Licença-maternidade prorrogada: alvo equivocado da Receita Federal

Licenças buscam o mesmo objetivo: garantir a subsistência da mulher durante o período em que seus filhos mais precisam da convivência familiar./Canva
Licenças buscam o mesmo objetivo: garantir a subsistência da mulher durante o período em que seus filhos mais precisam da convivência familiar./Canva
RFB quer fazer crer que a licença-maternidade adicional de 60 dias poderia existir de forma autônoma e desvinculada da licença de 120 dias
Fecha de publicación: 23/03/2023

Por meio da Solução de Consulta COSIT n° 27, de 27 de janeiro de 2023 (SC COSIT 27/2023), a Receita Federal do Brasil (RFB) manifestou entendimento a favor da incidência de contribuições previdenciárias e de terceiros (Sistema S, Salário Educação e INCRA) sobre os valores pagos na prorrogação de 60 dias da licença-maternidade, no âmbito do Programa Empresa Cidadã.

Ao formular a consulta, determinado contribuinte pretendia confirmar se a licença prorrogada está alcançada pela tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em repercussão geral, em agosto de 2020, de que: É inconstitucional a incidência de contribuição previdenciária a cargo do empregador sobre o salário maternidade. (Tema n° 72 - RE 576.967/PR).

Tal tese foi firmada, essencialmente, sob dois fundamentos. O primeiro de que o art. 195, inciso I, alínea “a”, da CF/88 restringe a incidência das contribuições à folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício (alínea a) no que não se enquadra o salário-maternidade, uma prestação previdenciária paga pela Previdência Social aos segurados.


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O segundo fundamento considerou que a incidência das contribuições sobre o salário-maternidade acabaria gerando discriminação da mulher no mercado de trabalho e ofendendo dispositivos constitucionais, como o art. 7º, XX (proteção do mercado de trabalho da mulher) e 201, II (proteção à maternidade), bem como a própria Convenção n° 103 da Organização Internacional do Trabalho, que prevê a desoneração dos empregadores no amparo à maternidade.

Na SC 27, o principal argumento da RFB é que diferentemente do salário-maternidade, a remuneração percebida durante o período de prorrogação não é um benefício previdenciário pago pela Previdência Social” e o Programa Empresa Cidadã estende apenas a licença e não o salário-maternidade propriamente dito. Além disso, segundo a RFB “não é possível que os efeitos de uma decisão judicial sejam extrapolados para abarcarem situações não contempladas em seu objeto”.

Primeiramente, chama a atenção a RFB pretender dar interpretação à uma decisão judicial, emblemática do STF, sem apoio em ato ou parecer da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional.

A rigor, o valor pago à empregada, ou ao empregado nos casos de adoção ou falecimento da mãe, a título de licença-maternidade no período estendido de 60 dias não é benefício previdenciário. Conforme disposição da Lei 11.770/2008, diferentemente do salário-maternidade nos 120 dias, os valores pagos na licença prorrogada são custeados pelo empregador, sem possibilidade de abatimento do saldo devedor na apuração das contribuições.

Mas será que tal distinção é suficiente a justificar o diferente tratamento tributário?

Entendemos que não, afinal, a despeito da diferença da fonte pagadora dos 60 dias adicionais de licença, a natureza e o intuito no pagamento dos valores é o mesmo.

Ao que parece, na SC COSIT 27/2013, a RFB quer fazer crer que a licença-maternidade adicional de 60 dias poderia existir de forma autônoma e desvinculada da licença-maternidade de 120 dias, o que sabemos é logica e praticamente impossível. Ambas buscam o mesmo objetivo: garantir a subsistência da mulher (ou homem, nos casos admitidos em lei) durante o período em que seus filhos mais precisam da convivência familiar.


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Nesse sentido, o principal fundamento da decisão do STF no Tema nº 72 aplica-se perfeitamente ao período prorrogado. Se o salário-maternidade como benefício previdenciário não é remuneração, os valores pagos na prorrogação da licença também não são, afinal, não remuneram o efetivo trabalho, mas sim, têm único e exclusivo fim: dar máxima efetividade às normas constitucionais de proteção à maternidade, à infância e ao convívio familiar.

A controvérsia é relativamente recente, mas já tem sido enfrentada por Tribunais Regionais Federais em decisões que ditam o exato sentido e alcance da inconstitucionalidade da tributação do salário-maternidade.

Cabe-nos alertar, de qualquer forma, que a SC COSIT 27 acaba gerando risco e potencial exposição fiscal aos empregadores que não recolhem contribuições patronais e de terceiros sobre a licença-maternidade prorrogada nos termos do Programa Empresa Cidadã, a justificar a adoção de medidas de proteção contra esse equivocado e novo alvo da RFB.

*Thiago Lozano Spressão e Larissa Medeiros Rocha são, respectivamente, advogado da área tributária e advogada da área trabalhista do BMA Advogados.

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