A mediação de conflitos no agronegócio

Relações de toda a cadeia econômica dos produtos se tornaram mais complexas/Raylton Alves/Agência Ana
Relações de toda a cadeia econômica dos produtos se tornaram mais complexas/Raylton Alves/Agência Ana
Prática tem sido cada vez mais usada para garantir a solução pacífica e garantir agilidade na resolução de polêmicas.
Fecha de publicación: 10/01/2022

Nos últimos 30 anos observamos o crescimento exponencial do agronegócio brasileiro e a importância dele para o Produto Interno Bruto (PIB) do país, que passou a marcar presença no mercado internacional, quando saiu da posição de importador de diversos produtos agrícolas para ocupar a liderança e vice-liderança na exportação de soja, milho, café, algodão, proteína animal, entre outros. 

Crescimento esse que foi impulsionado por diversos fatores, sendo eles agronômicos, tecnológicos, comerciais, tributários e legais. A ocupação do cerrado brasileiro com sementes e cultivares desenvolvidas para se adaptarem melhor ao bioma; o aumento da demanda chinesa por proteína; a Lei Kandir, que desonera o pagamento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) às exportações de produtos industrializados, primários e semielaborados, e em seguida a Emenda Constitucional que concede imunidade tributária às receitas decorrentes da exportação.

Tem ainda as operações de financiamento privado dos produtores por meio de operações de barter com as indústrias de suprimentos, os contratos de venda de produção à termo com as tradings; e a criação da Cédula do Produto Rural (CPR), em 1994 e suas alterações, são elementos que, a seu modo e tempo, tiveram contribuição no avanço do agronegócio.

Nesse cenário precisamos ressaltar que, ao passo que a produção agropecuária brasileira começou a se expandir, as relações intersubjetivas de toda a cadeia econômica dos produtos também se tornaram mais complexas. Desde a forma de aquisição desses suprimentos até os contratos de integração vertical, de parceria agrícola e arrendamento de terras. Logo, os atores que compõem esses enredos passam a lidar com novas situações jurídicas e, na mesma proporção, com novas fontes de potenciais conflitos entre eles.

Novamente, com o crescimento das exportações brasileiras das commodities agrícolas, essas fontes de conflitos se internacionalizaram, o que trouxe novas questões como jurisdição e legislação aplicáveis aos contratos e os meios adequados para a solução dos conflitos deles decorrentes. Sim, novos métodos de solução de conflitos, visto que os desafios enfrentados no agronegócio refletem no Estado, especialmente, no Poder Judiciário, que muitas vezes é chamado para apaziguar divergências cada vez mais específicas e complexas, dos quais seus membros têm pouco ou até mesmo nenhum conhecimento.

De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2019 houve 77,1 milhões de processos em tramitação, pendentes de solução definitiva, o que confirma a crise no Judiciário brasileiro. Esse mesmo relatório mostra que um processo dura, em média, cinco anos e dois meses no Judiciário, e o acervo total não para de aumentar, uma vez que o número de novos processos que entram é bem maior do que o número de encerrados.

Além disso, é inegável que os julgadores não têm como conhecer bem a natureza de todas as relações dos conflitos que lhes são apresentados, sejam elas comerciais, políticas, afetivas ou culturais. Vale dizer o quanto esse cenário é prejudicial para o agronegócio, que precisa de um instrumento mais ágil e eficiente para resolver essas situações. 

Pensamos que a característica mais importante da cadeia produtiva e, consequentemente, econômica do agro se pauta na safra. Ou seja, a cada safra o processo de aquisição de insumos necessários à preparação da lavoura (sementes, fertilizantes, defensivos, por exemplo); renovação de frota; manutenção de silos, armazéns, usinas; contratação de mão-de-obra de safristas; financiamento de todas as operações; e ao final da safra, venda e compra do produto; quitação das obrigações financeiras; exportação ou industrialização da mercadoria, se repete. Sendo assim, as relações também seguem essa mesma ordem. São estabelecidas por safras, e com isso queremos dizer que as interações comerciais e jurídicas se repetem de forma cíclica a cada safra.

Desse modo, é importante que, havendo o surgimento de divergências entre dois ou mais atores econômicos participantes dessa cadeia produtiva, os envolvidos levem em consideração soluções que mantenham as portas abertas para a celebração de negócios futuros, diante do possível reencontro dos sujeitos na safra seguinte, apontando a mediação, que é um método consensual e voluntário de solução de conflitos entre os interessados, como excelente método de pacificação da controvérsia.

Este instrumento jurídico é exercido por um mediador, que por sua vez é uma terceira pessoa, totalmente imparcial, sem poder decisório, que irá apenas estimular e auxiliar os players do processo a identificarem soluções que gerem benefícios para ambas as partes. Porque não há ninguém mais capaz de mensurar os reflexos que qualquer decisão tomada sobre o que determinada relação possa implicar, do que as próprias partes envolvidas. É um ótimo método, que deve ser bem mais explorado. 

Por sua inegável importância para a economia, crescimento e relações cada vez mais complexas, a mediação tem sido cada vez mais usada para garantir a solução pacífica de conflitos e garantir agilidade na resolução de entraves polêmicos, evitando a judicialização, seus custos e morosidade.

*Francisco Galli, Frederico Favacho e Marcos Hokumura Reis são autores do livro “Gestão de Conflitos no Agronegócio”.  

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