Litigância climática e o julgamento da pauta verde

Decisões inéditas sobre a Pauta Verde provavelmente serão utilizadas como diretrizes para os demais tribunais/Canva
Decisões inéditas sobre a Pauta Verde provavelmente serão utilizadas como diretrizes para os demais tribunais/Canva
STF vem adotando medidas para institucionalizar a Agenda 2030.
Fecha de publicación: 30/03/2022

O Supremo Tribunal Federal (STF) julgará, nesta quarta-feira, sete ações em matéria ambiental (em conjunto, a chamada Pauta Verde). As ações questionam ações e políticas do Governo Federal, seja na forma de alegada omissão administrativa ou de edição de normas que estão sendo questionadas quanto à constitucionalidade, e que, desse modo, contrariariam o direito constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

De forma geral, as discussões estão associadas a diferentes Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), parte da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), a qual, em apertada síntese, constitui um plano de ação mundial desenvolvido pela ONU para orientar as ações de enfrentamento às questões mais urgentes, como as mudanças climáticas e a crescente desigualdade social.

A partir do uso de ações diretas de constitucionalidade, os autores das ações contestam o uso das Forças Armadas para combater ilícitos ambientais, considerando a Operação Verde Brasil 2 (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF 735), além de novas normas que implicariam proteção ambiental deficitária (Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 6808 e ADI 6148) e exclusão da participação popular do Fundo Amazônia (ADPF 651).

Em outras demandas, são alegadas omissões inconstitucionais por parte do Poder Público, considerando sua suposta inação no combate ao desmatamento (Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão ADO 54), bem como a paralisação dos repasses pelo Fundo Amazônia (ADO 59) e das medidas constantes do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (ADPF 760).


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Vale relembrar que a institucionalização da Agenda 2030 ao Judiciário brasileiro é iniciativa pioneira no mundo e recente, mas não de todo nova; em outubro de 2018, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) criou um Comitê Interinstitucional destinado a realizar estudos e apresentar propostas de integração dos objetivos do Judiciário com as metas e indicadores dos ODS e da Agenda 2030.

Em linha com as diretrizes do CNJ, o STF vem adotando há algum tempo medidas para institucionalizar o cumprimento da Agenda 2030. Desde 2019, todas as ações de controle de constitucionalidade e com repercussão geral pautadas para julgamento no Tribunal são classificadas com base nos diferentes ODS associados à matéria discutida.

Essa classificação, além de facilitar a pesquisa e o estudo sobre o tratamento de temas associados a desenvolvimento sustentável pelo Tribunal, também garante prioridade de julgamento para as ações associadas às metas da Agenda 2030.

Assim, a designação em pauta das sete ações ambientais pelo STF, aliada ao mecanismo que as classifica pelo ODS atrelado à matéria, aponta para uma postura ativa do Tribunal de se debruçar sobre temas de desenvolvimento sustentável e, especificamente, de proteção ambiental, e transparece nítida preocupação do Poder Judiciário com a concretização dos ODS.

Não só isso. A judicialização dos assuntos acaba por levar à discussão no STF, sob o prisma constitucional, a efetividade da legislação ambiental vigente e de políticas públicas adotadas pelo Poder Público. Em que pese o Brasil possua robusta legislação ambiental, sendo o direito ao meio ambiente equilibrado assegurado constitucionalmente, não é raro que leis em vigor ainda demandem maior regulamentação para tornarem-se plenamente eficazes.

Pode-se mencionar a Política Nacional sobre Mudanças do Clima (Lei Federal n° 12.187/2009 - PNMC), a qual traz, em linhas gerais, instrumentos, diretrizes e deveres da Administração Pública quanto à mitigação e adaptação às mudanças climáticas, mas carece de disposições específicas quanto às medidas concretas que devem ser implementadas por cada um dos stakeholders para atingir tal objetivo.

Ocorre que a menção a princípios protetivos e a criação de instrumentos pela PNMC, por mais que representem um marco no combate às mudanças climáticas, dependem de adequada regulamentação e efetivação de suas disposições para efetiva operacionalização.

À luz da ausência de concretização dos instrumentos previstos na legislação ambiental e da efetivação da tutela ao meio ambiente, abre-se espaço para discussões acerca da violação ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, como é o caso das ações pautadas.

Assim, em linha com tendência já típica de países do Sul Global no movimento de litigância climática, recorre-se ao Judiciário, para buscar a implementação das leis já existentes. A preocupação maior, portanto, é com a adoção de ações do Poder Público que possam dar efetividade à legislação vigente, deixando as discussões quanto à possibilidade de melhoramento das políticas públicas para o futuro.


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Ainda que as iniciativas ligadas à litigância climática sejam relativamente tímidas no Brasil, percebe-se a sua intensificação, considerando a crescente preocupação com o combate e adaptação às mudanças climáticas, tanto no âmbito nacional quanto internacional.

Nesse sentido, o STF exercerá papel especialmente relevante na condução das discussões sobre a temática, principalmente para avaliar o cabimento de ações de inconstitucionalidade ou de violação de preceitos fundamentais para questionar políticas públicas de determinado governo, sob o viés de violação ao direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (artigo 225 da Constituição Federal).

Caso seja confirmada a viabilidade de questionamento judicial por meio de ações constitucionais, é esperado que as decisões inéditas a serem proferidas no âmbito da Pauta Verde venham a ser utilizadas como diretrizes para os demais tribunais, bem como poderão dar maior visibilidade ao assunto das mudanças climáticas, estimulando a discussão e regulamentação do tema pelas outras esferas de poder.

Dessa forma, independente do teor das decisões do STF, espera-se uma alavancagem das discussões sobre o tema e, possivelmente, ainda maior mobilização e pressão dos stakeholders e da sociedade civil sobre os Poderes Legislativo e Executivo no cumprimento de seus papeis para a operacionalização e consecução de políticas e metas relacionadas ao clima.

*Eduardo de Campos Ferreira, Thais Ferreira Moreno, Claudia Hori e Laura Rodrigues Gonçales são, respectivamente, sócio, advogada sênior, advogada júnior e assessor jurídico da área ambiental do Machado Meyer Advogados.

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