Inteligência Artificial: Brasil deveria se inspirar no projeto europeu?

O projeto de Marco Legal da Inteligência Artificial (projeto de lei nº 21 de 2020), aprovado na Câmara dos Deputados em 2021, traz em seus dez artigos apenas princípios e diretrizes genéricas/Pixabay
O projeto de Marco Legal da Inteligência Artificial (projeto de lei nº 21 de 2020), aprovado na Câmara dos Deputados em 2021, traz em seus dez artigos apenas princípios e diretrizes genéricas/Pixabay
Marco legal precisa fortalecer democracia e assegurar direitos fundamentais dos cidadãos.
Fecha de publicación: 12/05/2022

As preocupações trazidas pelo avanço da inteligência artificial (IA), como o risco de violação de direitos, têm levado países a proporem regulamentações que deem conta dos desafios e oportunidades gerados pela tecnologia. Nessa onda regulatória, a União Europeia (UE) não só ocupa posição de destaque, como apresentou, em abril do ano passado, um projeto robusto e consistente, que pode servir de inspiração a diversas nações. O Brasil discute, neste momento, sua própria legislação, mas, até aqui, bastante limitada.

O projeto de Marco Legal da Inteligência Artificial (projeto de lei nº 21 de 2020), aprovado na Câmara dos Deputados em 2021, traz em seus dez artigos apenas princípios e diretrizes genéricas. As deficiências do projeto brasileiro já haviam sido apontadas por especialistas, ouvidos em audiência pública em oito de julho do ano passado, que recomendaram cautela na aprovação da matéria, uma vez que, da forma como está, é pouco útil para trazer qualquer benefício prático.

Dada a relevância do tema, os senadores têm agora a responsabilidade de corrigir o teor do projeto e evitar que o país apresente apenas uma carta de boas intenções, inadequada aos desafios atuais. Para as discussões no Senado, o projeto de regulamento da União Europeia é um bom exemplo a ser seguido. Afinal, é fruto de amplo debate público (quatro meses de consulta pública), que resultou em 1.215 contribuições, feitas por 352 empresas, 160 organizações da sociedade civil, 152 instituições acadêmicas, 406 cidadãos e 73 autoridades públicas. Possui 89 considerandos – comentários que orientam a interpretação da norma – e 85 artigos, que tratam de um amplo conjunto de aspectos, como usos proibidos, requisitos de registro para sistemas de alto risco, obrigações de transparência e dos fornecedores, sandbox regulatório (ambientes de teste da regulamentação), governança e auto-regulação por meio de criação de códigos de conduta. O projeto prevê, também, a regulamentação de todo o ciclo de vida da IA.

Mesmo sendo resultado de uma discussão democrática e de elevada tecnicidade, o projeto de regulamento não ficou livre de análise crítica. Recebeu uma contribuição de pesquisadores do Lead Lab, da Universidade de Birmingham, publicada em agosto de 2021, sob o título “How the EU can achieve legally trustworthy AI: A response to the European Comission´s Proposal for an Artificial Intelligence Act”. O documento defende que a proposta de regulamento não oferece garantias adequadas aos direitos fundamentais, nem protege suficientemente a democracia e o Estado de Direito.

Por essa razão, os pesquisadores do Lead Lab propuseram o conceito de “IA Legalmente Confiável”, que deve respeitar três pilares – direitos fundamentais, Estado de Direito e democracia – algo que, na visão deles, a proposta de regulamento falha em proteger. Eles afirmam ser necessário garantir uma distribuição apropriada da responsabilidade pelos erros e danos da IA e incluir mecanismos de transparência, a fim de garantir a proteção dos direitos fundamentais e do Estado de Direito.


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As preocupações em debate no contexto podem ser facilmente absorvidas nas discussões no âmbito brasileiro. Implica, evidentemente, em uma completa transformação do projeto de lei que agora se discute no Senado, o que é fortemente recomendável.

Felizmente, há possibilidade real de melhoria do projeto atual. O Senado conta com o apoio de uma comissão de renomados juristas, com amplo conhecimento do ambiente regulatório de proteção de dados e de Inteligência Artificial europeu. Essa comissão abriu uma consulta pública no início de abril, que está coletando sugestões da sociedade até o dia 13 de maio. Os tópicos escolhidos para a coleta de subsídios são bastante amplos, o que provavelmente indica uma mudança significativa na proposta.

O novo caminho é promissor porque amplia a discussão de forma democrática, apresenta condições técnicas para o desenvolvimento de uma proposta consistente e permite buscar reflexões sobre o tema em locais em que o debate está maduro, como no contexto europeu. 

Mais que uma carta de princípios é preciso de um marco legal que possibilite um uso de IA que fortaleça a democracia e o Estado de Direito, bem como assegure os direitos fundamentais dos cidadãos.

*Rhodrigo Deda, advogado da Marins Bertoldi Advocacia.

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