Interpretação atual do Artigo 32 da Lei de Propriedade Industrial e suas consequências

Um sistema patentário eficiente deve contemplar um nível de flexibilidade para sua própria evolução e sobrevivência/Canva
Um sistema patentário eficiente deve contemplar um nível de flexibilidade para sua própria evolução e sobrevivência/Canva
Posição incentiva os depositantes a adotarem uma postura conservadora e preventiva como estratégia para buscar o maior escopo de proteção possível.
Fecha de publicación: 08/12/2022

Quando um pedido de patente é depositado, a data de depósito estabelece o marco temporal para definição da matéria inicialmente revelada, ou seja, aquela que indica a invenção que se deseja proteger via patente.

Um sistema patentário eficiente – aquele que incentiva o desenvolvimento tecnológico, fomenta a atividade industrial e garante proteção adequada para os inventores – deve contemplar um nível de flexibilidade para sua própria evolução e sobrevivência. No entanto, a legislação de patentes no Brasil estabelece limitações que não vislumbram essa demanda e, por isso, há bastante controvérsia e discussão sobre a necessidade de modernização da Lei de Propriedade Industrial brasileira (LPI).

A Lei 5.772/71 (Código da Propriedade Industrial) estabelecia que poderia haver modificações no pedido de patente sob exame a partir de exigências julgadas necessárias pelos examinadores, desde que tais modificações estivessem restritas à matéria inicialmente requerida.

Antes da promulgação da atual Lei de Propriedade Industrial brasileira, Lei 9.279/96 (LPI), havia um projeto de lei que estabelecia que depositantes de pedidos de patente poderiam efetuar alterações para melhor definir o escopo a ser protegido para uma determinada invenção ou mesmo optar pela divisão de pedidos de patente até o final do exame técnico, desde que as alterações ou a divisão de pedidos estivessem restritas à matéria inicialmente revelada nos referidos pedidos.

No entanto, o artigo 32 da LPI conforme atualmente vigente, dispõe que:

Para melhor esclarecer ou definir o pedido de patente, o depositante poderá efetuar alterações até o requerimento do exame, desde que estas se limitem à matéria inicialmente revelada no pedido”. (grifos adicionados)

Inicialmente, em 2002, um parecer do Procurador Geral estabeleceu que o artigo 32 da LPI não impediria, que após o requerimento de exame, fossem realizadas modificações no escopo de proteção pleiteado, desde que limitadas à matéria que estivesse inicialmente revelada no pedido de patente conforme depositado.

Contudo, após uma discussão judicial em 2003, esse entendimento se modificou e em 2008 o Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI – estabeleceu ordenamentos administrativos para que as divisões responsáveis pelos exames técnicos dos pedidos de patente analisassem as emendas voluntárias requeridas pelos depositantes de forma que só fossem aceitas até o momento do requerimento de exame. Isto é, a partir desse momento, somente seriam aceitas emendas voluntárias para restringir o escopo de proteção de um pedido de patente. Ou ainda, após o requerimento de exame, não seriam aceitas emendas voluntárias que alterassem ou ampliassem o escopo de proteção.


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Em seguida, foram estabelecidos outros procedimentos pelo INPI também no que tange os pedidos de divisão. Assim, o escopo de proteção de pedidos de divisão de um pedido original só poderia ser alterado até o momento do requerimento de exame do pedido original. Na prática, o que ocorre é que um pedido de divisão tem seu escopo restrito àquele do pedido original quando do momento de requerimento de exame, ainda que exista matéria inicialmente revelada, porém não reivindicada, no pedido original.

O resultado dessa interpretação mais restritiva do artigo 32 da LPI, é que os depositantes de pedidos de patente com interesse em proteger suas invenções no Brasil, devem ter muita atenção no momento do requerimento do exame técnico de seus pedidos, já que no final do dia, será esse o marco temporal para emendas voluntárias que alterem ou ampliem o escopo de proteção, e não a matéria inicialmente revelada. Após o marco temporal de exame, as emendas serão restritas à matéria conforme reivindicada no momento do requerimento de exame.      

Em linhas gerais, é possível resumir os efeitos da atual interpretação do artigo 32 da LPI da seguinte forma:

  • Emendas voluntárias para correção ou redução do escopo de proteção inicialmente reivindicado não se submetem ao limite temporal do requerimento de exame do pedido de patente.
  • Até o requerimento do exame do pedido de patente serão aceitas emendas no relatório descritivo, no escopo a ser protegido (mesmo que seja para ampliar a matéria reivindicada), resumo, desenhos (se houver), listagem de sequência (se houver), desde que limitadas à matéria inicialmente revelada.
  • Após o requerimento de exame, qualquer alteração/ampliação no escopo a ser protegido estará limitada à matéria reivindicada no momento do requerimento do exame.
  • Emendas voluntárias no quadro reivindicatório de um pedido de patente de divisão estarão limitadas pelo escopo definido no quadro reivindicatório do pedido original para o qual foi requerido o exame.
  • Emendas para correção de inequívoco erro material de digitação ou tradução serão aceitas a qualquer momento do processamento do pedido de patente.
  • Ampliação do escopo de proteção reivindicado por um pedido de patente após o requerimento do exame não é permitido pela LPI.

Em relação especificamente aos pedidos de divisão, cabe comentar sobre a consequência dos atuais procedimentos relacionados à interpretação do artigo 32 da LPI. Vejamos:

O artigo 26 da LPI dispõe como segue:

O pedido de patente poderá ser dividido em dois ou mais, de ofício ou a requerimento do depositante, até o final do exame, desde que o pedido dividido:

I - faça referência específica ao pedido original; e

II - não exceda à matéria revelada constante do pedido original.

Parágrafo único. O requerimento de divisão em desacordo com o disposto neste artigo será arquivado.”

Pedidos de divisão, geralmente, são recomendados caso seja emitida ou antecipada uma objeção baseada na falta de unidade de invenção, ou se o conjunto de reivindicações pendentes incluir modalidades múltiplas e alternativas da invenção a ser protegida, cada uma com diferentes chances de concessão. Ainda, pedidos de divisão devem ser examinados (e decididos) em paralelo com o exame do pedido original.

Uma vez que o escopo das reivindicações de qualquer pedido de divisão também é limitado à matéria reivindicada no pedido original, quando este teve seu exame requerido, conforme o procedimento adotado no Brasil, o depositante de pedidos de patentes no Brasil precisa estar muito atento e bem assessorado no momento em que for solicitado o requerimento de exame do pedido original. Por exemplo, nenhuma concretização da invenção deve ser deixada de fora do quadro reivindicatório para o qual o exame será requerido, sob pena de prejudicar eventuais futuros pedidos de divisão, e mesmo, futuras emendas no próprio escopo de proteção do pedido original.


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A interpretação restritiva do artigo 32 da LPI adotada pelo INPI em relação à possibilidade de emendas voluntárias nos pedidos de patente sob exame acaba por incentivar os depositantes a adotarem uma postura conservadora e preventiva como estratégia para buscar o maior escopo de proteção possível, inclusive através do depósito voluntário de pedidos de divisão.

É notório o aumento do número de depósitos de pedidos de divisão a partir do ano de 2019, quando o INPI colocou em prática seu plano de combate ao backlog de patentes, e passou a aproveitar os resultados de buscas realizadas por escritórios de patentes de outros países como forma de reduzir o tempo de processamento administrativo de pedidos de patente no Brasil.

Entre 2014 e 2018 (inclusive) a média anual de depósito de pedidos de divisão era de 482 pedidos de divisão/ano. Já entre 2019 e 2021 inclusive, essa média aumenta em aproximadamente 261%, para um número de 1.740 pedidos de divisão/ano.

Ora, se os pedidos de divisão devem ser examinados concomitantemente com os respectivos pedidos originais, a carga sobre os examinadores do INPI aumentou consideravelmente, impactando inclusive na produtividade necessária para a eficiência e bons resultados do programa de combate ao backlog.

Esse fato acabou por reforçar um movimento das partes interessadas no fortalecimento do cenário de inovação e de propriedade industrial no Brasil, já em curso, para alterar a interpretação restritiva atualmente adotada pelo INPI para o artigo 32 da LPI.

É essencial acompanhar os debates acerca da necessidade de modernização da LPI, em especial, no que tange o artigo 32, para melhorar o ambiente de inovação no Brasil, além de estimular cada vez mais o uso do sistema patentário brasileiro. Enquanto os resultados não se concretizam, persiste a necessidade de toda atenção e cuidado com o processamento de pedidos de patente no Brasil, em especial, no momento do requerimento do exame técnico.

*Ana Cristina Müller e Lilian Ghitnick Arcalji são, respectivamente, sócia e líder da área de Propriedade Intelectual do BMA Advogados.

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