Não precisamos de PEC 186, precisamos de auxílio emergencial

Plenário da Câmara dos Deputados analisa destaques à PEC Emergencial/ lenárPablo Valadares/Câmara dos Deputados
Plenário da Câmara dos Deputados analisa destaques à PEC Emergencial/ lenárPablo Valadares/Câmara dos Deputados
Especialista defende que é necessário reforçar as áreas de saúde, educação, assistência social e segurança alimentar para combater as diversas facetas da crise que enfrentamos.
Fecha de publicación: 10/03/2021

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O Executivo prometeu aprovar a PEC 186/2019, mais conhecida como PEC Emergencial. O texto aprovado na Câmara dos Deputados segue para o Senado que já havia feito alterações importantes no sentido da garantia de direitos, principalmente a retirada da desvinculação de recursos para a saúde e a educação. Entretanto, ele mantém a condicionalidade do congelamento de gastos para a aprovação do auxílio emergencial – um argumento já refutado em 2020, quando o governo não só conseguiu orçamento para o auxílio com os instrumentos fiscais vigentes como não o executou em sua totalidade: sobraram R$ 29 bilhões destinados ao programa. Agora, a PEC insere um gasto ínfimo para a manutenção do benefício e não prevê recursos para outras políticas de enfrentamento à pandemia.

 

O foco principal da PEC 186/2019 é a criação de gatilhos que congelam gastos públicos obrigatórios, que poderão ser acionados, a princípio, em três situações: publicação de um Decreto de Estado de Calamidade Pública de âmbito nacional; quando da proporção entre despesa primária obrigatória e despesa primária total supera 95% - para a União; quando da proporção entre despesa corrente e receita corrente supera 95% (automático) ou 85% (opcional) - para estados e municípios.


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Quando acionados, o Estado fica proibido de: criar cargos e contratar por concurso; criar qualquer despesa obrigatória; reajustar salários (até pela inflação); dar progressão/promoção aos servidores públicos.

 

Com a exceção de: militares, contratação via empresas terceirizadas e servidores temporários. O governo está tentando uma emenda para adicionar os policiais nessas exceções.

 

O governo argumenta que só com a aprovação desta PEC e de um novo Estado de Calamidade, será possível realizar gasto de R$ 44 bilhões para o auxílio emergencial - estimado pelo Ministério da Economia no valor médio de R$ 250 por pessoa. Porém, o recurso do ano passado foi aprovado sem a criação de nenhuma amarra fiscal adicional, apenas com a aprovação do Estado de Calamidade e criação de créditos extraordinários, mostrando que novos recursos arrecadados com ferramentas legítimas não implicam necessariamente em redução de políticas sociais existentes.

 

Vale ressaltar que estes R$ 44 bilhões alocados para o enfrentamento à pandemia representam apenas 8,3% do total gasto para a luta contra a Covid-19 no ano passado. Assim, a PEC desconsidera todos os outros gastos necessários, como despesas com saúde ou medidas para apoiar empregados formais e micro e pequenas empresas.

 

O congelamento de salários e a não realização de concursos, em sua essência, não cria novos recursos agora, pois todas e todos que atualmente estão na folha de pagamentos do Estado se manterão, só não haverá aumento da folha. Ademais, como explica a entrevista de Guilherme Melo (Unicamp), com a perpetuação da política de austeridade fiscal e da crise econômica, a queda na arrecadação é dada, o que diminuirá o espaço para o gasto discricionário (não-obrigatório), perpetuando a relação entre despesa total e a obrigatória. Em outras palavras, os gatilhos, que a princípio são para situações emergenciais, na verdade podem gerar muitos anos de congelamentos de despesas obrigatórias - entre as quais, vale lembrar, estão o gasto com saúde, educação e o pagamento da previdência.

 

Por que, então, esta discussão estrutural sobre novas regras fiscais e gatilhos se eles não vão resolver o problema em questão, o enfrentamento à pandemia? Porque desestruturar e privatizar a máquina pública é a agenda de Guedes e Bolsonaro desde o começo do seu governo e a PEC Emergencial é um grande impulso nessa direção, ao desvalorizar o servidor público - com a pontual e conveniente exceção dos militares; ao aumentar o número de temporários e terceirizados, escolhidos livremente pelos políticos ou favorecendo empresas e fomentando a corrupção; e ao obrigar a redução das despesas obrigatórias.

 

É importante mencionar um possível lado positivo da PEC 186/2019: os benefícios tributários, a princípio, deverão ser revisados e diminuídos gradualmente. O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) enfatiza há anos, em sua campanha Só Acredito Vendo, a necessidade de reforma dos incentivos fiscais, que consomem mais de R$ 300 bilhões por ano, não são transparentes, beneficiam grandes empresas e não possuem o mesmo processo de aprovação e participação popular que os gastos orçamentários.

 

A PEC 189/2019, porém, apenas afirma a necessidade de apresentação, pelo governo federal, de um projeto de lei que leve à redução dos benefícios de 4% (valor atual) para 2% do PIB, em até oito anos. Nada garante que ele será aprovado. Por que essa rapidez dos gatilhos e estas incertezas sobre a real redução dos incentivos fiscais? Pois é muito mais fácil cortar políticas públicas do que os lucros das grandes empresas.

 

O auxílio de R$ 44 bilhões, proposto pela PEC emergencial, é insuficiente para atender as demandas atuais. Não só porque R$ 250 reais é muito pouco para manter uma família por um mês, mas porque ainda estamos no meio de uma pandemia, que está mais dramática do que nunca. O Brasil está enfrentando um dos piores momentos da Covid-19, com mais de mil mortes diárias, colapsos nos sistemas de saúde de vários estados e alto índice de desemprego no país. O governo alocou R$ 293,1 bilhões para o auxílio em 2020, a partir da pressão da sociedade e do Congresso Nacional.


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O governo poderia ter em 1º de janeiro de 2021 renovado o auxílio emergencial - era só empregar os mesmos mecanismos fiscais utilizados ano passado. Não fez porque não quis. Porque, ao fingir que a pandemia acabou em 2021, aposta na política de morte. Agora ele ignora a situação dramática que vivemos e quer condicionar o auxílio à desestruturação dos serviços públicos brasileiros.

 

As consequências na pandemia, porém, não serão resolvidas somente com a aprovação do auxílio emergencial: é necessário reforçar as áreas de saúde, educação, assistência social e segurança alimentar, para combater as diversas facetas da crise que enfrentamos.

 

*Livi Gerbase é assessora política do Inesc e atua na área de orçamento público, justiça fiscal e no monitoramento de instituições financeiras internacionais.

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