Mais uma politização no Brasil: Huawei e a tecnologia 5G

Mas por que o Brasil não deveria permitir à Huawei a participar do leilão de fornecimento da tecnologia 5G?/Unsplash
Mas por que o Brasil não deveria permitir à Huawei a participar do leilão de fornecimento da tecnologia 5G?/Unsplash
País entra no meio da briga entre as duas maiores potências do mundo
Fecha de publicación: 27/10/2020

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Politiza-se tudo no Brasil hoje em dia. Desde a vacina chinesa ou vacina do Dória, como diz o presidente, à cloroquina, o uso de máscaras, ao mantra “não uso nada da China”. Temos até opinião formada, mas infundada sobre os riscos de importarmos a tecnologia 5G de uma empresa chinesa.

Está tomando proporções globais “planas” o negacionismo e o desprezo pela ciência e o desrespeito descarado de tecladores de “likes” de facebook, dizendo que apesar de não terem uma formação científica, universitária, sobre infectologia e tecnologia 5G, afirmam categoricamente que não confiam em nada que vem da China e pronto.

Fecha-se ainda tentando desconstruir uma explicação racional, ponderada de alguém que dedicou parte da sua vida estudando sobre alguns desses assuntos. Mas o preconceito e a baixa autoestima intelectual percebida até por vestibulandos de psicologia viralizam o debate que deveria ser para elucidar pontos e aspectos importantes, dadas as intempéries que estamos vivendo nesse ano de 2020. Pronto, mais uma “amizade” ceifada das mídias sociais.

Essa semana o Brasil viveu momentos de tensão de final de campeonato futebolístico. Governadores tentando explicar inutilmente para quem já tem suas ideias formadas, jornalistas buscando o confronto óbvio, torcedores de todos os matizes querendo que alguma das partes escorregue nos argumentos para saírem correndo defendendo como cientistas essa ou a outra narrativa.

Já sabemos que técnicas científicas amplamente utilizadas estão ajudando neurocientistas a   descobrirem que o ser humano ao tomar uma decisão ou expor uma opinião geralmente entra em um espécie de conflito com duas partes do cérebro – o córtex cerebral, onde a racionalidade e a lógica prevalecem, e a área abaixo do córtex cerebral (sistema límbico), insula e núcleo accumbens,  que corresponde mais pelas emoções, necessidades presentes, prazer e medo. Se continuarmos com essa postura de ver quem ganha mais nos debates ou leva mais pontos ou likes nessas últimas semanas podemos dizer que a insula de muitos debatedores gritantes está ganhando de lavada.

Mas foquemos o presente artigo sobre a possibilidade de o Brasil permitir que a gigante Huawei participe do leilão de fornecimento de tecnologia 5G para o país, talvez em 2021. Os EUA rapidamente já se mostraram bastante amistosos oferecendo ajuda financeira para que o Brasil logre construir sua nova tecnologia, desde que se possível retire a Huawei da competição.

Urge ressaltar que na mesma semana, os EUA fecharam um acordo de facilitação de comércio com o Brasil, mas também impôs um aumento de tributação de ao redor de 135% sobre as exportações brasileiras de chapas de alumínio para aquele país.

Rapidamente construiu-se uma miríade de experts em tecnologia 5G e inteligência artificial, novamente escondidos por detrás da tranquilidade de seus teclados, mas transparentes em seus raciocínios obtusos dizendo que a Huawei iria roubar informações do Brasil se a empresa fosse escolhida como fornecedora dessa tecnologia.

Cavalo de troia, backbones, celulares espiões, olhos chineses, chips que penetram a pele dependendo do aparelho utilizado. Não faltaram explicações. Das mais absurdas até as mais psicodélicas. Talvez dado o nível de muitas explicações esse humilde escriba não tenha atinado para alguma chacota sublimada no comentário. Pode ser.

Mas por quê o Brasil não deveria permitir à Huawei a participar do leilão de fornecimento da tecnologia 5G? Quem sou eu para afirmar? Seria melhor seguir o rito institucional e ouvir o que o Ministério das Comunicações tem a dizer sobre o risco de termos a empresa chinesa competindo como potencial fornecedora da tecnologia 5G, além do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e o Ministério da Economia - sim, pois cabe a essa instituição também avaliar as potenciais perdas para o nosso agronegócio, dado que a China é o nosso maior comprador de produtos agropecuários -, assim como o ministério das relações exteriores.

Se bem que desse lado nem precisamos achar que ouviremos explicações técnicas, mas pura ideologia contrária ao globalismo, sabe lá exatamente o que isso quer dizer. Por fim, após todas essas opiniões institucionais, deixar a cargo do presidente Bolsonaro e acreditar que seu parecer será pragmático e não subserviente a interesses de outras nações.

Há ainda aqueles que acreditam que ao aceitarmos a Huawei como fornecedora da tecnologia 5G seremos espionados. Ora, os EUA já não nos espionaram há alguns anos? Não, não sou esquerdopata, embora muitos já me chamam assim, apesar de ser apreciador das ideias do economista austríaco Schumpeter, Ludwig von Mises e Milton Friedman. Mas se a geral das mídias sociais já me decifrou assim, quem sou eu para descredenciá-los, após tal avaliação coberta de retidão moral e apolítica?

Há de se levar em consideração que a Huawei está presente no Brasil há pelo menos 18 anos, fornecendo equipamentos de banda fixa e móvel para a maioria das operadoras de telecomunicações no país. No auge da minha ignorância tecnológica, será que ao prover tecnologia 5G, a empresa chinesa finalmente terá acesso às informações confidenciais sobre o Brasil?

Informações essas que nunca conseguiram tê-las mesmo sendo o maior fornecedor de backbones do país? Será que a entrada deles no 5G será classificada como um verdadeiro divisor de águas entre obter ou não informações sobre as nossas atividades secretas? Será que os EUA realmente temem que se a Huawei obter informações sigilosas sobre o Brasil, ela também será capaz de fazer uma triangulação macabra e passar a ter acesso a informações confidenciais dos EUA? Ou essa cortina de fumaça mal consegue esconder o receio dos EUA em admitir que não quer ficar mais para trás ainda nessa corrida tecnológica?

Note, em nenhum momento defendo que essa ou aquela operadora ou empresa seja escolhida como fornecedora da tecnologia 5G, mas partir de um sentimento anti-China, sem um exame crítico sobre o assunto é desprezar a ciência, o bom senso e premiar a subserviência cega à outra nação. Vários muros da cidade já foram pichados com a famosa e manjada frase “países não tem amigos, tem interesses”, só falta agora nós aprendermos e pensarmos primeiro em nós e nos nossos interesses, pragmaticamente.

*Roberto Dumas é professor do Insper e do Ibmec e especialista em mercados asiáticos.

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