
A Resolução nº 3 do Conselho Nacional de Política Energética - CNPE (Resolução CNPE nº 03/2022) foi publicada e entrou em vigor no início de maio, dando um passo adicional rumo a um novo e concorrencial mercado de gás natural.
Além de reproduzir e consolidar diretrizes, premissas e princípios previstos em resoluções anteriores, a Resolução CNPE nº 3/2022 estabelece novas orientações e medidas para a abertura do mercado durante o período de transição.
A Resolução CNPE nº 3/2002 dá continuidade às iniciativas elaboradas desde o programa Gás para Crescer, sucedido pelo programa Novo Mercado de Gás, e à aprovação da Nova Lei do Gás (Lei nº 14.134, de 8 de abril de 2022), com o objetivo de promover diversidade de agentes, aumento da liquidez, competitividade, acesso à informação e adequação às práticas internacionais no setor.
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As principais diretrizes adicionais previstas na Resolução nº 3/2022 para o período de transição envolvem: atuação coordenada entre os agentes da indústria de gás natural; concentração das operações de compra e venda de gás natural em um ponto virtual de negociação e seu uso como referência para os produtos relacionados à flexibilidade e ao balanceamento de rede; padronização dos contratos de compra e venda, segundo guias orientativos a serem publicados pelo Ministério de Minas e Energia (MME) no seu portal eletrônico; redução gradual da tarifa relacionada às interconexões entre áreas de mercado de capacidade; adequação de procedimentos e padrões utilizados pelos agentes da indústria do gás natural ao novo desenho de mercado e simplificação dos processos de oferta de capacidade de transporte de gás natural, que devem ser promovidos com periodicidade predefinida e com cronogramas amplamente divulgados.
O MME, em articulação com Ministério da Economia, ANP, EPE e CADE, deverá continuar o monitoramento da implementação das ações necessárias à abertura do mercado de gás. Nesse sentido, publicará no seu portal eletrônico o acompanhamento dos prazos indicativos para a conclusão, pelos agentes da indústria, do conjunto de providências necessárias para a adequação ao novo desenho de mercado, incluindo:
- Interconexão dos gasodutos de transporte para a formação do sistema de transporte, devendo a ANP conduzir de forma célere o processo de fusão de áreas de mercado de capacidade do sistema de transporte;
- Disponibilização de plataformas eletrônicas para oferecimento de capacidade de transporte, para balanceamento das áreas de mercado de capacidade e para comercialização de gás natural, incluindo o mercado de curto prazo;
- Disponibilização de sistemas de tecnologia de informação para a troca de informações entre os usuários e os operadores das redes;
- Processos de elaboração do código de conduta e prática de acesso à infraestrutura, de elaboração dos códigos de rede e de constituição do conselho de usuários do sistema de transporte;
- Disponibilização, pelo proprietário ou operador de instalações de escoamento, processamento e terminais de GNL, de informações necessárias à transparência para o acesso por terceiros.
Espera-se que os agentes observem algumas medidas durante o período de transição, incluindo a adoção do ponto virtual de negociação da respectiva área de mercado de capacidade como o ponto de transferência de propriedade das suas transações, participação ativa na comercialização de curto prazo, a atuação de participantes do mercado atacadista de gás natural como carregadores, a oferta de serviços de transporte padronizados, e que leve em consideração as preferências dos novos usuários (inclusive no que tange à adequação dos contratos de transporte vigentes).
Além disso, há a conclusão de negociações entre operadores de instalações e infraestruturas essenciais e o terceiro interessado no acesso em até 180 (cento e oitenta) dias, e, por fim, que o planejamento e a operação das infraestruturas de movimentação, processamento e regaseificação de gás natural não sejam utilizadas de forma a criar barreiras que impeçam o acesso ao mercado de gás natural e prejudiquem a concorrência.
Não havendo acordo entre terceiros interessados e operadores de instalações e infraestruturas essenciais, a ANP poderá atuar para verificar a existência de eventuais condutas anticoncorrenciais ou de controvérsias entre as partes, sendo recomendada pelo CNPE a deliberação sobre o caso em 90 (noventa) dias, em cumprimento à legislação aplicável.
A Resolução CNPE nº 3/2022 manifesta o interesse de que a Petrobras, como agente que ocupa posição dominante no setor, utilize seu portifólio de gás natural para a oferta de contratos de compra e venda de gás natural no caso de descontinuidade de suprimento de usuários finais em virtude do processo de adequação do mercado durante o período de transição, de forma a garantir o abastecimento nacional.
E, ainda, que os contratos de compra e venda de gás natural oferecidos pela Petrobras tenham cláusula específica que possibilite a redução da quantidade contratada pelo adquirente, sem aplicação de qualquer penalidade, no limite mínimo de um terço do volume contratado.
Especificamente com relação às infraestruturas essenciais, a resolução detalha princípios gerais do acesso não discriminatório e negociado, até a efetiva regulação do tema pela ANP, incluindo o dever das partes de cooperarem ativamente, com boa-fé e integridade além de pautarem sua conduta na boa governança corporativa, de forma que as negociações não forneçam a uma das partes uma vantagem excessiva às custas de outra.
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As condições de acesso negociado devem ser estabelecidas previamente pelo operador ou proprietário e amplamente divulgadas, nos termos da Lei e da regulação, e não deve ser exigida participação societária como condição para o acesso. No mesmo sentido, a remuneração para o acesso deve ser baseada em critérios objetivos bem como deve considerar um retorno justo e adequado do investimento, a partir de uma prestação de serviço eficiente, devendo toda recusa ao acesso ser devidamente justificada.
Por fim, a Resolução reproduz recomendações anteriores para a coordenação entre órgãos da administração e entre os governos federal e estaduais, e recomenda que a ANP, em articulação com o Ministério de Minas e Energia, o Ministério da Economia e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), elabore, no prazo de até 180 (cento e oitenta) dias, diagnóstico acerca das condições concorrenciais do mercado de gás natural e proposta de programa para liberação progressiva de gás natural por parte da Petrobras e incentivo à participação de outros produtores.
O caminho para um mercado dinâmico, competitivo e com múltiplos agentes ainda é longo. Ainda que as previsões trazidas pela Resolução CNPE nº 03/2022 não sejam integralmente inéditas, a consolidação e adaptação de diretrizes e princípios previstos em resoluções anteriores do CNPE, assim como sua complementação com base na Nova Lei do Gás, em um só documento, apontam aos agentes envolvidos a direção a ser seguida para que seja implementando o mercado de gás natural concorrencial no Brasil.
*Marcello Portes da Silveira Lobo e Luccas Castelar de Miranda Reis são, respectivamente, sócio e advogado do Pinheiro Neto Advogados.
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