Há mais de 200 anos foi fundado em Nova York o famoso escritório de advocacia que hoje conhecemos como Cravath Swaine & Moore LLP. Em 1819, quando Richard Blatchford estabeleceu seu escritório na 140 Water Street da cidade de Nova York, começou a história do que hoje é o paradigma do Big Law.
O “Sistema Cravath”, como é conhecido o modelo de negócio desenvolvido por este escritório, e que tem dado origem a muita literatura sobre o assunto, baseia-se principalmente na captação dos melhores talentos das mais conceituadas faculdades de Direito, utilizando a "alavancagem", isto é, tendo a base da pirâmide de advogados juniores em tempo integral fazendo a maior parte do trabalho jurídico para os clientes, criando um "torneio" para que os advogados juniores possam alcançar a categoria de sócio sob uma política de "up or out", um controle estrito do número de proprietários da empresa, e a popular cobrança por hora.
Embora o "Sistema Cravath" ainda esteja presente na grande maioria dos escritórios de advocacia - mesmo depois de mais de um século desde que Paul Cravath pensou nisso, as coisas parecem estar mudando; ou para ser mais preciso, as coisas deveriam começar a mudar.
A tecnologia e a inovação disruptiva poderiam estar removendo as bases de um dos setores mais conservadores da economia: a advocacia.
Hoje enfrentamos um mercado muito mais competitivo do que aquele que Paul Cravath e seus sócios tiveram que enfrentar. Em 1900, nos Estados Unidos havia apenas 108.000 advogados, enquanto que em 2020 estimava-se que havia 1,33 milhões de advogados.
Se ao aumento do número de advogados adicionarmos mercados mais globalizados, tecnologia que substitui certas tarefas que os advogados regularmente realizavam, e outros profissionais que hoje criaram empresas alternativas aos tradicionais escritórios de prestação de serviços jurídicos, o cenário é muito mais competitivo do que se via no início do século 20 no escritório da Water Street em Nova York.
Essa maior competência e um mercado mais exigente não é monopólio dos Estados Unidos. O mesmo aconteceu em países europeus e latino-americanos. Basta pensar no mercado jurídico há 30 ou 40 anos para que qualquer observador atento conclua que as coisas mudaram, ainda que tudo continue mais ou menos igual.
Todo o exposto anteriormente exige que os escritórios de advocacia voltem a pensar seu modelo de negócio. Pensar em curto prazo já não é estratégia. Acreditar que os clientes seguirão ali, que os advogados farão carreira dentro do escritório, que o faturamento por hora seguirá funcionando e que as advogadas mulheres estarão apenas um tempo para depois irem se dedicar à família, é uma forma de ver o negócio jurídico que não encaixa com a velocidade das mudanças e as novas demandas dos colaboradores e dos clientes.
É difícil imaginar o futuro e a imaginação tende a ir mais rápido do que a reflexão pausada e consciente. Consequentemente, geralmente encontramos "especialistas" que tendem a se aventurar em mudanças radicais na profissão jurídica, como se a história fosse fácil de apagar e os advogados fossem sujeitos que da noite para o dia deixam de ser egocêntricos, céticos, avessos ao risco e individualistas. As coisas não tendem a mudar tão rápido, muito menos quando estamos parados na zona de conforto. Tudo indica que para enfrentar os desafios que vem pela frente, devemos estar preparados, pensar a estratégia para enfrentar essas mudanças e adequar, ou repensar corretamente o modelo de negócio ao qual estão acostumados os advogados.
Mesmo que ainda não tenha sido inventada a fórmula do sucesso, a chave está, me parece, em colocar o esforço em dez questões que são fundamentais para enfrentar os próximos anos. É o que vou chamar de “Decálogo para os escritórios de advocacia do século XXI”.
Primeiro, colocar os clientes no centro do negócio. Os escritórios de advocacia devem desenhar todos seus processos e fluxos de trabalho em torno do cliente. Tudo, desde a captação até a prestação dos serviços jurídicos, e seu “pós-venda”, é focado na experiência do cliente. Isto requer entender o que seus clientes querem e ser capazes de dar a eles o que querem.
Segundo, manter as finanças controladas e organizadas. Isto significa formular um pressuposto anual e fazer seu acompanhamento, manter uma gestão de tesouraria adequada, controlar os custos, tomar decisões estratégicas avaliando seu impacto econômico e contar com um adequado sistema de compensação.
Terceiro, inovar, criar valor com novas soluções. Inovar em uma firma jurídica significa acrescentar novos processos e melhorar os existentes, abrir áreas de prática em temas onde haja uma necessidade de mercado. Inovar não é só incorporar tecnologia, é adotar novas maneiras de perceber os clientes a partir de novas formas de gerar valor.
Quarto, ser diferentes. Os escritórios de advocacia têm que explorar suas fortalezas e singularidades que permitam conseguir vantagens competitivas através da diferenciação. Ser diferente é ser criativo. É necessário fugir da comoditização, de fazer mais do mesmo.
Quinto, ser eficientes. A eficiência significa alcançar uma maior produtividade. Isto é, obter os máximos resultados com a mínima quantidade de recursos. Necessitamos grandes escritórios para prestar nosso serviço? Uma firma eficiente será a que obtém mais por menos.
Sexto, ter uma marca reconhecida. O prestígio do escritório e seus advogados é essencial. Já não se trata apenas de confiança; a marca é reputação, ética, compromisso com a sociedade, conhecimento e experiência demonstrável.
Sétimo, ter lideranças corporativas e individuais. Os líderes necessitam resiliência para persistir diante de mudanças nas demandas dos clientes e a capacidade de empatizar com os demais e construir relações de trabalho próximas, tornando-se mais acessível e interagindo com suas equipes e clientes.
Oitavo, colocar as pessoas no centro para criar aprendizado, respeito e compromisso com o escritório. Os advogados e advogadas são o principal capital de um escritório, e é necessário cuidar deles. Há que conhecer suas capacidades e habilidades, mas também seus sentimentos, necessidades e expectativas.
Nono, crescer fazendo os colaboradores, os clientes, os sócios e o escritório crescerem. Para crescer é necessário contratar as pessoas corretas, manter as adequadas e dispensar aquelas que não sejam uma contribuição para o escritório, mas não medido em horas faturáveis ou captação de clientes. Há que cuidar dos clientes e acompanhá-los em seus negócios. E os sócios devem projetar um sistema de remuneração que beneficie o escritório e gere incentivos de longo prazo para garantir seu crescimento.
Décimo, trabalhar em equipe. Uma cultura colaborativa onde se fomente o trabalho em equipe é fundamental para o sucesso das firmas. E se essas equipes são formadas por profissionais de diferentes disciplinas, muito melhor. A complexidade das necessidades jurídicas atuais dos clientes requer que os escritórios ofereçam equipes de profissionais multidisciplinares. Trabalhar em equipe, onde todos contribuem e aprendem, permite oferecer um melhor serviço que é muito valorizado pelos clientes.
Independentemente das perguntas que a pandemia nos trouxe, este é um bom momento para os escritórios de advocacia, pelo menos se acreditarmos nos dados de faturamento que circularam em diferentes jurisdições. No entanto, o risco é permanecer imobilizado na bonança quando as coisas estão mudando em volta. Em um mundo onde a mudança avança a uma velocidade exponencial, quase tudo vale, menos ficar parado.
*Rafael Mery é diretor para LATAM na Mirada 360º. E-mail: [email protected]
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