O avanço da vacinação contra a Covid-19 no Brasil e o progressivo retorno ao trabalho presencial, mesmo que de forma híbrida, é um fato positivo e esperado por muitos. Não sem razão, algumas empresas têm buscado acompanhar a vacinação dos próprios funcionários, ofertando incentivos adicionais para estimular a vacinação ou até requisitando a apresentação do cartão de vacina para comprovar se o funcionário se vacinou.
Muitas empresas ainda não se deram conta, mas casos como o descrito acima estão cercados de polêmicas. Isso porque, tais ações podem constranger funcionários que, por razões pessoais, não queiram se vacinar ou ainda tenham se imunizado fora do calendário oficial por motivos de comorbidades, por exemplo.
Essas polêmicas, naturalmente, alcançam o âmbito jurídico, seja em razão das questões constitucionais, que permeiam os direitos individuais ou coletivos, das questões trabalhistas, ou seja em virtude das implicações da Lei Geral de Proteção de Dados.
Com isso, surge a dúvida: até onde vai a liberdade individual e o interesse do empregador em monitorar essa questão? Ainda, olhando pela perspectiva da LGPD, muitos questionam se é permitido aos empregadores questionarem ou requisitarem dos funcionários informações ou provas da vacinação, como a própria apresentação do cartão de vacinação.
Leia também: "Chegou o meu dia de vacinar, mas meu patrão não me libera"
É importante ter ciência de que não há resposta única e precisa na legislação ou sequer no Judiciário que aprecie diretamente o tema. A LGPD sequer vai entrar nesse detalhamento do que é ou não permitido. Ao contrário, há correntes e entendimentos, com bons fundamentos para ambos os lados, mas que divergem acerca da permissibilidade. Logo, a questão passa pela(s) interpretação(ões) cabível(is).
É necessário buscar interpretar o que há na legislação trabalhista, constitucional ou de proteção de dados e o que há nas decisões que permeiam o tema, qual o entendimento mais razoável para o assunto e, assim, nortear e mitigar os riscos da prática. Nesse sentido, vale lembrar as recentes decisões que deram causa à demissão de funcionária, por justa causa, em razão da recusa em se vacinar, ou a decisão do STF que chancelou a vacinação obrigatória prevista na Lei n. 13.979/20, conforme ADI 6586 e 6.587. Tais decisões não abordam o assunto, mas podem auxiliar na interpretação do tema, que, como dito, é incerto.
É exatamente por essa incerteza que a prática deve ser adotada com cautela. Há, sim, o interesse coletivo que pode justificar a coleta, porém, o risco não se restringe ao mero fato de solicitar o cartão de vacinação. Olhando sob a ótica da LGPD, por exemplo, a prática poderia ser enquadrada na base legal de proteção da vida do titular ou de terceiros, ou, numa leitura mais abrangente, como parte do cumprimento da obrigação legal de zelo à saúde ocupacional e de segurança do ambiente de trabalho.
Contudo, além de se buscar uma possível base legal, cabe aos empregadores adotarem outras medidas para mitigar os riscos advindos da conduta, pois a LGPD não exige apenas identificar uma hipótese legal dentre as previstas nos artigos 7 ou 11, conforme o caso, mas uma série de obrigações e princípios a serem observados. Por exemplo, o princípio da necessidade que liga o alerta para a minimização da coleta de dados. Essa minimização passa desde pelo que será coletado, mas também por quem terá acesso, algo que se engata ao princípio da segurança e prevenção previstos na LGPD.
Veja também: Empresa pode obrigar retorno ao trabalho antes da segunda dose da vacina?
Assim, a destinação das informações e dados sensíveis coletados dos funcionários pelas empresas também é um ponto muito importante nessa discussão. O descuido no gerenciamento destes dados, incluindo o local de armazenamento, as medidas de segurança adotada para tal local, a destinação e acesso que serão dados, seja a terceiros ou até funcionários internos, podem agravar os riscos.
Na prática, os empregadores que seguirem com a coleta das informações de vacinação devem buscar restringir o acesso às informações, sempre que possível, aos setores de saúde ocupacional ou recursos humanos, além de garantir que os funcionários sejam informados acerca da finalidade da coleta daqueles dados. A eventual legitimidade da coleta não afasta a obrigatoriedade de o empregador informar ao titular dos dados o motivo da coleta e qual será o tratamento realizado. E, alcançada a finalidade, é necessário pensar no prazo de retenção e meios de descarte desses dados. A transparência e adequação do tratamento ao que foi informado é fundamental para o cumprimento continuado da LGPD e a mitigação dos riscos envolvendo o monitoramento da vacinação dos funcionários.
*Filipe Ribeiro Duarte é advogado especializado em direito digital do Martinelli Advogados em Joinville (SC).
Add new comment