustrante.

 

Todos vamos concordar que o cliente espera receber soluções para suas necessidades mais complexas. Está disposto a pagar por isso, ou melhor, investir. Está cada vez mais intolerante a pagar por ineficiência, por coordenação pró-forma e por retrabalho.

 

O trabalho colaborativo e a orientação pela necessidade do cliente

 

Com ambientes de negócios tão dinâmicos, também complexos e interligados, é quase impossível imaginar atualmente que haja solução jurídica pelo conhecimento de uma única área ou profissional, por melhor que seja ele(a).

 

A verdade é que poucos setores de mercado são tão propícios ao trabalho colaborativo quanto o de serviços jurídicos, essencialmente para a atividade empresarial. Então, por que esse modelo se torna tão difícil na prática?

 

Há uma série de razões que podem se completar na resposta a essa pergunta. O modelo de compensação do escritório, o nível da “personalização” e a inseparabilidade na relação advogado-cliente, o senso de “posse” individual sobre o cliente, entre tantos outros motivos.

 

Mas, talvez, o engano histórico tenha sido achar que teríamos sucesso desenvolvendo novos negócios pelo cross-selling, que seria olhar a questão pela lente de benefícios para o escritório. Os “avanços” nesse sentido traduzem-se no que já pontuamos anteriormente: ofertas de serviços agressivas aos clientes, demonstrando falta de conhecimento da empresa, do mercado em que está inserida e, essencialmente, de empatia.

 

Se o cliente estiver no centro da orientação dos nossos serviços, o foco – e a dificuldade - não será “vender” uma ou outra área pretendida pelo escritório, mas sim entregar a solução que o cliente precisa, quaisquer que sejam as áreas envolvidas; integrando-as de maneira que gerem valor adicionado.

 

A pauta deixa de ser “desenvolvimento de negócios”, mas sim, “o cliente”; o quanto conhecemos de seu negócio, de seu mercado, das suas reais necessidades, dos riscos jurídicos - e não jurídicos - em sua operação - que ele pode não estar observando. E, quem sabe, passamos a gerar oportunidades aos clientes.

 

Para isso, precisamos aprender a somar expertises, criar uma cultura e mecanismos que favoreçam a colaboratividade dos profissionais das diferentes áreas de prática e dos setores de indústria. Precisamos, ainda, estar prontos para trabalhar de forma colaborativa com outros prestadores de serviços, inclusive jurídicos, porque a solução que o cliente precisa está cada vez mais demandando esse movimento.

 

Se não conseguirmos praticar a colaboratividade sequer internamente, pensemos em quão difícil será resistir a essa exigência natural do mercado.

 

Inspiração: “Smart Collaboration: How Professionals and Their Firms Succeed by Breaking Down Silos”, Heidi K. Gardner, Harvard Business Review.

 

*Andréia Gomes é sócia-diretora da AGomes Marketing Consultoria. 

Email: [email protected]

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