Muitas empresas estrangeiras, ao vislumbrarem sua expansão para outros mercados, negligenciam aspectos que podem afetar significativamente seus negócios. Entre eles, a proteção de seus ativos de propriedade intelectual de acordo com as legislações locais. É comum que, durante a definição de territórios de interesse para proteção, não sejam levadas em conta especificidades legais de cada um, frustrando expectativas de posicionamento de mercado e retorno sobre investimentos realizados.
Assim, o papel de uma assessoria jurídica especializada de propriedade intelectual é de extrema importância, tendo em vista a valorização e proteção dos aspectos industriais do negócio, tais como Marcas, Patentes e Desenhos Industriais, e valores imateriais, como o reconhecimento e renome da empresa no seu nicho de atuação. Isso é especialmente relevante no mercado brasileiro, com diversas regras específicas de propriedade industrial que, caso não sejam adequadamente endereçadas, podem prejudicar a chance de proteção e, em alguns casos, inclusive inviabilizá-la.
Empresas voltadas para ramos como Pesquisa e Desenvolvimento de novas tecnologias, como os setores de biotecnologia, farmacêutica, automobilística, de telecomunicações, dentre outras, devem ficar atentas com relação à proteção de suas invenções no país, além de tomar os devidos cuidados para não infringir o direito de terceiros.
No caso de empresas focadas no ramo de produtos de bens de consumo, as Marcas são um ativo de crítica relevância capaz de agregar valor à empresa e seus produtos dentro do mercado local.
Com base nesses comentários e considerando as especificidades que permeiam o direito de propriedade intelectual no Brasil, elaboramos uma série de perguntas e respostas para auxiliar empresas a otimizarem os seus esforços ao se estabelecerem no Brasil.
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Quais são os primeiros passos para proteção de Propriedade Intelectual no Brasil?
O Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) é a autarquia federal responsável por analisar e decidir sobre pedidos de registro de Marca, Patente, registro de desenho industrial, indicação geográfica e registro de contratos de propriedade industrial, como transferência de tecnologia e contratos de licença de Patentes e Marcas.
Para a proteção de ativos de Propriedade Intelectual junto ao INPI, é necessário que empresas estrangeiras interessadas possuam assessoria jurídica especializada e experiente neste específico nicho de atuação, para que os processos corram de acordo com as diretrizes de exame e requisitos da legislação local.
Para a concessão de uma Patente de invenção, é necessário atender aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicabilidade industrial, além de suficiência descritiva, suporte e clareza. Apesar de tais requisitos serem comuns a diversos países, o Brasil apresenta entendimentos específicos a depender do campo tecnológico. Por exemplo, invenções relacionadas à biotecnologia possuem diretrizes de exame específicas. O mesmo ocorre para invenções na área de química e aquelas implementadas por computador. Assim, a atuação de um especialista no campo técnico, com experiência sobre os procedimentos do INPI, é de extrema importância.
Desenhos Industriais também possuem diretrizes específicas para aferir tanto formalidades do pedido, quanto considerações sobre o seu exame técnico. Importante ressaltar que, no Brasil, os Desenhos Industriais não passam por exame de mérito antes da concessão dos respectivos registros. De todo modo, o exame técnico pode ser requerido pelo titular ou por terceiros interessados.
Já com relação às Marcas, o Brasil adota o sistema first-to-file, segundo o qual, em regra, o primeiro a depositar um pedido de registro para uma Marca perante o INPI obterá o registro e, consequentemente, o direito ao uso exclusivo daquela Marca para identificar os produtos e/ou serviços protegidos pelo registro em todo o território brasileiro. Assim, mesmo antes de entrar no mercado brasileiro, é muito importante a verificação, por um especialista técnico, da adequação do símbolo ou sinal pretendido como Marca à legislação de Propriedade Industrial. Antes de buscar a proteção de sua Marca, aconselha-se a realização de pesquisas de viabilidade de uso e registro.
Posso me beneficiar de acordos internacionais firmados pelo Brasil ao proteger meus ativos de PI no país?
O Brasil é signatário dos mais importantes tratados internacionais de Propriedade intelectual, incluindo a Convenção de Paris, TRIPs (Acordo sobre Aspectos de Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio), o PCT (Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes), Protocolo de Madri (relativo à proteção internacional de Marcas) e Protocolo de Nagoia (repartição de benefícios da biodiversidade e conhecimento tradicional associado). Ainda, o país segue em negociações para adesão ao Protocolo de Haia (proteção internacional de Desenhos Industriais).
O Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes (PCT) é um instrumento multilateral, administrado pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), que permite requerer proteção patentária de uma invenção em diversos países por intermédio de um único depósito denominado “Depósito Internacional de Patente”. O seu principal objetivo é simplificar e tornar mais econômica a proteção de invenções em diversos países diferentes. Além disso, através do PCT, as empresas ganham tempo para decidir em que territórios entrar com fases nacionais do pedido internacional, sendo que o Brasil segue a regra de 30 meses para entrada de fase nacional, contada a partir da data de prioridade mais antiga reivindicada.
Com relação à proteção de Marcas, desde outubro de 2019, o Brasil ratificou a sua adesão ao Protocolo de Madri, tratado internacional que possibilita o registro de Marcas em até 120 países que representam 72% da população mundial e 81% do PIB global. No Protocolo de Madri, o INPI atua como Escritório de Origem e como Escritório Designado, este último indicado para empresas estrangeiras que desejam designar o Brasil como um dos países de registro de suas Marcas.
Dentre as vantagens da gestão centralizada do processo pela via do Protocolo de Madri, podemos mencionar (i) a utilização de um único idioma para o procedimento, (ii) a previsibilidade do tempo de resposta por parte dos países onde se requer a proteção, uma vez que o pedido de registro de Marca precisa ser analisado em até 18 meses, (iii) uma única moeda para pagamento de taxas oficiais, evitando múltiplas taxas de conversão, e (iv) a não obrigatoriedade de contratar um procurador/representante local em cada país de interesse. Assim, o usuário reduz seus custos, tanto de gestão, quanto custos absolutos.
Importante ressaltar que, apesar de não haver obrigatoriedade de designação de um representante local, algumas publicações, no curso do processo de registro de Marca via Protocolo de Madri ocorrem apenas localmente, o que torna importante que o andamento dos processos de Marca seja acompanhado por um advogado local especializado.
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Quanto tempo leva atualmente o processamento de pedidos (incluindo Patentes, Marcas e Desenhos Industriais) no INPI?
O tempo médio atual para a concessão de Patentes no Brasil é de 5 anos contados a partir do requerimento de exame. Esse tempo foi bastante reduzido devido a esforços do INPI com a emissão de pareceres preliminares de exame. Para 2022, estima-se que este tempo seja reduzido para menos de 4 anos, com um incremento estimado de 11% no volume de novos depósitos de Patentes.
Já para Marcas, o tempo até uma decisão final sobre pedidos sem oposição está atualmente em 9 meses. Para pedidos com oposição, este tempo é de 12 meses. Em 2022, há uma tendência de manutenção do tempo de exame para pedidos sem oposição e um aumento para 18 meses em caso de oposição por terceiros, levando-se em consideração um incremento de 14% no número de novos depósitos de Marcas.
Para Desenhos Industriais, o tempo até uma decisão final está atualmente em 4 meses. Para 2022, a tendência é de manutenção desse tempo, sendo que o INPI estima que haverá um incremento de 10% no volume de novos depósitos de Desenhos Industriais.
Existem medidas que podem ser tomadas para acelerar o processamento para garantir proteção efetiva do meu ativo de PI?
O INPI sedia uma série de programas de aceleramento de exame para pedidos de Patente, conjuntamente intitulada Patent Prosecution Highway (PPH). Dentre as modalidades, podem ser citados o aceleramento com base em decisões favoráveis de exames no exterior (com base em acordos de cooperação com escritórios como o USPTO, EPO e JPO), tecnologias verdes, infração do objeto do pedido de Patente por terceiros e outros.
Em relação à aceleração baseada em tecnologias verdes, o Programa Patentes Verdes do INPI tem como objetivo contribuir para a mitigação das mudanças climáticas, acelerando o exame de pedidos de Patentes direcionados a tecnologias ambientalmente adequadas, incluindo transporte, combustíveis alternativos, gestão de resíduos e agricultura. O programa foi convertido em um programa permanente após um período de teste piloto iniciado em 2012 e é limitado a uma quantidade de casos examinados por ano.
De todo modo, a proteção patentária é retroativa à data de seu depósito e, com a Patente concedida, o seu titular tem o direito de pleitear indenização por infração de terceiros, considerando a referida data.
O que fazer quando se tem um pedido tramitando no INPI ou uma Patente vigente no Brasil e é identificada uma possível infração no mercado?
Quando for constatada uma possível infração de uma Patente pendente de exame, o seu processamento acelerado poderá ser solicitado ao INPI. Esse mecanismo pode ser particularmente relevante, considerando o tempo regular de processamento até uma decisão final.
Para tanto, a empresa deve enviar uma notificação extrajudicial ao potencial infrator e apresentar cópia juntamente com a comprovação da infração ao INPI. O prazo até uma decisão final para pedidos de Patente em regime de exame prioritário é atualmente de 9 meses contados a partir do requerimento de priorização.
Em situações de infração de Patente, Marca ou de Desenho Industrial, é recomendável o envio de notificação extrajudicial ao potencial infrator. Caso a notificação extrajudicial não seja suficiente para interromper a infração, é possível ingressar com uma ação judicial de infração em vista do infrator.
É necessário averbar qualquer contrato de tecnologia e de franquia no INPI?
O registro de contratos envolvendo direitos de Propriedade Industrial junto ao INPI tem o importante efeito de legitimar a remessa de divisas ao exterior na forma de pagamento pela tecnologia negociada, além de permitir a dedutibilidade fiscal dos pagamentos efetuados pela empresa brasileira a título de royalties e assistência técnica, quando for o caso, para a empresa estrangeira fornecedora da tecnologia.
Estão sujeitos à averbação no INPI os contratos que envolvam licenciamento de direitos de propriedade industrial (Marcas, Patentes, Desenhos Industriais e Topografia de Circuitos Integrados), fornecimento de tecnologia, serviços de assistência técnica e franquia. O registro ou averbação de tais contratos no Brasil é muito importante para garantir a sua segurança jurídica e validade perante terceiros.
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Existem formalidades na apresentação de documentos ao INPI?
No processamento de pedidos de Patente, Marcas e Desenhos Industriais no INPI, é necessária a apresentação de determinados documentos, incluindo procurações, cessões de direito, atestados de incorporação ou fusão, comprovantes de alteração de nome e outros.
Entretanto, as formalidades aplicáveis à apresentação de documentos variam conforme a sua finalidade. Com relação à apresentação de tradução de documentos em língua estrangeira, por exemplo, há menor rigidez na diretoria responsável pela análise de Marcas e Desenhos Industriais, uma vez que a maioria dos documentos nesses processos de registro pode ser apresentada de forma simples, sem notarização, legalização ou apostilamento.
Com relação a pedidos de Patente e Patentes vigentes, algumas exigências mais rígidas são aplicáveis, sendo que, à exceção de procurações, que podem ser apresentadas sem notarização, legalização ou apostilamento, os documentos requerem em geral o atendimento de determinadas formalidades. A esse respeito, documentos em língua estrangeira precisam de tradução juramentada para apresentação no INPI. Ainda, documentos oficiais, incluindo cessões de direito e comprovantes de alteração de nome, precisam ser notarizados e apostilados, segundo a Convenção de Haia. Quando os documentos são originários de um país não signatário da Convenção de Haia, é necessário realizar a sua legalização consular.
Existem acordos bilaterais firmados pelo Brasil para a simplificação da burocracia documental que podem se aplicar a documentos apresentados ao INPI. É o caso, por exemplo, do Acordo de Cooperação em Matéria Civil entre Brasil e França, segundo o qual documentos públicos expedidos em qualquer um desses territórios são dispensados de legalização e apostilamento quando apresentados no respectivo outro território.
*Antonella Carminatti é sócia e Fernanda Quental e André de Moura Reis são integrantes da área de Propriedade Intelectual do BMA Advogados.
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