As novas regras para a publicidade na advocacia estão aí: e agora, o que fazer?

O desafio agora passa a ser outro: distinguir-se em meio às muitas vozes que vão elevar seu tom e a outras que vão surgir/Freepik
O desafio agora passa a ser outro: distinguir-se em meio às muitas vozes que vão elevar seu tom e a outras que vão surgir/Freepik
Novo provimento ainda deixou lacunas, como "emprego excessivo de recursos financeiros", o que deve gerar interpretações diversas em todo país.
Fecha de publicación: 24/09/2021

Os profissionais do Direito eram, ironicamente, os mais sujeitos à insegurança jurídica quando recorriam a práticas de marketing e comunicação, como por exemplo, ao usarem mídias e recursos como YouTube, Instagram, Facebook, Google Ads e outras ferramentas bastante comuns na publicidade voltada a outros mercados. Isso resultava de uma norma pouco clara que não balizava princípios que norteassem a normatização do uso de ferramentas que se popularizaram após sua redação, há mais de duas décadas.

 

Desta forma, é um avanço significativo a aprovação, em julho, da nova regulamentação sobre marketing jurídico pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB). O novo provimento traz definições mais claras sobre diversas formas como profissionais e escritórios poderão divulgar suas capacitações. Por outro lado, apesar do tempo e dos esforços voltados a dar a maior amplitude possível à regra, mantém lacunas consideráveis.

 

Revogado, o Provimento 94, de 2000, levava as seccionais e seus tribunais de ética e disciplina a interpretações por vezes antagônicas quanto ao que era ou não permitido na publicidade voltada à advocacia. Além de maior clareza quanto a uso e patrocínio de postagens em mídias sociais, aquisição de palavras-chave no Google Ads e outras possibilidades nas práticas de marketing e comunicação, o novo regulamento dispõe de mecanismos que possibilitam tanto sua atualização de forma mais célere quanto a pacificação de entendimentos que norteiem o trabalho das comissões de fiscalização das seccionais e decisões dos tribunais de ética e disciplina.


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A norma estabelece a criação do Comitê Regulador do Marketing Jurídico, órgão consultivo que, além de orientar o veredito de casos tratados por seccionais, poderá sugerir  alterações ao provimento para o Conselho Federal, especialmente quanto a adequações e atualizações do seu anexo único.

 

Neste, constam definições de meios e ferramentas, com detalhamento sobre seus usos. Sendo um elemento apartado das normas basilares do regulamento, poderá incorporar novas práticas de mercado e tecnologias continuamente, evitando que se tenha uma regulamentação datada, como sua antecessora.

 

Este comitê contaria com um especialista em marketing, algo bastante adequado, já que não se espera que advogados e integrantes do Conselho Federal tenham profundo conhecimento sobre as práticas deste mercado. Este, no entanto, foi excluído na última reunião, com o argumento de que o grupo poderia convocar especialistas de quaisquer áreas conforme a necessidade de cada caso analisado.

 

Ocorre, porém, que a presença de um integrante com este perfil, além de entender a identidade do comitê, possibilitaria identificar qual o especialista mais adequado para cada questão. Diversas especialidades, como comunicação institucional, publicidade, propaganda (cujas diferenças não foram abordadas no provimento), assessoria de imprensa, dentre outras, compõem o marketing.

 

Resta a dúvida se o comitê saberá identificar qual dessas áreas dispõe de profissionais aptos a responder às questões apresentadas nas reuniões. Sem que se tenha definido o intervalo de tempo para a realização desses encontros, erros nesta indicação poderiam comprometer a celeridade na geração de pareceres.

 

A clareza quanto a vetos e liberações, no entanto, ainda deixa margem a dúvidas. Em nenhuma das reuniões em que o Conselho Federal da Ordem dedicou-se à análise da proposta para o novo provimento, foi mencionado se o regulamento aplica-se a ações de marketing de escritórios brasileiros no exterior. Não se sabe, portanto, se divulgações feitas, por exemplo, nos Estados Unidos – onde praticamente não há limitações neste sentido – ficam sujeitas à análise das seccionais a que respondem os escritórios ou às normas locais.

 

Dúvidas também pairam sobre o quão efetiva será a coibição de abusos. O regulamento prevê que as seccionais poderão conceder poderes coercitivos às suas comissões de fiscalização. Optou-se pela não obrigatoriedade a fim de não ferir os regimentos das seccionais. Ocorre que a falta de poderes torna inócua a ação dessas comissões. Sendo facultativa, a delegação dessas atribuições fica sujeita à gestão das seccionais, podendo ser revogada ou concedida a cada gestão, o que poderá implicar na falta de continuidade à observância do regulamento.

 

É justo que, diante de um tema tão amplo e complexo, alguns pontos não sejam observados ou amplamente cobertos. Mas, a subjetividade da restrição quanto ao “emprego excessivo de recursos financeiros” no marketing de conteúdos jurídicos deve gerar interpretações diversas, considerando as diferentes realidades da advocacia existentes no país.

 

Acima disso, sob qualquer ótica, é praticamente impossível controlar os investimentos realizados pelos escritórios e advogados. Dessa forma, a redação torna-se mais um convite ao “bom senso” - por mais subjetivo que também possa ser –na sua aplicabilidade.

Vale destacar que a essência do provimento não mudou, e a palavra de ordem que permanece é “sobriedade”.

 

Os meios podem ser diversos, mas a falta de cuidado com a forma é o que pode resultar em punições. O texto evoca continuamente o Código de Ética e Disciplina da atividade e o Estatuto da Advocacia, reforçando o veto a mercantilização, oferta de serviços, promessa de resultados, menção a valores e informações sobre instalações físicas.

 

Privilegia, assim, a manifestação das qualificações profissionais de advogados e escritórios. A partir deste conceito, a divulgação de mensagens que demonstrem efetivamente o conhecimento técnico e de mercado e a capacidade intelectual possibilita, em boa medida, a equiparação entre grandes, médios e pequenos.


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Se há pontos que o novo regulamento não contempla, espera-se que, ao serem apreciados durante sua aplicação, a ele sejam incorporados. O certo é que o marketing jurídico está aprovado e dispõe de regras mais claras para que advogados possam se valer de um leque bem mais amplo de ferramentas em sua publicidade.

 

Muito se pediu pela “modernização” do provimento e ela veio. O desafio agora passa a ser outro: distinguir-se em meio às muitas vozes que vão elevar seu tom e a outras que vão surgir. A concorrência no marketing e a comunicação dos profissionais do Direito e escritórios de advocacia começam efetivamente agora. Nunca foi tão importante a esses agentes saber o que os distinguirão e qual o melhor conteúdo que terão a oferecer ao mercado.

 

*Andreia Gomes é especialista em marketing jurídico, fundadora da AGomes Marketing e cofundadora da Latin America Legal Marketing Alliance (LALMA).

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