A nova lei de licitações e os riscos contratuais

É de suma importância bem compreender as características de cada modelagem contratual e a divisão de riscos mais adequada ao seu bom funcionamento/Unsplash
É de suma importância bem compreender as características de cada modelagem contratual e a divisão de riscos mais adequada ao seu bom funcionamento/Unsplash
Veja a melhor maneira para tornar o contrato justo, equilibrado e eficiente.
Fecha de publicación: 22/06/2021

A nova lei de licitações (Lei nº 14.133/21) traz importantes novidades, hauridas da iniciativa privada, cujo emprego trará vantagens em termos de eficiência e economia nas contratações públicas.

 

Nesse aspecto, ostenta especial importância a regra do art. 22, segundo a qual o “edital poderá contemplar matriz de alocação de riscos entre o contratante e o contratado, hipótese em que o cálculo do valor estimado da contratação poderá considerar taxa de risco compatível com o objeto da licitação e com os riscos atribuídos ao contratado, de acordo com metodologia predefinida pelo ente federativo”.


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A matriz de risco a ser delineada pelo gestor público deverá “promover a alocação eficiente dos riscos de cada contrato e estabelecer a responsabilidade que caiba a cada parte contratante, bem como os mecanismos que afastem a ocorrência do sinistro e mitiguem os seus efeitos, caso este ocorra durante a execução contratual”. (parágrafo primeiro)

 

Quem atua na área da construção de obras públicas conhece bem as infindáveis discussões geradas pela ausência de matriz de riscos previamente estabelecidas, mas deve-se advertir que a má alocação de riscos pode ser tão nefasta quanto a sua ausência.

Por esse motivo, é de suma importância bem compreender as características de cada modelagem contratual e a divisão de riscos mais adequada ao seu bom funcionamento, pois, do contrário, ao invés de eficiência e economia, a concertação causará dificuldades e prejuízos às partes.

 

Isso porque riscos inadequadamente alocados geram distorções, tais como imputação de responsabilidades que a parte não é capaz de suportar, aumento de litígio, ruína financeira do contratado e, até mesmo, a inviabilidade de conclusão da obra.

 

Por outro lado, a divisão clara de riscos, além de evitar as questões acima, permite ao empreiteiro dimensionar sua proposta comercial de modo mais adequado, sem contingenciar eventuais despesas de custeio de riscos, cuja alocação não é certa. A clareza do espectro de responsabilidade atribuível aos contratantes torna a precificação mais eficiente e evita litígios desnecessários e custosos.

 

Qual seria, porém, a alocação adequada de riscos para tornar o contrato justo, equilibrado e eficiente? A resposta depende da estrutura contratual desenhada para levar a termo o projeto construtivo.

 

Obras cujo projeto seja de autoria do dono da obra (contratante), por exemplo, deve conter estrutura de alocação de riscos diversa daquelas em que referida tarefa fica a cargo do empreiteiro (contratado).

 

Sobre o tema, os contratos FIDIC (Fédération Internationale des Ingénieurs-Conseils) constituem fonte rica e segura de boas práticas. Nas “Condições Contratuais para Trabalhos de Construção”, o Red Book, recomendadas para trabalhos de construção e engenharia projetados pelo dono da obra, a alocação de riscos é definida no capítulo 17, abordando questões relativas a danos a pessoas, riscos a bens de terceiros, perdas e danos nos trabalhos, bens e documentos do empreiteiro, riscos assumidos pelo contratante e pelo contratado.

 

Entre os riscos alocados ao contratante, podem-se mencionar os decorrentes de licenças e alvarás para mobilização do contratado ou início dos trabalhos, de problemas do projeto ou de fenômenos físicos imprevisíveis ao empreiteiro experiente, na data de apresentação de sua proposta etc.   

 

O empreiteiro, de regra, tem sua responsabilidade limitada ao valor de sua proposta e envolve danos, perdas e despesas relacionadas à má execução do projeto, defeitos construtivos, ausência de guarda dos trabalhos ou de bens relacionados à obra etc. Ocorre, contudo, que a boa alocação de riscos entre os contratantes poderá ser de pouca serventia caso não haja rígido controle e tempestivo aviso sobre acontecimentos com reflexos na qualidade, preço ou prazo pactuados.

 

Assim, para além da estruturação mencionada, os padrões contratuais FIDIC contém criterioso sistema de comunicação de eventos geradores de riscos, a fim de proporcionar rápida solução e evitar surpresas prejudiciais a qualquer das partes envolvidas. Nesse intuito, são estipulados prazos rigorosos de comunicação formal entre as partes que, se desobedecidos, acarretam a perda do direito de reivindicações de extensão de prazo ou de recomposição financeira dos prejuízos sofridos. A parte notificada do problema, por sua vez, tem o dever de responder à reivindicação em prazos igualmente predeterminados, tudo com o objetivo de evitar ou solucionar os conflitos, tão logo eles ocorram.

 

Por isso, imediatamente após ter ciência de, ou considera haver, fato capaz de gerar reivindicações de prazo ou de preço, a parte deve notificar o outro contratante, avisando-o, detalhadamente, do ocorrido e das suas respectivas repercussões.


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O contrato exige, portanto, alto índice de cooperação, exercitada pela constante troca de comunicações, sem receio, de qualquer das partes, de ofender a outra. Maturidade, profissionalismo e boa-fé são, pois, palavras de ordem para o bom relacionamento entre dono da obra e empreiteiro em contratos como os padrões FIDIC, que exigem não apenas a adequada alocação de riscos, mas, também, rigoroso controle dos eventos geradores de responsabilidade.

 

Logo, para tornar efetivas suas benfazejas soluções legais de aprimoramento da contratação pública, a nova lei de licitações dependerá não apenas de boas estruturas contratuais, mas de efetiva mudança de cultura na gestão executiva dos contratos de construção.  

 

*Rafael Marinangelo é sócio do RGSA Advogados e autor do livro “Recomendações FIDIC para orientação de contratos de projetos e obras”, reconhecida pela FIDIC como bibliografia de referência no assunto.

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