O combate a fraudes e atos de corrupção em tempos de pandemia

Fraudes e corrupção em contratações emergenciais para fins de combate à pandemia podem nos custar milhares de vidas/Pixabay
Fraudes e corrupção em contratações emergenciais para fins de combate à pandemia podem nos custar milhares de vidas/Pixabay
Para prevenir eventuais irregularidades é necessário que haja esforços e iniciativas eficazes, principalmente por parte da administração pública.
Fecha de publicación: 12/06/2020
Etiquetas: COVID-19

As medidas emergenciais que vem sendo tomadas durante a pandemia da Covid-19 são necessárias para agilizar determinadas ações e processos da administração pública, abrem oportunidades de potencial abuso e aumentam significativamente os riscos de corrupção.

Com o intuito de agilizar o processo de contratação pública, a Lei Federal nº 13.979/2020 trouxe regras mais flexíveis para aquisição de bens, serviços e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus. A lei dispõe que essas contratações emergenciais estão dispensadas de licitação, independentemente do valor da contratação, nas quais a situação de emergência é presumida, não sendo necessário demonstrá-la.

Além disso, dispõe que, excepcionalmente, será possível contratar empresas inidôneas, suspensas ou impedidas de contratar com o Poder Público, quando se tratar, comprovadamente, de única fornecedora do bem ou serviço a ser adquirido.

Essas regras mais flexíveis para aquisição de bens, serviços e insumos pela gestão pública criam um cenário mais propício à ocorrência de irregularidades, tais como superfaturamento, direcionamento de contratações e desvios de recursos públicos destinados ao combate ao coronavírus aumentando, portanto, os riscos de corrupção e fraudes em contratos públicos.

Visando permitir o monitoramento das contratações emergenciais, o governo federal lançou uma ferramenta que detalha as compras feitas com dispensa de licitação relacionadas ao coronavírus. De acordo com os dados divulgados até o momento, foram realizadas 997 dispensas de licitação para a aquisição de insumos de prevenção e enfrentamento à pandemia.

Nessa mesma linha, o Tribunal de Contas da União (TCU) lançou o hotsite do Coopera, que reúne as informações acerca das iniciativas do Tribunal relacionadas à utilização de recursos públicos no enfrentamento ao coronavírus.

Na contramão da transparência necessária para este momento, o chefe do Poder Executivo, presidente Jair Bolsonaro, promulgou em 20 de março de 2020 a Medida Provisória 928 (MP 928), que impôs restrições à Lei de Acesso à Informação (LAI) ao prever a suspensão dos prazos de resposta a pedidos de acesso à informação nos órgãos públicos cujos servidores estejam sujeitos a regime de quarentena, teletrabalho ou equivalentes e que dependam de acesso presencial de agentes públicos encarregados da resposta ou do agente público ou setor prioritariamente envolvido com as medidas de enfrentamento da pandemia.

Ao ser questionado em ação direta de inconstitucionalidade (ADI), o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu a eficácia da alteração introduzida na LAI pela MP 928, contendo assim a tentativa do Poder Executivo de afrouxar a aplicação da LAI no momento em que ela se mostra indispensável.

Para o relator da ADI, Ministro Alexandre de Moraes, a MP 928 “instituiu restrições genéricas e abusivas, sem qualquer razoabilidade, em ofensa a princípios constitucionais que consagram a publicidade e a transparência nos órgãos públicos”. Importante destacar que tais restrições são ainda mais preocupantes no cenário atual em que contratações emergenciais são realizadas com dispensa de licitação.

Outro marco normativo de destaque foi a edição da Medida Provisória 966 (MP 966) em 13 de maio de 2020. A MP 966 dispõe sobre a responsabilização de agentes públicos em atos relacionados com a pandemia da Covid-19. Segundo a MP 966, os agentes públicos somente poderão ser responsabilizados nas esferas civil e administrativa se agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro pela prática de atos relacionados com as medidas de enfrentamento à pandemia e aos efeitos econômicos e sociais dela decorrentes.

Mais uma vez foi ajuizada ADI questionando a constitucionalidade de uma medida provisória relacionada à pandemia. Instados a se manifestar os ministros conferiram, em caráter liminar, interpretação à MP 966 no sentido de que os atos de agentes públicos em relação à pandemia da Covid-19 devem observar critérios técnicos e científicos de entidades médicas e sanitárias, sob pena de se tornarem corresponsáveis por eventuais violações a direitos.

A opinião pessoal dos autores é a de que pode ter havido uma tentativa do Poder Executivo de evitar a futura responsabilização dos gestores públicos que adotarem políticas públicas sem a observância de padrões técnicos e evidências científicas. De qualquer modo, a decisão proferida pelo STF deixou aberta a possibilidade de responsabilização de agentes públicos que venham a atuar em desacordo com os melhores critérios técnicos e científicos existentes, garantindo que os atos destes agentes serão objeto de escrutínio e controle de legalidade no momento oportuno.

Com a flexibilização de algumas regras para agilizar ações e processos da administração pública, torna-se ainda mais importante o exercício de monitoramento e controle a fim de combater a corrupção e as fraudes em contratos públicos.

Uma forma de contribuir para o monitoramento da gestão de recursos públicos durante a pandemia é o canal criado pela Controladoria Geral da União (CGU) pelo qual os cidadãos podem relatar sugestões e reclamações sobre serviços prestados ou sobre a execução de ações de agentes públicos relacionadas à Covid-19. Até o momento, o canal recebeu 22,5 mil registros envolvendo assuntos como falta de insumos hospitalares, desobediência às medidas de prevenção, questões sobre o recebimento do auxílio emergencial e sugestões para o combate à pandemia.

As irregularidades em contratações emergenciais já começaram a surgir tanto que, nos meses de abril e maio, a CGU realizou sete operações especiais, em conjunto com a Polícia Federal e Ministérios Públicos, para combater desvios de recursos federais destinados ao enfrentamento da Covid-19. Tais desvios de recursos envolveram superfaturamento na aquisição de equipamentos, propostas com sobrepreço e contratação de empresas sem capacidade técnica e operacional para o fornecimento dos produtos, entre outras.

Para prevenir e combater eventuais irregularidades, é necessário que haja esforços e iniciativas eficazes principalmente por parte da administração pública, mas também pelos cidadãos e veículos de comunicação, que devem exercer seu papel no controle da utilização dos recursos públicos.

No entanto, para que a sociedade possa exercer seu papel e auxiliar no combate à corrupção, é imprescindível a observância da transparência e do direito de publicidade nas ações e processos da administração pública de modo a garantir a integridade nas relações público-privadas.

Importante deixar claro e registrar que fraudes e corrupção em contratações emergenciais para fins de combate à pandemia podem nos custar milhares de vidas, motivo pelo qual todos nós devemos insistir e batalhar pela transparência nos gastos públicos.

*Eloy Rizzo é sócio da área de Compliance & Investigações e André Leme é advogado sênior de Compliance & Investigações do Demarest Advogados.

Add new comment

HTML Restringido

  • Allowed HTML tags: <a href hreflang> <em> <strong> <cite> <blockquote cite> <code> <ul type> <ol start type> <li> <dl> <dt> <dd> <h2 id> <h3 id> <h4 id> <h5 id> <h6 id>
  • Lines and paragraphs break automatically.
  • Web page addresses and email addresses turn into links automatically.