Dia 17 de maio é o Dia Internacional de Luta Contra a LGBTfobia. Foi nesse mesmo dia, em 1990, que a homossexualidade foi retirada da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde da Organização Mundial da Saúde. Por essa razão, essa data representa uma conquista do respeito às diferenças intrínsecas da humanidade, que deve ser base para a convivência em sociedade.
Contudo, ainda há um longo caminho a ser percorrido para que se atinja a igualdade entre indivíduos de diferentes orientações sexuais e, especialmente, entre aqueles de variadas identidades de gênero. Convém, pois, nos questionarmos por que, em pleno século XXI, as pessoas LGBTQIAPN+ ainda não têm seus direitos humanos assegurados, tampouco estão integralmente incluídas na sociedade?
A resposta é, certamente, multifacetada, mas é sabido que contribui para a permanência da discriminação contra a população LGBTQAIPN+ a valorização social da figura masculina, cisgênero e heterossexual. Em razão dessa valorização, os homens seguem sendo ensinados, desde a infância, a terem características masculinas proeminentes para que se afastem da mulher, o chamado “sexo frágil”, inferiorizada socialmente. O homem homossexual, por sua vez, é associado às características femininas, ficando distante do padrão de homem “viril” e “másculo” desejado socialmente. Isso, curiosamente, acaba afetando, também, a própria relação entre homens homossexuais, já que boa parte deles considera virtuoso e atraente o homem “masculino”. Pode-se, dizer, então, que aquele que não se encaixa biológica e socialmente no padrão desejado de homem másculo e viril torna-se automaticamente inferior, notadamente a mulher, o homem gay afeminado e as identidades LBTQIAPN+.
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Pesquisa realizada pela consultoria Santo Caos, entre novembro de 2020 e abril de 2022, em todos os estados brasileiros e com a participação de 19.568 trabalhadores de todas as faixas etárias, traduz esse cenário. Dentre os entrevistados, 10,4% fazem parte da comunidade LGBTQIAPN+ sendo que, desses, 33% são bissexuais, 27% são gays, 14% são Trans/Travestis, 12% são lésbicas e 5% é a soma das demais identidades (queers, intersexos, assexuais, agêneros, pansexuais, não-binários entre outros). Dos que ocupam posição de liderança no ambiente de trabalho, 89% são cisgêneros e heterossexuais e apenas 11% são LGBTQIAPN+. Desse total, 27% são gays, 14% são Trans/Travestis, 33% são bissexuais e 11% são lésbicas.
Cargos de liderança e a inclusão LGBTQIAPN+
Empiricamente, os homens gays ocupam mais cargos de liderança, mesmo que na amostra geral o grupo com maior representação seja o de pessoas bissexuais (33%), que é composto por uma maioria de mulheres (70%). Assim, há um privilégio masculino - isto é, uma sobrerepresentação dos gays frente às demais identidades nos cargos de liderança, o que deve ser questionado pela própria comunidade LGBTQIAPN+. Vale, ainda, destacar outro dado da mesma pesquisa: 28% das pessoas LGBTQIAPN+ e 18% das pessoas cisgêneros e heterossexuais responderam que já sofreram assédio e/ou discriminação no ambiente de trabalho. Dentre os LGBTQIAPN+, 33% eram lésbicas, 33% bissexuais, 26% gays e 18% de Trans/Travestis.
Em outras palavras, o combate à LGTBfobia perpassa diretamente pelo combate e desconstrução do machismo e da valorização do masculino cisgênero heterossexual viril. É preciso uma (re)união das diferentes identidades da população LGBTQIAPN+, uma vez que a tradição da nossa sociedade patriarcal favorece, dentro desse grupo, o homem gay e prejudica, em diferentes medidas, as pessoas LBTQIAPN+. Ademais, ainda que os homens gays já tenham conquistado reconhecimento e respeito social e tenham, por isso, aberto caminho para a conquista de direitos das demais identidades, fato é que podem continuar utilizando esse “poder” para estimular que as pessoas LBTQIAPN+ e as demais mulheres também sejam respeitadas e tenham voz, sendo tratadas de forma igualitária.
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Possíveis avanços na inclusão LGBTQIAPN+ no mercado de trabalho
No que diz respeito ao ambiente de trabalho, considerando o cenário ainda tão desigual entre as identidades LGBTQAIPN+, vale identificarmos medidas que possam ser adotadas pelos empregadores para que as ações de combate à LGBTfobia deixem de ser meramente um discurso e tornem-se, na prática, instrumentos eficazes para a promoção de um ambiente de trabalho realmente respeitoso para todes, em que as pessoas LGBTQIAPN+ possam ser quem são.
Entre as medidas que podem ser adotadas, a principal é a criação de um grupo de afinidade que lhes dê voz, promova seu direito à participação e, ainda, crie um espaço profissional seguro para troca de estratégias de combate à LGBTfobia. Além disso, é possível identificar, nesse grupo, as pessoas aliadas aos LGBTQIAPN+ que fortalecem a causa e a disseminam nas empresas. São bem-vindas palestras e debates sobre os direitos e as vivências LGBTQIAPN+, que se revelam uma ferramenta poderosa de letramento e sensibilização. Ainda, a produção de conteúdo, como publicações e artigos com a participação em sua elaboração não somente das pessoas LGBTQIAPN+ mas, também, de aliados à causa, aproxima, cria empatia e acolhe. Merece destaque, entre os profissionais trans, por fim, a possibilidade de se optar pelo pronome de escolha para tratamento.
Entre outras, referidas ações, com consistência e apoio da liderança, contribuem para um ambiente de trabalho seguro para todes com um efetivo combate à LGBTfobia. Até que haja a completa desconstrução do machismo e da valorização do masculino cisgênero heterossexual, é preciso promover a união das forças das identidades LGBTQIAPN+ e continuar contando com o apoio dos homens gays para uma melhor experiência de trabalho e de vida para todes.
*Flavio Pelone, Luisa Fadini Ferreira, Luiza Mangiaterra e Laura Davis Mattar são profissionais do Mattos Filho.
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