ESG: As mudanças climáticas e os desafios da humanidade

No Brasil, a discussão sobre a viabilidade da litigância climática tem avançado lentamente/Pixabay
No Brasil, a discussão sobre a viabilidade da litigância climática tem avançado lentamente/Pixabay
Os litígios e o apelo social por responsabilidade de governantes e setor privado.
Fecha de publicación: 06/07/2021

O aumento da temperatura global e a intensificação dos eventos climáticos como consequência das atividades humanas são hoje um dos maiores desafios da humanidade. Considerando a importância do assunto, a ONU estabeleceu, como a 13ª Meta para o Desenvolvimento Sustentável, a adoção de ações contra a mudança global do clima.

Com vistas a atender a meta e a frear a crise climática, mais de 40 líderes mundiais se reuniram na Cúpula do Clima, em abril de 2021, para debater medidas para reduzir a emissão de gases do efeito estufa e o desmatamento ilegal, bem como reafirmar acordos em prol de uma economia mais verde, com a adoção de fontes de energia renováveis e de soluções tecnológicas e a redução de gases do efeito estufa.

Nesse contexto de impulsionamento da tomada de ações visando a mitigação das mudanças climáticas, no âmbito governamental, alguns municípios tem intensificado suas ações na busca por frear os intensificadores das mudanças climáticas e incentivar práticas de desenvolvimento sustentável.

É o caso do Município de São Paulo, que lançou em junho o Plano de Ação Climática do Município de São Paulo (PlanClima), indicando 43 ações prioritárias para que a cidade alcance a neutralidade de carbono até 2050.


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Conforme consta no PlanClima, elaborado em consonância com o Acordo de Paris, o município de São Paulo adotou como meta a redução de 45% das emissões de CO2 até 2030, em relação ao nível de 2010, zerando as emissões em 2050. Os objetivos referem-se à adaptação da cidade aos impactos da mudança do clima e ao tratamento com equidade dos ônus e bônus da mudança do clima, contribuindo para reduzir desigualdades.

Em paralelo às discussões governamentais visando à adoção de políticas públicas coordenadas em escala global, atores privados têm buscado medidas judiciais para implementação de medidas. Este é o contexto do chamado “climate litigation” ou "ações de litigância climática".

São ações propostas, em sua maioria, contra governos e entidades públicas para que estes sejam fiscalizados, avaliados, ou compelidos a adotar medidas ou políticas públicas efetivas para cumprir acordos internacionais relacionados às questões climáticas, sejam ainda responsabilizados por eventual descumprimento dessas políticas e/ou sejam estabelecidos limites para emissões de gases de efeito estufa em consonância com os acordos internacionais.

As ações climáticas podem ser também ajuizadas em face de entidades privadas, e algumas já o foram, visando condená-los a desenvolverem projetos e adotarem medidas para reduzir a emissão de gases do efeitos estufa e/ou incluírem e considerarem a crise climática como um fator de risco inerente ao negócio.

Os litígios climáticos se diferenciam substancialmente das ações “comuns”. A primeira diferença é de que o bem jurídico tutelado é transfronteiriço e ultrapassa os limites territoriais de cada país. Além disso, o que se pretende com as ações não é a prestação jurisdicional final ou, em outras palavras, a solução do problema, mas sim uma solução parcial relacionada à adoção de medidas mitigadoras ou de compensação.

Outras grandes distinções referem-se à extensão da relação de causalidade, que é significativamente mais longa e complexa, e aos tipos de danos causados, mais generalizados.

Entre outras motivações, os autores dessas ações visam atingir medidas específicas que terão possivelmente implementação mais veloz do que as medidas mais amplas com coordenação global que decorrem das ações de governos na esfera internacional, as quais, pela pluralidade de atores e interesses envolvidos, costumam requerer longo prazo para adoção e maturação. Visam, também, influenciar a tomada de decisão governamental na esfera internacional.

De acordo com o Global Climate Litigation Report: 2020 Status Review (em português, Relatório Global de Litigância Climática de 2020), elaborado pela United Nations Environment Programme (UNEP),em conjunto com a Sabin Center for Climate Change Law da Universidade de Columbia, estima-se que as “climate litigations” representem cerca de 1.550 ações judiciais em trâmite em 38 países. Os Estados Unidos, apenas, concentram mais de 1.200, com um aumento de 75% em relação ao ano de 2017.

A decisão holandesa de 26 de maio de 2021 determinando que uma grande empresa petrolífera reduzisse suas emissões líquidas de carbono em 45% até 2030, em comparação às emissões de 2019, foi um marco entre as ações climáticas.

Ainda sujeita a apelação, a decisão entendeu que a obrigação decorreria de um padrão não-escrito de dever de cuidado do Código Civil holandês; as empresas têm a responsabilidade de respeitar os direitos humanos independentemente de os estados em que estão sediadas agirem ou não, não bastando um papel passivo mas exigindo-se ações concretas; o porte da companhia torna possível atribuir ligações causais com o impacto nas mudanças climáticas já que, no caso, a empresa demandada causa grande impacto por meio de suas emissões (o qual é maior do que grande parte dos países individualmente); e a empresa tem obrigação de resultado no que diz respeito à redução das emissões dentro do grupo empresarial e obrigação de conduta para estimular suas relações comerciais e consumidores a reduzir as emissões.

É a primeira vez que uma sentença determina que uma empresa reduza suas emissões de acordo com as metas climáticas globais, alinhando-se ao Acordo de Paris. A decisão abre caminho para que outros litígios climáticos sejam instaurados em outros países e afetem grupos empresariais globais. 

No Brasil, a discussão sobre a viabilidade da litigância climática tem avançado lentamente. As reflexões acerca da mudança climática no âmbito dos Tribunais brasileiros são ainda embrionárias, estando representadas pela ADPF 708 e pela a ADO 59, que tramitam no STF objetivando conferir efetividade ao Fundo Clima e ao Fundo da Amazônia.

O país teve sua primeira ação climática propriamente dita proposta em 13 de abril de 2021 – uma ação popular ajuizada por seis jovens em face dos ex-ministros do Meio Ambiente e das Relações Exteriores em função da chamada “pedalada” climática cometida pelo governo em dezembro de 2020, quando foram apresentadas novas metas ao Acordo de Paris, em alegado retrocesso em relação ao compromisso anteriormente assumido.


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Os modos de combater a mudança climática variam desde a conscientização social e a criação de política públicas até os litígios climáticos, que funcionam como ferramenta da sociedade civil para cobrar a execução de medidas de combate às mudanças climáticas e exigir do Poder Legislativo a elaboração e revisão de marcos normati­vos climáticos.

Nesse cenário, os litígios climáticos e as ações governamentais em todas as suas esferas demonstram o crescente apelo social por responsabilidade ambiental dos governantes e entidades privadas para que deixem de degradar o meio ambiente e contribuam para atenuar os efeitos negativos sobre o clima global. É recomendável que entidades privadas verifiquem suas práticas ESG e se antecipem à regulação e litígios sobre o tema.

*Rafael Baleroni, sócio, Rebeca Stefanini, Isabela Ojima e Yago Freire, associados, são advogados do Cescon Barrieu

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